São belas as bailarinas de Degas.
Eternamente presas à tela,
não mais irão rodopiar,
cruzar os braços para girar rapidamente
ou afastá-los para assim girar mais lentamente.
Para as bailarinas de Degas,
o momento angular e a sua conservação
só fazem sentido pela fixação perene à tela.
Terão existido realmente
ou foram fruto da imaginação?
Em quantos palcos terão rodopiado?
Quanto público terão extasiado
com a magia que sempre envolve a dança?
Que bailados terão interpretado?
Liberto o pensamento da simultaneidade no tempo
e afloram-me ao ouvido
A Bela Adormecida, Romeu e Julieta,
Giselle e o Quebra Nozes
que sempre em mim desperta
longínquas fantasias de criança.
e da matéria ardente das estrelas.
Explode como uma flor que tomba ao fim do dia,
sonha em branco e escuro a estrada do desejo;
com os braços abertos abençoa o mundo
com o rigor das mortes que hão-de vir. O cristo amarelo é o mais redentor de todos,
o mais mineral na sua face, o mais furtivo
homem entre os homens, mais
crucificado p`lo demónio; rasga a tela
e brilha de pasmo em existir,
quieto e morto ou prestes a dormir.
Pode matar-nos, este cristo inteiro
se olharmos os seus cravos e tremermos, e não há perdão para quem se roja;
ninguém é redimido com o amarelo
de um cristo mais fatigado que a morte,
o que mais ilumina o labirinto,
o que é mais rijo que um punho a tremer
de irritação, mais vital que todos os mistérios,
o que impõe a espera e a salvação. Os seus olhos
apossam-se de nós, fazem-nos crer
nas cores ilegítimas da aurora, no caos
que nasce da inocência, na fúria musical
deste universo. Por isso falamos sem parar, sabendo
que o responsável por tudo é este cristo,
este gigante da atlântida, este demente sempre em guarda, espesso e acre,
sempre pronto a empunhar a lança,
com os pés lacrados pelo horror
e a espuma que brilha no olhar.
A raiva do cristo é a sua humanidade,
a bondade altiva de quem tudo perdeu.
E mesmo as garras do cristo se contraem
quando rastejamos aos seus pés, sem fazer nada:
anula-nos com a mágoa da sereia que fenece
e recusa-nos o que deve recusar, como bom guarda.
Quando o sol se esconde, libertando
os espíritos que guardam o destino O cristo treme, detentor da face cristalina
a dois metros do solo, e é em vão que aceita a morte.
Nunca esta ali, o cristo rubro e ácido laranja,
quando queremos salvar a humanidade,
sorri ou já saiu da tela opaca.
Fica vermelho a jogar na infância,
fica roxo de candura e quase negro
de paz, mas não está lá, e nunca está, o cristo
calado, calado, tão calado.Isabel Cristina Pires in “ Deserto Pintado”
E já que se aludiu ao livro "Entre Margens" foi com satisfação que o vi referido num dos últimos números da revista As Artes entre as Letras
Nada mais justo que destacar o seu livro no Jornal que refere.
ResponderEliminarSobre o texto postado em Rerum Natura acho que o segundo poema,para mim,tem um significado que eu ainda não consegui apreender lá muito bem.
Um beijo.