Quando no
Verão estamos no Nordeste, é inevitável uma ida ao Rio Sabor, nomeadamente à
zona onde fica o Santuário de Santo Antão da Barca.
Este ano fomos
despedir-nos. Em breve o Santuário irá ser transladado e a albufeira começará a
encher. Aquelas paisagens agrestes que tanto me fascinam, deixarão de existir
para sempre. É certo que outras surgirão, porventura igualmente belas, mas
necessariamente diferentes daquelas com que cresci. Daí que a construção da
barragem me cause alguma tristeza, que acaba por emergir em alguns dos meus
poemas
(…)Ó banzas
dos rios , gemendo descantes(…) António Nobre
Jovial, fagueiro, por
vezes arrebatado, violento,
Assim corria o rio,
outrora, em sobressalto ou lento.
Barítono, tenor, baixo,
soprano, contralto,
cantava árias de amor e
de paixão
Aprisionaram-no. Tentou
lutar.
Foi impotente perante a
muralha de betão
Parado, triste, agora já
não canta.
Tem um nó na garganta.
(…)Falo
de ti… ao rio, que desdobra a faiscar vestidos de princesas e de fadas(…)
Florbela Espanca
Na margem, à sombra do velho salgueiro,
em criança passeava o olhar pelo meu rio.
As ninfas que ali se banhavam
dançavam, dançavam, dançavam…
Entretanto eu crescia e em ninfas não cria.
Na margem, à sombra do velho salgueiro,
adolescente, passeava o olhar pelo meu rio.
Por confidente o tomava dos sonhos
que então sonhava.
Foram-se as ninfas que eu supunha imortais,
foram-se os sonhos que eu supunha reais,
foi-se o salgueiro, a sombra, a margem.
Tudo foi, nada mais resta
senão água triste, aprisionada na barragem
In Gouveia,
R. (2013) Entre margens
Mas voltemos
ao percurso. O caminho é de terra batida pelo que nem todos arriscam a ali
aceder de carro. O meu marido com o jipe e o meu filho mais velho que ousou
levar o carro, transportaram as minhas noras e as cinco crianças . Eu e o meu
filho mais novo fomos a pé, usando o“trilho do
Sabor"
À medida que íamos
caminhando o meu filho repetia. O teu pai
tinha razão para associar estas paragens ao paraíso…
Em Estórias com sabor a
Nordeste, livro que está on-line, dou conta, de forma ficcionada, desta paixão
do meu pai, pela “sua terra”
Até essa altura o meu pai praticamente
nunca falara da Terranem da Casa com a minha mãe. Será a partir
daqui que ele começará a fazê-lo criando na minha mãe uma imagem que só para
ele era real. A Casa era o lugar
mais acolhedor que alguma vez tivera conhecido. A Terraera um lugar paradisíaco, com cheiros, cores, sons e
sabores como não existiam em qualquer outra parte do mundo. Falava-lhe de
estevas, urzes, arçãs, papoilas, alecrim; de andorinhas, melros, calhandras,
cotovias, poupas, cucos, gaios. Descrevia as encostas do Rio, no fim do
Inverno, com as amendoeiras em flor, como parecendo véus de noiva, em Junho com
os seus tons de castanho, amarelo, verde e roxo, e em Outubro com os tons dados
pelas folhas secas das árvores e das vinhas, lembrando telas dos melhores
pintores. Falava-lhe das oliveiras no inverno, geladas, como lembrando árvores
de prata, dos pingarelhos de gelo caindo dos beirais como lembrando peças de
cristal. Falava-lhe também da capelinha de Sto Estevão, lá junto ao
Rio, que corria preguiçoso nos dias cálidos de Verão e tumultuoso nos dias de
invernia, como que ciumento da beleza das encostas que o ladeavam. Descrevia os
vários tons do céu, cinza quase branco anunciando neve, cinza quase negro
anunciando trovoada, azul sem igual, nos dias límpidos ou, em outros dias, azul
manchado de branco pelos castelos de nuvens cuja sombra, nas encostas, se
misturava com todos os seus tons tornando a paisagem ainda mais deslumbrante. O
meu pai falava de tudo isto, mas omitia quão duras são a apanha da amêndoa sob
um sol abrasador e a da azeitona, sob um frio de rachar, tal como omitia a
inexistência de estrada entre a vila e a TERRA, a falta de luz eléctrica, de
água canalizada, o pouco conforto da CASA. Creio que nestas omissões não havia
intenção deliberada de enganar a minha mãe. Não, o meu pai via de facto a TERRA
como o paraíso e a CASA como um palácio.
Regressemos
ao trilho do Sabor. A dada altura toda a paisagem se alterou e fomos
confrontados com uma extensão a perder de vista, de encostas calcinadas pelo
terrível incêndio que assolou a zona no mês de Julho.
Que desolação…
Quando chegámos já os
demais estavam no rio. O Tomás, uma miguinho do meu neto Ju, estava fascinado pois tinha conseguido apanhar
uma râzinha que colocara num baldinho com água. A Rita tinha colocado vários
peixinhos num outro recipiente.
Posteriormente regressariam ao seu habitat...
Ao cair da noite tivemos
que regressar perante a relutância de todos, em especial dos mais pequenos
E
a propósito dos incêndios e dos incendiários, no passado dia 11 assisti a um programa
na televisão que me incomodou imenso-entrevistas a incendiários. As televisões, a meu ver sem quaisquer
escrúpulos, preocupam-se apenas em obter audiências. Sabendo que muitos dos incendiários são psicopatas que dão tudo por uns momentos
de protagonismo, que melhor lhes poderia suceder do que estarem vários minutos
no expostos num écran de televisão... Será que tais programas não aliciam
outras mentes perturbadas?
Querida amiga Regina
ResponderEliminarQuanta poesia e quanta verdade em tudo que escreve!!!Como eu a admiro!!!
E a propósito de incêndios, muito haveria a dizer. Mas isso não é coisa para a TV.
Um grande abraço.
Obrigada Graciete
EliminarJá tentei comentar as duas últimas mensagens do seu blogue para lhe agradecer a evocação de Allende e Urbano Tavares Rodrigues, mas quando estou a escrever o texto é eliminado não sei por que artes.
Um grande beijinho
Regina