Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


quarta-feira, 17 de abril de 2019

Notre Dame de Paris


Há poucos dias referi que um dos escritores preferidos do meu pai era Camilo Castelo Branco. Praticamente  só lia autores portugueses. Abria algumas exceções para autores brasileiros e para o escritor francês Victor Hugo. Na minha juventude li dois livros do auto,r livros esses que herdei e que continuam nas estantes da minha casa da aldeia- Os Miseráveis (não tenho presente quantos volumes) e Notre Dame ( em outras edições tem o título de O Corcunda de Notre Dame )
Ontem, ao ouvir a notícia do incêndio da Catedral, vieram-me à memória algumas personagens e até parte do enredo de cada uma das obras. Como vou amanhã para a aldeia, onde não tenho facilidade de aceder à NET, deixo aqui dois poemas. O primeiro é de Mário de Sá Carneiro   e pode ser lido aqui

Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir.. Onde acoitar-me?
Os braços duma cruz.
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar…
Um cheiro a maresia
Vem-me refrescar,
Longínqua melodia
Toda saudosa a Mar…
Mirtos e tamarindos
Odoram a lonjura;
Resvalam sonhos lindos…
Mas o Oiro não perdura
E a noite cresce agora a desabar catedrais…
Fico sepulto sob círios —
Escureço-me em delírios,
Mas ressurjo de Ideais…
– Os meus sentidos a escoarem-se…
Altares e velas…
Orgulho… Estrelas…
Vitrais! Vitrais!
Flores de lis…
Manchas de cor a ogivarem-se…
As grandes naves a sagrarem-se…
– Nossa Senhora de Paris!…

O segundo é do autor colombiano William Ospina e pode ser lido e ouvido aqui
https://palabravirtual.com/index.php?ir=ver_voz.php&wid=2667&t=Notre+Dame+de+Par%25EDs&p=William+Ospina&o=William+Ospina

Notre Dame de París

Siempre llegué al amor por caminos de engaño.
Antes de verte, indemne, frente a mí, en los declives
de un verano imborrable, piedra sagrada, fuiste
un vago sueño de arcos y de luz insinuándose
por el cielo inventivo de mi infancia, y al verte
real como mis manos, calladamente cierta,
tu corteza prehistórica se burló de mis sueños:
no eras el sol de piedra que flotaba en la mente.

Dormía allí una roca. La alzaron siglo a siglo
dolorosas estirpes de polvo. Vi en la noche
las puertas asimétricas, las toscas torres truncas,
los flancos floreciendo de demonios sardónicos.
Sólo vi tu apariencia de navío infernal,
tu alto cuerpo amasado por el miedo, y sentí
que efundiendo la lumbre de la superstición
todo lo contagiabas de pavor medieval
como un grito en la música apacible.

No todo en mis alarmas era error, pero luego,
frecuentando tus nichos, tu esplendor, fui entendiendo
que la belleza llega con máscaras atroces,
que a su primer encuentro lo sagrado horroriza.
Sé que da miedo hallar, hecho ya, lo imposible,
que antes de ser pensado, el mismo cielo espanta.

Así como a los mundos que sin saberlo giran
hechizando la noche con sus brasas perfectas,
vi el vuelo de tus bóvedas, la ebria piedra sin peso
flotando sobre el río de la plegaria humana.
Vi los arcos quebrados, las remotas ventanas,
las altas escaleras cuyo rumbo es enigma,
los cristales que quiebran y disgregan la luz.
Lento husmea el sabueso de la mente en las causas,
tras cada ojiva advierte la previa idea, el acto,
y percibe en las cóncavas, exquisitas alturas,
la labor de una sabia multitud invisible.
Veo en un brusco instante hormiguear los siglos:
la piedra rigurosa
se ordena, fiel al sueño de afanosas estirpes,
cruzan picas, plomadas, martillos, sogas, ángeles,
en el aire alabean ecuaciones y andamios
y fe y miedo trenzados alzan la roca mística.

Y una paz misteriosa nos da el saber que el templo
ascendió de las frentes y las manos del hombre,
por la noche el viento, cayendo hacia los astros.
Que algo divino ardía como fiebre en la sangre,
algo que no sabemos y que no preguntamos,
porque el misterio debe durar en el misterio
y es bello para el hombre que algo perdure oculto.

Así aprendí a querer tu compleja estructura,
allí estaba, envolviéndome,
tu cielo acastillado donde aletea la música,
los colores mordidos por la húmeda tiniebla,
la meditada oblicua de la luz en las criptas,
los sepulcros que agrava un lóbrego latín.
Allí estabas, dibujo fiel de la mente gótica,
retrato de una edad hecha de ley y de abismo,
batalla contra el caos perpetuada en la piedra.
Y te amé en esas tardes sin comprenderte, y fuiste
el sitio señalado para el éxtasis
cuando una aciago amor socavaba mi alma.

Ahora, lejos, Basílica, te recuerdo, orgulloso
de haber amado en ti todo lo que perdura.
En la memoria avanzo de nuevo por tu calma,
se ennoblece otra vez mi conciencia en tu música,
algo anterior a mí tiembla en mí contemplándote.
Morosamente busco lo que conozco y amo,
y no sé, al celebrarte,
qué celebro en secreto, más antiguo y más íntimo;
qué obstinado edificio de la mente o la sangre,
como el rostro anterior que un nuevo rostro evoca,
traza con sus hipérboles la memoria inexacta.






segunda-feira, 15 de abril de 2019

Feliz Páscoa 2019




A todos, familiares e  amigos,
desejo  uma Feliz Páscoa

Regina Gouveia, 2019

O silêncio tece o tempo.
Mansos os rebanhos,
plangentes os chocalhos.
A melancolia funde-se com o pó
que se evola do chão.
Esparsa, a sombra dos arvoredos.
Muros de xisto, centenários,
ostentam flores róseas nos silvedos,
anunciando as negras amoras
que aguardam o Verão.
Colho uma.
Tépido, um fio de sangue 
desponta na mão .

Regina Gouveia in Quando o mel escorre nas searas

domingo, 14 de abril de 2019

Efemérides-3


Após a “romagem” a terras de Torga, a que me referi na mensagem anterior, no dia seguinte rumámos a S. Miguel de Seide, prestando homenagem a Camilo,um dos  autores preferidos do meu pai.

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, em 1825.  Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, foi, juntamente com uma irmã, recolhido por uma tia de Vila Real que se encarregou de os educar. Através da tia recebeu uma educação básica irregular, dada por dois padres de província. Uns anos mais tarde, após o casamento da irmã Carolina, foi viver com o casal, nas imediações de Vila Real.
Com apenas 16 anos, Camilo decide, à revelia da irmã, casar-se com uma jovem de 14, filha de lavradores, e instala-se com ela numa casa em Friúme, distrito de Vila Real. O casamento precoce parece ter resultado de uma mera paixão juvenil e não resistiu muito tempo.

Do casamento anteriormente referido e quando o casal já estava separado, nasce uma filha que morre em criança Passa por outra relação, desta vez com Patrícia de Barros,de quem tem uma filha,  mas foi a sua relação com Ana Plácido, assumida em 1859, que o levou a S. Miguel de Seide

A casa foi construída por Pinheiro Alves em 1830, quando regressou com fortuna do Brasil. O "brasileiro" (como era conhecido) casou em 1850 com Ana Plácido, mas cedo se soube da relação extraconjugal desta com Camilo.  
Fugidos,  perseguidos de terra em terra pela justiça, foram capturados e presos na Cadeia da Relação, no Porto. Foram julgados por adultério, mas absolvidos em 1861 pelo pai   de Eça de Queirós, que era juiz .https://www.publico.pt/2013/07/14/jornal/a-terra-ainda-trata-26818977

Foi na cela da prisão que Castelo Branco escreveu Amor de Perdição. Foi também na prisão que conheceu Zé do Telhado a quem se refere em Memórias do Cárcere.
 Em 1863,   após  a morte de Pinheiro Alves, Manuel (supostamente seu filho) herda a casa de Seide e nesse mesmo Inverno,  Manuel, Camilo, Ana Plácido e o filho Jorge recém nascido, passam a habitá-la. Em 1864 nasce Nuno, o segundo  filho do casal.
Em 1877, com apenas 19 anos, morre Manuel Plácido  por quem Camilo tinha grande afeto.
Em 1865  Camilo começara a sofrer de graves problemas visuais.  Esse facto, juntamente com os problemas criados pelos filhos (Jorge, cujos desenhos de um traço límpido e brilhante estão nas paredes da casa, sofria de esquizofrenia, numa época em que não havia grandes soluções para a doença e Nuno  era muito boémio) foram fortalecendo no escritor, a ideia de suicídio

«Foi muito grave o prognóstico da minha doença de olhos; mas hoje está averiguado que é efeito de venéreo inveterado. Sofro há 4 meses uma diplopia (vista dupla). É horrível para quem não tem outra distracção além da leitura. Tarde será o meu restabelecimento; mas, valham-me as esperanças de não cegar, porque isto importava um inevitável suicídio   in Dicionário de Camilo Castelo Branco, de Alexandre Cabral, Editorial Caminho, Lisboa, 1988

Em carta enviada ao Dr. Magalhães Machado, o oftalmologista que o acompanhava,  escreve  "Sou o cadáver representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país durante quarenta anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego"
A 1 de junho  de 1890, o médico visita o escritor em Seide. Depois de lhe examinar os olhos condenados, recomenda-lhe descanso numas termas e “adia para mais tarde” um eventual tratamento. Quando Ana Plácido acompanhava o médico até à porta, Camilo Castelo Branco, sentado na sua cadeira de balanço, disparou um tiro de revólver na têmpora direita.
Conforme seu pedido, foi sepultado no cemitério da Lapa, no jazigo de um amigo 

Em 1895 morre Ana Plácido que, além de dedicada companheira de vida, foi  também uma fiel companheira de letras. Com ela, Camilo fundou e dirigiu, em 1868, A Gazeta Literária do Porto.

Senhora de espírito e com alguns dotes literários, colaborou em numerosos jornais e revistas (Gazeta Literária, Revista Contemporânea, O Nacional, O Futuro, A Revolução de Setembro, etc.), com artigos e romances em folhetins, que assinava com os pseudónimos de Lopo de Sousa, Gastão Vital de Negreiros ou, simplesmente, A. A
Foi abandonando, pouco a pouco, os seus sonhos de glória literária, transformando-se de “mulher fatal” em esposa e mãe dedicada. Colaborou diligentemente com Camilo, a quem ajudava, investigando manuscritos que lhe serviam de base a muitos romances ou fornecendo-lhe enredos da vida aldeã, colhidos da sua convivência com os camponeses.
Alberto Pimentel (amigo do casal) in “Os Amores de Camilo”

A sua obra mais importante  “A Luz Coada por Ferros”, reúne, além dos artigos publicados em periódicos, algumas novelas originais e divagações em prosa, a maior parte dos quais escrita na prisão.
Ana Plácido está sepultada no cemitério de  Seide

Após um grande incêndio em 1915, a casa de Seide foi reconstruída, mas com algumas alterações. Em 1956 foi inaugurada a Casa-Museu obedecendo à traça original do edifício.
Muito do mobiliário é da época, ainda que só o relógio seja o único elemento que se mantém desde o tempo do escritor. É descrito em Eusébio Macário (1879) com uma precisão tal que se lê como uma paródia aos códigos do Realismo: "Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à 

Algumas fotos da casa




Os filhos Nuno e Jorge



Escritório de Camilo
Vista parcial do quarto do casal com uma das camas

Desenhos do Jorge
O cenário que se avista da janela inspirou algumas das obras, nomeadamente  a freguesia de Monte Córdova,  que "emerge" na obra A Bruxa do Monte Córdova


 Na sala de jantar está uma mesa posta para duas pessoas e, ao lado, o soneto “Os amigos” (pensava que tinha fotografado a mesa, mas pelos vistos não)

Amigos cento e dez, e talvez mais, 
Eu já contei. Vaidades que eu sentia! 
Supus que sobre a terra não havia 
Mais ditoso mortal entre os mortais. 

Amigos cento e dez, tão serviçais, 
Tão zelosos das leis da cortesia, 
Que eu, já farto de os ver, me escapulia 
Às suas curvaturas vertebrais.

 Um dia adoeci profundamente. 
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente 
Que não desfez os laços quase rotos.

 - Que vamos nós (diziam) lá fazer? 
Se ele está cego, não nos pode ver… 
Que cento e nove impávidos marotos

Este, um dos poemas de Camilo que ouvi o meu pai dizer, inúmeras vezes, a tal ponto que, inspirada no mesmo, com toda a ingenuidade dos  meus 14,15 anos escrevi:

Amigos tive-os outrora, mas loucos foram-se embora.
Da nossa antiga amizade resta-me apenas saudade.
A eles não resta nada.
Amigos, como os recordo… Em pensamento os abordo,
mas dessa antiga aliança,  resta-me só a lembrança
A eles não resta nada.
Amigos, só de fachada. Vão pela hora calada
Novo rumo, nova estrada  A mim resta-me a saudade,
A eles não resta nada

Duas vistas do exterior da casa 


 













A Igreja, na Praça junto à casa

 

A pós o almoço fomos visitar o Centro de Estudos Camilianos, em frente à casa,  do outro lado da estrada. Compreende um auditório, salas de leitura e de exposições temporárias, gabinetes de trabalho e uma cafetaria. O projecto é da  autoria de Siza Vieira,

Ali se concentra o vasto património camiliano: bibliografia, documentação manuscrita, iconografia e artes plásticas dedicadas à obra do escritor.


Na sala de entrada podemos ver uma evocação de Camilo na cadeira de balanço onde se suicidou e num dos escaparates, várias peças de Fernando Lanhas, alusivas ao escritor





Na sala de exposições está patente,  desde 15 de dezembro de 2018 e até ao próximo dia 28 de abril,  a exposição temporária de artes plásticas “Evocar Maria Moisés”, baseada na obra “Maria Moisés”, de Camilo Castelo Branco


Termino esta mensagem com fotos de duas obras dessa exposição 





sexta-feira, 12 de abril de 2019

Efemérides- 2


No final da última mensagem, prometi referir-me à surpresa que o meu filho Miguel e a  minha nora Teresa nos fizeram no dia 29 de Março, dia em que se cumpriram 50 anos sobre o nosso casamento.
Uma “celebração” da efeméride, muito simples e íntima, está agendada para o domingo de Páscoa. No dia, pensávamos celebrar só os dois. Na celebração estavam incluídas a passagem por S. Martinho de Anta e por S. Miguel de Seide.

Numa mudança de planos, à última hora, adiámos a saída do Porto para o dia 30.

No dia 29, quando nos preparávamos para jantar, o meu filho Miguel, que mora mesmo ao nsso lado, chegou e disse: Não faz sentido estarem a jantar sozinhos no dia hoje. Tragam o jantar, juntamo-lo ao nosso e jantamos lá em casa, em conjunto. Aceitámos sensibilizados. Quando, vestidos com uma roupa de andar por casa, nos preparávamos para ir, o meu filho disse: Embora seja apenas um jantar entre nós, é um dia especial pelo que vistam algo melhor. Comecei a achar que haveria ali qualquer coisa estranha…

Mal chegámos fomos surpreendidos pela presença de filhos, noras, netos e primos, num ambiente de festa que não imaginaria, pois dispuseram de pouquíssimo tempo para organizar tudo, dado que a nossa mudança de planos tinha sido inesperada. A ideia de compartilharmos o jantar fora apenas um truque para não desconfiarmos de nada...

Obrigada a todos, muito em particular à Teresa que teve muito trabalho.


No dia seguinte saímos do Porto, em direcção a S. Martinho de Anta. Logo à entrada, o Espaço Miguel Torgaprojeto do Arq. Souto Moura, um edifício muito interessante de que podem ser
vistas boas imagens aqui



No seu interior, uma exposição permanente, dedicada á vida e obra de Miguel Torga, 
Alguns documentos em exposição


 Torga e a mãe

O Nobel que não recebeu....   

 
 




A par desse espaço existe  um outro para exposições temporárias, um auditório, uma cafetaria,uma biblioteca e  uma loja

Após a visita ao Espaço Miguel Torga fomos visitar lugares emblemáticos na aldeia- o negrilho, a escola que frequentou, a casa onde nasceu e que está em obras a fim de ser convertida em museu, depois de doada para esse fim por Clara Rocha, filha de Torga e  Andrée Crabbé, o cemitério onde o casal  está sepultado

 


O que resta do negrilho, que tal como inúmeros ao longo do país, foi atacado há anos por uma epidemia.

A um negrilho

Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.     
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado 
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação Serena! 
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Miguel Torga in Diário VII



Igreja de S. Martinho de Anta. Por detrás é o cemitério.


Jazigo de Torga  Andrée Crabbé,  bonito porque  sóbrio-uma pedra de granito gravada com os dois nomes





Almoçámos em S. Martinho e a seguir ao almoço fizemos uma passagem  por Sabrosa, terra de solares e casas senhorias...

Um dos mais bonitos é agora unidade hoteleira





Numa rua deparámos com a casa que supostamente pertenceu a Fernão de Magalhães

São ainda hoje muito confusos os dados sobre a naturalidade e filiação deste grande português. Embora tudo leve a crer que tenha nascido na Casa da Pereira, de Sabrosa, no último quartel do século XVI, e que tenham sido seus pais, Rui de Magalhães, casado com D. Alda da Mesquita Pimentel de Vila Real.
Finda a passagem por Sabrosa, regressámos a S. Martinho de Anta para visitarmos a "Mamoa" que fica muito perto da aldeia


A Mamoa de Madorras destaca-se pela sua monumentalidade e estado de conservação e por essa razão, aí se realizaram algumas intervenções científicas as quais proporcionaram resultados inovadores e de extrema importância para o conhecimento das comunidades que, há cerca de 
6 000 anos, construíram esta imponente sepultura e habitaram a região.




A terminar o nosso passeio por terras de Torga fomos a Panóias

“Panóias, 6 de Outubro de 1951 
Volto a este livro de pedras, onde o passado deixou gravadas as suas devoções. 
Estou nisto: coisas que falem, que respondam. Marcos, estrelas ou fragas com inscrições, mesmo delidas, onde a gente soletre uma intenção, um protesto, um voto. 
O pasmo bovino da natureza movimentado, contrafeito, 
reduzido pela compreensão a palavras ou caracteres inteligíveis. 
Paisagem com voz, que dialogue.”
 Miguel Torga, Diário VI, Coimbra, 1953

O Santuário de Panóias terá sido construído entre os finais do século II e os inícios do século III d. C.  Existem  ali  testemunhos de um rito de iniciação dos mistérios das divindades infernais
Terá sido C. G. Calpurnius Rufinus, senador romano, que introduziu esse  culto em Panóias 

Três grandes fragas erguem-se, entre outras, numa colina ligeiramente inclinada. Nas fragas, existiram outrora, templos erguidos em honra dos deuses. Nos afloramentos rochosos ainda estão cavadas as pias para onde jorrava o sangue dos animais sacrificados, os espaços para a queima das vísceras,e escadas talhadas também na rocha que levavam o peregrino até ao templo.

Os Sacerdotes, alinhados, esperam a vítima. A faca trespassa o animal, enquanto o sangue escorre… Evoca-se Serápis, o deus dos Mortos.
Os fogos já estão acesos, e as labaredas rodopiam as sabor do vento. Queimam-se as vísceras das vítimas enquanto nos poços, já a transbordar do sangue da besta, os neófitos se vão purificando, banhando-se no líquido ainda quente.
Numa das rocha lê-se: “Aos Deuses e Deusas e também a todas as divindades dos Lapitaes, Gaius C. Calpurnius Rufinus, membro da ordem senatorial, consagrou com este recinto sagrado para sempre uma cavidade, na qual se queimam as vítimas segundo o rito”. 







Nesta rocha, as gravações acima referidas



Dos roteiros torguianos fazem parte vários outros pontos, nomeadamente o Solar de Mateus e o miradouro de S. Leonardo de Galafura que já visitámos em outras ocasiões.  
A nossa visita a “Torga” terminaria aqui, mas a mensagem não podia deixar de conter o poema a S. Leonardo de Galafura e um breve vídeo

À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
 Miguel Torga in Diário IX

 O dia estava a chegar a fim.

No dia seguinte iríamos  visitar S. Miguel de Seide