Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


sexta-feira, 30 de julho de 2010

Façam o favor de ser felizes....

Para fazer alguém feliz é necessário mantê-lo ocupado

Leiam este artigo em  http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=44301&op=all

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Raízes

Amanhã parto para férias,  para o meu rincão transmontano,  onde tenho raízes.


Boas férias para todos.



Raízes

As minhas raízes estão em íngremes ladeiras, em terras de xisto,

onde crescem amendoeiras, carrascos, sobreiros, oliveiras,

e onde o sentir é outro, mais profundo.

Como que em busca da certeza de que existo,

gosto de vaguear pelas ladeiras, sentindo rumorejar o rio ao fundo
(in Magnetismo Terrestre)

Ilusão

Em pleno estio os meus olhos vagueiam na ladeira

que exulta em cor, em cheiro e em sons

que me afloram o ouvido, subtis

Os meus olhos vagueiam na ladeira

exuberante em todos os seus tons

tecendo à minha volta mil ardis

É o amarelo das searas,

das oliveiras, o verde prateado,

dos troncos dos sobreiros o tom acastanhado,

mais além um outro verde, das figueiras.

Pobres figueiras em terras tão avaras,

avaras de água, que não de encantamento

que esse de há muito me há a mim tomado

enquanto dolente passa o vento

que agita os ramos das amendoeiras.

Os meus olhos vagueiam na ladeira

em pleno estio e sinto um arrepio

Lá em baixo serpenteia preguiçoso o rio

e o céu, por cima, dum azul sem fim,

parece olhar para mim.

Sinto no ar toda uma fragrância

e volto sem querer à minha infância

de sonhos que nunca mais foram sonhados.

Amoras, mel, uvas e mosto de repente sinto-lhes o gosto

Tudo se repete agora e logo, de onde em onde.

Cigarras, besouros, libelinhas, gaviões, pardais e andorinhas,

urze, giesta, papoilas e tomilho, tudo se agita; é grande a euforia

nos meus pensamentos enredados, grávidos de sonho e fantasia

que parecem gerar como que um filho, envolto em tule, rendas e brocados.

Afaga-me uma onda de alegria matizada de muita nostalgia,

aproxima-se a noite, ao fim do dia.

No ocaso, o sol vermelho já se esconde, porém, já lá não está, é ilusão!

Ainda o vemos devido à refracção
(in Magnetismo Terrestre)



Sensações

Tem um cheiro inconfundível a minha casa da aldeia

Não sei se é do rosmaninho que perfuma todo o linho

dentro das arcas guardado, se é da madeira das portas,

dos tectos e do sobrado se é das pratas no lambrim

ou das peças de faiança, são travessas e são pratos,

nas paredes pendurados, se é das peças de mobília

uma herança de família, não sei se é dos retratos

que às vezes, a horas mortas, falam, sorriem para mim.

Terão perfume as memórias de quando eu era criança?

Terá perfume a lembrança?

Tem um cheiro inesquecível a minha casa da aldeia

Mas não é só o odor. São as cores e são os sons

que vejo e ouço em qualquer lado e em tudo o que me rodeia.

Lembro lágrimas, sorrisos, por vezes já imprecisos.

Lembro sussurros e histórias imagens em vários tons

plenas de luz e de cor ou também acinzentadas

baças, sem cor, desbotadas.

Têm cor alguns dos sons. Sons e cores têm odor

A minha casa da aldeia cheira a afecto e amor.

Mesmo quando estou distante às vezes, por um instante,

chego a pensar que estou lá, pois apesar da distância

eu sinto aquela fragrância.

Que explicação haverá?

Será acção magnética? Uma interacção eléctrica?

Força electromagnética? Gravítica? Nuclear?

Forte ou fraca interacção?

É difícil de explicar pois não há explicação

que assente só na razão.

Esta estranha sensação tem a ver com o coração.
(in Reflexões e Interferências)


Andante

Em Agosto, o sol rubro ao poente

antecipando um dia muito quente

e o alegre canto da cigarra

que a morna brisa acalentava,

faziam o poema.

Em Novembro, as cores outonais

das folhas, bailarinas surreais

que caídas no fim do seu tempo

bailavam ao sabor do vento,

faziam o poema.

Em Dezembro, o crepitar da lareira

e o manto branco na ladeira,

emprestando um ar de fantasia

a um natal pleno de magia,

faziam o poema.

Em Maio, o campo com seu ar de festa

exalando um subtil odor a giesta

e o rubro das papoilas nas searas,

contrastando com tímidas flores claras,

faziam o poema.

O poema estava ali,

não precisava de palavras.
(não publicado mas classificado em 1º lugar num concurso promovido em 2009 pela CMMogadouro)


A terminar deixo-vos com Eugénio de Andrade, em "Canção breve" , com Carlos do Carmo em "Fado da saudade" (de Carlos do Carmo e Fernando Pinto do Amaral) que venceu em 2008 a 22ª edição do prémio Goya para Melhor Canção Original(Palácio dos Congressos, Madrid) e com a obra"Melancolia " de Munch


Canção breve

Tudo me prende à terra onde me dei:


o rio subitamente adolescente,


a luz tropeçando nas esquinas,


as areias onde ardi impaciente.


Tudo me prende do mesmo triste amor


que há em saber que a vida pouco dura,


e nela ponho a esperança e o calor


de uns dedos com restos de ternura.


Dizem que há outros céus e outras luas


e outros olhos densos de alegria,


mas eu sou destas casas, destas ruas,


deste amor a escorrer melancolia.

Eugénio de Andrade

Fado da Saudade


terça-feira, 27 de julho de 2010

Descoberto «ambiente totalmente novo» na Lua

Descoberto «ambiente totalmente novo» na Lua é o título de uma notícia publicada em Ciência Hoje,  por isso resolvi dedicar este post à companheira da Terra


No tempo de Newton, já se sabia que os satélites giravam em torno dos planetas como estes em torno do Sol. Também se sabia que a terra atrai os corpos. Então Newton admitiu que a força que atraía os corpos para a terra seria a mesma força que “prendia” a lua à sua órbita. Assim sendo, e tendo em conta que essa força varia com o inverso do quadrado da distância (F = G m M / d2 - lei da gravitação)seria de prever a relação entre a aceleração de um corpo na terra e a aceleração centrípeta da lua (acorpo/alua = ( 384000/6400) 2= 3600)  o que está em concordância com os dados obtidos a partir do movimento da lua e da queda dos graves
Ressalta da equação que traduz a lei da gravitação que, se a Terra atrai a Lua também a Lua atrai a Terra. Sob o efeito da atracção lunar a terra é deformada periodicamente sendo visível a deformação na massa de água dos oceanos (marés).No entanto, a parte sólida, ao mesmo ritmo também sofre alguma deformação. Parte da energia associada às deformações é dissipada como calor o que tem como consequência uma diminuição progressiva do período de rotação da Terra. Assim, a duração do dia aumenta 0,002 s em cada milénio A diminuição da velocidade de rotação é acompanhado dum aumento da distância da Terra à lua ( 4 cm por ano)
Estas variações têm sido comprovadas directa ou indirectamente

A distância da Terra à Lua, que se exprime frequentemente em segundos-luz,  é 1,2s-luz, o que significa que a luz que a Lua difunde leva 1,2 s a chegar à terra. Sendo a velocidade da luz no vazio (e aproximadamente no ar) 300.000km/s a distãncia média da Lua à terra é cerca de 360.000 km

Apollo 11, a quinta missão tripulada do Programa Apollo foi a primeira a  pousar na Lua, em 20 de Julho de 1969, tripulada pelos astronautas Edwin Aldrin e Michael Collins e Neil Armstrong, comandante da missão, que foi o primeiro ser humano a pisar na superfície lunar.

António Gedeão refere-se a este grande passo para a Humanidade, em  poemas como Pedra Filosofal e

Poema do Homem Novo

Neil Armstrong pôs os pés na Lua


e a Humanidade inteira saudou nele


o Homem Novo.


No calendário da História sublinhou-se


com espesso traço o memorável feito.


Tudo nele era novo.


Vestia quinze fatos sobrepostos.


Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,


um colante poroso de rede tricotada


para ventilação e temperatura próprias.


Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,


catorze, no total,


de película de nylon


e borracha sintética.


Envolvendo o conjunto, do tronco até os pés,


na cabeça e nos braços,


confusíssima trama de canais


para circulação dos fluidos necessários,


da água e do oxigénio.


A cobrir tudo, enfim, como um balão de vento,


um envólucro soprado de tela de alumínio.


Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,


auscultadores e microfones,


e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,


luvas com luz nos dedos.


Numa cama de rede, pendurada


da parede do módulo,


na majestade augusta do silêncio,


dormia o Homem Novo a caminho da Lua.


Cá de longe, na Terra, num borborinho ansioso,


bocas de espanto e olhos de humidade,


todos se interpelavam e falavam


do Homem Novo,


do Homem Novo,


do Homem Novo.


Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.


Caminhava hesitante e cauteloso,


pé aqui,


pé ali,


as pernas afastadas,


os braços insuflados como balões pneumáticos,


o tronco debruçado sobre o solo.


Lá vai ele.


Lá vai o Homem Novo


medindo e calculando cada passo,


puxando pelo corpo como bloco emperrado.


Mais um passo.


Mais outro.


Num sobre humano esforço


levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.


Com redobrado alento avança mais um passo,


e a Humanidade inteira,


com o coração pequeno e ressequido,


viu, com os olhos que a terra há-de comer,


o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,


exactamente como faria o Homem Velho.

Este poema do homem novo transportou-me para sinfonia Novo Mundo de Dvorak de que aqui fica um trecho

Quase a finalizar cito Saramago "E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos?” para vos deixar com Era uma vez a lua…um dos textos do meu livro Pelo sistema solar vamos todos viajar que deve sair ainda este ano

A Gabriela adora estar à janela


Distrai-se a olhar a rua calma ou movimentada


com toda a gente que passa ora lenta ora apressada.


Distrai-se a olhar o céu com nuvens a flutuar,


com gaivotas a voar, com aviões a passar deixando um rasto no ar.


Mas o que mais a fascina é estar à noite, à janela


com a gata à beira dela, ambas a olhar a lua


que é muito bem educada, nunca de costas voltada.


A Gabriela gosta de a ver redondinha brilhando no Céu estrelado,


o luar parece prata.


Também gosta quando a vê, brilhar em forma de C


é o quarto minguante, e a seguir já não se vê. É a tal de lua nova.


Fica triste a Gabriela sempre que chega à janela e não pode ver a lua.


E fica triste a gata dela que tem por nome Fofinha.


Cresce a lua, novamente, fica com a forma de um D, diz-se que é quarto crescente.


Crescer escrito com D ou diminuir com C


é coisa que não se vê em qualquer escrita decente.


Ou a lua é ignorante ou é muito irreverente,


ou então é bem matreira e gosta de brincadeira …


A Gabriela gosta das fases da lua, excepto da lua nova, em que a lua não se vê


mas prefere a lua cheia, sem saber mesmo porquê.


E sabe que, de mês a mês, todo o ciclo se renova,


é lua cheia outra vez e a noite é quase dia, com a lua a alumiar.


Mas a luz que a lua envia é ao Sol que a vai buscar, luz que o sol também envia


para cada lugar da terra que, de dia, a consegue captar.


À noite já não consegue, resta-lhe a luz do luar, que é maior na lua cheia.


Também a gata Fofinha gosta da lua cheiinha.


Deve até imaginar que é um novelo de lã


e mexe a sua patinha como se o fosse apanhar.


Num aquário redondo, um peixinho, é o Titã,


nada, nada com afã e gosta de olhar a lua.


Pensará que é um aquário com peixinhos a nadar?


Ambos estão enganados já que a lua, como a Terra,


não é lá muito fofinha e peixinhos, nem pensar,


pois a lua não tem rios, não tem lagos, não tem mar.


Talvez por essa razão, com a água quer brincar e brinca com o mar da Terra fazendo as marés subir, fazendo as marés baixar.


Nem tem água nem tem ar, para se poder respirar.


Pobre lua, não tem vida mas habitantes da terra já a foram visitar.


Viajaram numa nave que tinha por nome Apollo.


Quando chegaram à Lua e pisaram o seu solo não sabiam caminhar.


Habituados à Terra, os ousados visitantes pareciam extravagantes.


Andavam devagarinho, cada passo era um saltinho,


pois na Lua, a gravidade tem menor intensidade.


Quando por fim regressaram vinham cheios de alegria


já que o astro mais bonito que lá da lua se via era a Terra, este planeta.


Às vezes a lua desperta bem perto do horizonte,


e a Gabriela, que lá da sua janela vê ao longe um grande monte,


crê que se ao cimo trepasse talvez a lua agarrasse.


Mas já lhe disseram que não. Parecendo estar pertinho, mesmo usando um foguetão levava ainda um tempinho para a poder alcançar.


Muito mais que ir viajar de avião para o Brasil, do outro lado do mar.


Pobre lua, tão sozinha não tem ninguém para brincar,


lamenta-se a Gabriela enquanto a vê da janela.


Mas a lua às vezes brinca com a Terra e com o Sol.


Põe-se no meio dos dois, faz sombra ali num cantinho


parece que já é noite e ainda é manhã cedinho.


Ficam todos baralhados, o cão, o gato, o burrinho e até o caracol.


A Gabriela já sabe, não se lembra quem lhe disse, que assim ocorre um eclipse.


É um eclipse do sol, mas também os há da lua,


que às vezes, por brincadeira, vai jogar ao esconde-esconde.


Procura a sombra da Terra esconde-se de tal maneira


que toda a gente pergunta: Onde está a Lua? Onde?


Depois começa a espreitar, vê-se primeiro um arquinho


que cresce devagarinho até se ver toda inteira.


Diverte-se assim a Lua com a sua companheira.


Terra e Lua não se podem separar


O que seria da Terra sem o encanto do luar?


E da lua o que seria, se não fosse a alegria


de saber que faz sonhar a Fofinha e a Gabriela,


quando à noite a vão espreitar da vidraça da janela?


E há muitos outros meninos e gente grande também


que adora estar à janela, como gosta a Gabriela,


a ver a lua brilhar.


Beethoven, compositor, fez músicas muito belas,


e uma delas tem o nome de serenata ao luar.


Entre a terra e a nossa lua existe tal amizade


que, se fossem afastadas, seria tal a saudade


que nem uma, nem a outra poderiam suportar.

E já que falo na serenata ao luar termino com a mesma

domingo, 25 de julho de 2010

Essa palavra saudade...

É habitual dizer-se que saudade é palavra portuguesa que traduz um sentimento intraduzível noutra língua. Há tempos assisti no espaço Vivacidade a uma sessão com o cônsul de Portugal na Lituânia,  que ali trabalha como professor e com uma jovem lituana que foi sua aluna. Ao que parece,  na Lituânia existe uma palavra que significa precisamente o mesmo que saudade para nós Creio que é ilgesys.

Vem isto a propósito da minha ida ao Clube Literário do Porto, na passada sexta-feira à noite. Fui com a Ana Maria Oliveira, colega das aulas pintura, ver a exposição que inaugurou no dia 16 (estava eu ausente) .
O trabalho de Ana Maria é um trabalho muito interessante em que associa rendas, bordados e tintas, como forma de reviver memórias e exorcizar a saudade.



De seguida assistimos a uma recital de canto. Algumas vozes lindíssimas, outras, de gente muito jovem e por isso menos trabalhadas mas promissoras.



Entre os vários trechos cantados estava Edelweiss. Edelweiss é uma flor branca que nasce nos Alpes em França, Itália, Suíça, Jugoslávia e Áustria, onde, tradicionalmente, se tornou o símbolo do país. É uma flor que nasce, no verão,  nas partes mais altas e frias das montanhas.



Edelweiss foi composta em 1959 para o musical Música no coração que a minha geração viu, muito provavelmente

Dos demais trechos conhecia vários que tantas vezes ouvi a minha mãe cantar na sua lindíssima voz de soprano(no Brasil fora solista num coro).
Ao ouvi-los, por vezes não consegui impedir que as lágrimas me aflorassem aos olhos.
Deixo-vos com dois deles:

Ave Maria de Gounod/Bach na voz de Pavarotti

È strano de La Traviata de Verdi na voz de María Callas

Termino com o poema Saudades da Terra de António Gedeão que podem ouvir na voz de Luís Gaspar


Uns olhos que me olharam com demora,


não sei se por amor se caridade,


fizeram-me pensar na morte, e na saudade


que eu sentiria se morresse agora.


E pensei que da vida não teria


nem saudade nem pena de a perder,


mas que em meus olhos mortos guardaria


certas imagens do que pude ver.


Gostei muito da luz. Gostei de vê-la


de todas as maneiras,


da luz do pirilampo à fria luz da estrela,


do fogo dos incêndios à chama das fogueiras.


Gostei muito de a ver quando cintila


na face de um cristal,


quando trespassa, em lâmina tranquila,


a poeirenta névoa de um pinhal,


quando salta, nas águas, em contorções de cobra,


desfeita em pedrarias de lapidado ceptro,


quando incide num prisma e se desdobra


nas sete cores do espectro.


Também gostei do mar. Gostei de vê-lo em fúria


quando galga lambendo o dorso dos navios,


quando afaga em blandícias de cândida luxúria


a pele morna da areia toda eriçada de calafrios.


E também gostei muito do Jardim da Estrela


com os velhos sentados nos bancos ao sol


e a mãe da pequenita a aconchegá-la no carrinho


e a adormecê-la


e as meninas a correrem atrás das pombas


e os meninos a jogarem ao futebol.


A porta do Jardim, no inverno, ao entardecer,


à hora em que as árvores começam a tomar formas estranhas,


gostei muito de ver


erguer-se a névoa azul do fumo das castanhas.


Também gostei de ver, na rua, os pares de namorados


que se julgam sozinhos no meio de toda a gente,


e se amam com os dedos aflitos, entre cruzados,


de olhos postos nos olhos, angustiadamente.


E gostei de ver as laranjas em montes, nos mercados,


e as mulheres a depenarem galinhas e a proferirem palavras


grosseiras,


e os homens a aguentarem e a travarem os grandes camiões pesados,


e os gatos a miarem e a roçarem-se nas pernas das peixeiras.


Mas ... saudade, saudade propriamente,


essa tenaz que aperta o coração


e deixa na garganta um travo adstringente, essa, não.


Saudade, se a tivesse, só de Aquela


que nas flores se anunciou,


se uma saudade alguém pudesse tê-la


do que não se passou.


De Aquela que morreu antes de eu ter nascido,


ou estará por nascer - quem sabe? - ou talvez ande


nalgum atalho deste mundo grande


para lá dos confins do horizonte perdido.


Triste de quem não tem,


na hora que se esfuma,


saudades de ninguém


nem de coisa nenhuma.

sábado, 24 de julho de 2010

A vida é feita de pequenos/grandes nadas…

Para justificar o título do post de hoje, nada melhor que ouvir o poema Bucólica de Miguel Torga e também Gabriel, Adriana Calcanhoto e Sérgio Godinho

Os pequenos grandes nadas são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR como pode ler-se em

Vem isto a propósito do meu regresso de umas curtas férias pela Cote D Azur, Tirol e Grandes Lagos. No aeroporto Sá Carneiro aguardavam-me marido, filhos, noras e netos. A alegria efusiva dos pequenitos quando viram a avó fizeram-me sentir a mulher mais feliz do mundo….

Viajar é um dos meus grandes prazeres. Em criança e adolescente viajei um pouquinho pelo país e pela vizinha Espanha. Voei pela primeira vez quando fui à Guiné Bissau visitar o meu marido que ali cumpria o serviço militar. E se até aí já tinha o gosto de viajar, as visitas à Guiné com o seu exotismo de país africano, fizeram crescer em mim uma vontade cada vez maior de conhecer mais e mais.

Enquanto os filhos eram pequenos viajámos essencialmente pelo país e por Espanha, muitas vezes em campismo pois o dinheiro não dava para mais.

Mais tarde começámos todos a viajar de avião com destinos diversos, França, Egipto, Marrocos, Madeira, Porto Santo, Açores, Canárias, Baleares, Brasil (onde tenho muita família)

Nos últimos anos, já sem a companhia dos filhos, temos escolhido a par de destinos mais económicos, destinos um pouco mais caros: países nórdicos, Rússia, capitais europeias, etc.
Genericamente, nos programas constam propostas opcionais em que habitualmente  não nos inscrevemos, fazendo programas (esses ou outros que nos interessem mais) usando os meios de transporte locais. Além de reduzir os custos vemos por vezes coisas muito interessantes que não veríamos doutra forma.

E já que comecei por falar da viagem Cote D Azur, Tirol e Grandes Lagos, vou retomar o relato.

Como o meu marido em Março tinha ido passar 15 dias à Guiné não quis ir de férias agora. Fui então com uma amiga, cujo marido não gosta de viajar e que, por essa razão, já tinha ido connosco aos países nórdicos.

Por ordem mais ou menos cronológica, vou deixar alguns dados, essencialmente postais(a minha máquina fotográfica avariou logo no segundo dia) com alguns comentários a propósito.



Milão:Galerias Vittorio Emanuel, Teatro Scala


Lagos de Como (Itália)  e de Lugano(Itália e Suiça). No primeiro fizemos um cruzeiro de 2h num barco de carreira normal

St.Moritz -Suiça




Innsbruck:  vista da cidade junto ao rio Inn (Innsbruck significa ponte sobre o Inn) e o célebre telhado coberto a ouro na fachada principal da antiga residência real
Em Innsbruck decidi subir de funicular ao cume de um monte (2700m de altura). Ninguém do grupo quis acompanhar-me. Ao chegar à estação tive o único dissabor da viagem-o funicular estava avariado desde a véspera. Mas em compensasção assistimos a dois concertos fantásticos, de entrada livre, que "descobrimos" por acaso nas nossas saídas "livres" ao passar junto ao Palácio Imperial e almoçámos "barato" numa esplanada junto ao rio Inn



Verona: arena, ponte sobre o rio Adigio e castelo Sforzesco
Também vistámos as supostas casas de Romeu e Julieta bem como outros pontos da cidade. Vistámos os interiores da arena  No exterior estavam  parte dos cenários da Aída, do Tarandot e da Madame Buterffly mas não tivemos oportuniddae de assistir a nenhum dos espectáculos



Mónaco: residência da família Grimaldi




Nice: vista de uma rua da "velha Nice"  e da catedral russa.
Nice à noite é uma cidade com muita vida na Praça Massena e suas imediações, no Mercado das Flores, na Avenida dos ingleses, etc. Foi  bom apreciar este movimneto sentadas numa das muitas  esplanadas

De Nice fomos a Cannes mas, do que vimos,  não houve  nada digno de registo especial para além da célebre escadaria por onde passam as estrelas de cinema no famoso festival de Cannes
Na passagem visitámos  uma povoação muito bonita, Saint-Paul de Vence, onde, ao que parece , reside Eduardo Lourenço. Várias galerias de arte são um deleite para o olhar
Saint-Paul de Vence

                                               Eze
Uma das viagens opcionais era a Eze e incluía ainda uma entrada no casino do Mónaco e a visita a uma fábrica de perfumes.Do programa apenas nos interessava a visita a Eze. No turismo soubemos que havia combóio e autocarro para Eze. Fomos de comboio sempre junto à costa (2,4 euros). Em Eze fomos à praia e depois de autocarro arté Eze Vilage( 1 euro), donde seguimos a pé até à parte medieval. Lindíssima. Quando regressámos já não havia transporte. Pensámos ir de táxi mas vimos que havia um caminho (sendeiro). Aí fomos nós, 45 min por um caminho muito difícíl, cheio de pedregulhos, muitas vezes dentro da mata. Passaram por nós apenas dois turistas jovens, em sentido contrário. Quando, já perto do fim, avistámos o mar confessei à minha amiga que tinha tido medo pois se alguma de nós caísse e partisse uma perna seria um problema complicado. Então ela confessou que também tivera  medo, essencialmente de sermos  atacadas por algum meliante. Fomos de facto um pouco incautas mas valeu a pena....
Depois, regressámos de autocarro a Nice (1 euro...)
Para terminar em beleza, no aeroporto de Nice, a aguardar o voo de regresso,  os sons de uma pequena orquestra de jazz deliciavam os passageiros


Dois dos bilhetes das nossas "viagens"

A vida é feita de pequenos/grandes nadas

quinta-feira, 8 de julho de 2010

José Saramago e a Física Quântica

Nos últimos anos algumas vezes acedi à página da Fundação José Saramago pelo que, com alguma assiduidade,  ia lendo os textos por ele ali colocados.
Resolvi agora rever essas leituras e de entre os textos que ainda não tinha lido, um prendeu particularmente a minha atenção

O outro lado
Como serão as coisas quando não estamos a olhar para elas? Esta pergunta, que cada dia me vem parecendo menos disparatada, fi-la eu muitas vezes em criança, mas só a fazia a mim próprio, não a pais nem professores porque adivinhava que eles sorririam da minha ingenuidade (ou da minha estupidez, segundo alguma opinião mais radical) e me dariam a única resposta que nunca me poderia convencer: “As coisas, quando não olhamos para elas, são iguais ao que parecem quando não estamos a olhar”. Sempre achei que as coisas, quando estavam sozinhas, eram outras coisas. Mais tarde, quando já havia entrado naquele período da adolescência que se caracteriza pela desdenhosa presunção com que julga a infância donde proveio, acreditei ter a resposta definitiva à inquietação metafísica que atormentara os meus tenros anos: pensei que se regulasse uma máquina fotográfica de modo a que ela disparasse automaticamente numa habitação em que não houvesse quaisquer presenças humanas, conseguiria apanhar as coisas desprevenidas, e desta maneira ficar a conhecer o aspecto real que têm. Esqueci-me de que as coisas são mais espertas do que parecem e não se deixam enganar com essa facilidade: elas sabem muito bem que no interior de cada máquina fotográfica há um olho humano escondido… Além disso, ainda que o aparelho, por astúcia, tivesse podido captar a imagem frontal de uma coisa, sempre o outro lado dela ficaria fora do alcance do sistema óptico, mecânico, químico ou digital do registo fotográfico. Aquele lado oculto para onde, no derradeiro instante, ironicamente, a coisa fotografada teria feito passar a sua face secreta, essa irmã gémea da escuridão. Quando numa habitação imersa em total obscuridade acendemos uma luz, a escuridão desaparece. Então não é raro perguntar-nos: “Para onde foi ela?” E a resposta só pode ser uma: “Não foi para nenhum lugar, a escuridão é simplesmente o outro lado da luz, a sua face secreta”. Foi pena que não mo tivessem dito antes, quando eu era criança. Hoje saberia tudo sobre a escuridão e a luz, sobre a luz e a escuridão.

Ao ler este texto, de imediato me vieram à mente os enigmas da Física Quântica.

Para falar um pouco desse enigmas, vejamos o que, à luz da mecânica clássica, distingue uma onda de uma partícula

Partículas:
Estão localizadas no espaço e tem propriedades discretas, variando de forma descontínua (ex. massa) Duas partículas não podem ocupar o mesmo espaço no mesmo instante
Ondas
Não estão localizadas (existem em vários pontos) e têm propriedades que variam continuamente (ex. amplitude e frequência).Duas ou mais ondas podem ocupar simultaneamente o mesmo espaço (os vários sons de uma orquestra chegam simultaneamente aos nossos ouvidos)

O filme que poderão ver aqui, fala-nos de algo que colide com esta distinção aparentemente simples
Ninguém considera que uma bola de futebol possa passar por dois buracos ao mesmo tempo. Ninguém esperava, no início do século XX, que os electrões se comportassem de modo diferente de bolas de futebol. Mas comportam e por isso a mecânica quântica teve que ser criada para os descrever…
(Adaptado de “Nova Física Divertida, C. Fiolhais)

Em 1971 três cientistas italianos, Merli, Pozzi, e Missiroli, começaram a planear uma experiência de interferência de um electrão consigo mesmo. Enviavam electrões, um de cada vez. Foram imediatamente bem sucedidos a detectarem um padrão de interferência


Adaptado de Crease, R. (2006), O Prisma e o pêndulo, Publicações Europa-América

Não temos outra escolha senão aceitar que os electrões são detectados um a um como partícula, mas que todo o conjunto manifesta propriedades ondulatórias.
A experiência da interferência dos electrões traz a sua realidade para os nossos olhos de uma forma dramática, económica e material. A experiência de ver os cliques de um detector a registar electrões isolados e a produção de um padrão de interferência é uma das experiências humanas mais avassaladoras e captadoras de atenção

Mas, mais estranho ainda, é que se tentarmos detectar por que fenda passa cada electrão, já não observamos interferência

Isto levou a que Niels Bohr e seus seguidores ( a chamada escola de Copenhaga) admitissem que a realidade não existe por si. A realidade depende de quem a observa. A forma como observamos determina o que acontece
A esta posição opuseram-se os “realistas” entre eles Einstein, Para eles a realidade existe independentemente de nós próprios.

Na tentativa de decifrar o mundo quântico os físicos tem evoluído através de uma teoria extremamente formalizada que escapa a quase todos nós.

(…) Niels Bohr defendia que a mecânica quântica é quase totalmente incompreensível, e chegou ao ponto de dizer que, para abordar o mundo quântico, a linguagem da razão e da lógica já não é apropriada, e que convém ir buscar a linguagem da psicologia ou da arte; por exemplo a linguagem dos poetas que não
procuram representar os factos de forma precisa, mas apenas criar criara imagens e estabelecer conexões no plano das ideias (…)
(In D´Espagnat B. e Klein E., Olhares sobre a matéria)

È também atribuída a Bohr a frase.
Se alguém diz ter entendido a mecânica quântica é porque realmente não a entendeu
Termino com um poema do poeta Carlos Vogt

Cantos

A natureza em si, ou a natureza para a consciência que se tem dela,


O movimento na substância das coisas,


As coisas no movimento substantivo das formas,


As formas da consciência na percepção do fenómeno observável,


O observador como parte da observação, no observado,


O conhecimento aos saltos luminosos de massas e energias indesnudáveis,


Mas nuas no experimento fundador,


A orquestração de fórmulas perfeitas, acabadas, consistentes,


Belas em sua verdade abstractamente imperativa,


Sensivelmente intangível, empiricamente indemonstrável,


Dualidade de mundos, multiplicação de universos,


Dobraduras do tempo e do espaço,


Rugas infinitas do espaço-tempo!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A alegria é sagrada, e é tão bela, mas a tristeza merece muito respeito (…),

O título desta mensagem, fui buscá-lo a uma entrevista dada por Matilde Rosa Araújo, falecida ontem. Deixo um pequeno excerto da entrevista

Guarda algumas memórias em especial do tempo em que dava aulas?

Guardo, mas não sei percepcioná-las agora. Foram tantas que me custa… Eu chego, vejo aquelas crianças e é tão bom, tão bom! Venho para casa com outra alma, outra ou a mesma, [mas] um bocado mais viva, menos na «derrapagem». Fui uma vez a uma escola, há anos, não me lembro do nome da escola (verdadeiramente não me lembro, mas se me lembrasse também não dizia), e vejo o olhar de uma criança (vamos aprendendo a ler olhares) tão triste, tão triste, e pensei: «Esta criança é muito infeliz.» Ela chega-se ao pé de mim, e diz-me: «A senhora espera um bocadinho?», «Sim espero.» – O que é que ela quereria? Foi a casa, que devia ser perto, e traz-me uma boneca de trapos suja. Era a única boneca que ela tinha (tenho-a ainda no meu «escritório»), e diz-me: «Fique com a minha boneca.», «Oh, meu amor, eu não fico com a tua boneca, então? Tu tens mais bonecas?», «Não, é a minha boneca. Mas fique com a minha boneca, eu quero que fique em sua casa.» Senti ali uma tragédia, qualquer coisa de muito triste, e fiquei com a boneca na mão, nos braços.

Da sua obra, vastíssima, deixo uma pequeníssima amostra
História do Sr. Mar

Deixa contar...


Era uma vez


O senhor Mar


Com uma onda...


Com muita onda...


E depois?


E depois...


Ondinha vai...


Ondinha vem...


Ondinha vai...


Ondinha vem...


E depois...


A menina adormeceu


Nos braços da sua Mãe...


Presente


A girafa deu


ao seu


marido


no dia


de Natal


um lenço


colorido


de seda natural.


Que alegria!


– disse o marido –


ponha a pata


nesta pata,


com um pescoço


tão comprido


você não podia


ter-me comprado


uma gravata.


Canção de embalar bonequinhas pobres


Menina dos olhos doces


adormece ao meu cantar:


Tenho menina de trapos,


Tenho uma voz de luar...

 
Os meus braços são a lua


quando ela é quarto crescente:


dorme menina de trapos,


meu pedacinho de gente.


Este poema, musicado por Fernando Lopes Graça, faz parte do repertório do Bando dos Gambozinos

Na voz de Manuela de Freitas, ouçamos  mais um poema Matilde Rosa Araújo


No seu livro, A infância lembrada, a autora apresenta textos de autores portugueses numa belíssima antologia onde constam cerca de 80 autores. O primeiro texto, da autoria de Francisco Luís Amaro, Uma voz de criança, é dedicado a Matilde e consta da revista de Letras e Artes, nº 3, de Abril de 1970

Uma voz de criança


Tão cristalina frágil


Torna ainda mais clara


Esta manhã de Abril (…)


Também há relativamente pouco tempo, foi lançado o livro de Adélia Carvalho, Matilde Rosa Araújo, Um Olhar de Menina ,  uma homenagem à autora.

Matilde, obrigada por tudo o que nos legou.

domingo, 4 de julho de 2010

Porto sentido...

No dia 29 de Junho encerrou, no espaço Vivacidade, a exposição “PortoGrafia” de Pedro Freire de Almeida composta por 20 ilustrações do Porto que, partindo da fotografia, dão origem a um texto (que acompanha cada ilustração), levando o "espectador" pelas ruas da cidade antiga. Concebido originalmente para o blogue Imago Mundi, sua transcrição do mundo virtual para o real ganha em visibilidade e consistência, mantendo a ambição original: um roteiro de percursos esquecidos para que o caminhante se perca e não volte. Ou, se regressar, regresse diferente do que era à partida

Na altura não tive oportunidade de falar sobre a exposição, belíssima, aliás. Mas há dias, atravessando a pé o tabuleiro superior da ponte de D. Luís, o que já não fazia há muitos anos, perante o espectáculo deslumbrante que se oferecia aos meus olhos, com as pontes que se insinuavam perante a neblina, com o casario espelhado no rio, muitas das imagens da exposição começaram a afluir-me à mente envolvidas pelo Porto Sentido do Rui Veloso

E as estas imagens visuais e sonoras começaram a associar-se outras, nomeadamente aguarelas de António Cruz  e obras mais recentes como as de Abreu Pessegueiro



Vieram-me também à mente vários poemas sobre o Porto. Incluo dois, porventura menos conhecidos. Da autoria de Jorge Sousa Braga estão publicados no seu livro Porto de Abrigo

É esta a cidade que o destino


te reservou. Uma cidade de


gente dura cuja maior


extravagância é um vaso


de sardinheiras na janela


de um ou outro edifício.


Tinhas sonhado com uma cidade branca mais a sul…


Esta cidade não é uma cidade é um vício


Pérgola


Assim despida rente ao mar


só de longe em longe se


vêm enredar em cada uma


das suas colunas as flores


brancas de espuma


Termino com três trabalhos meus: um poema, uma aguarela, e um acrílico

Miragem


Estou sentada no café do cais


aqui na Ribeira junto ao rio,


um passante segue pela rádio o desafio,


e, ao meu lado, uma jovem enlevada


olha com o olhar perdido a outra margem,


enquanto um casal recorda uma viagem.


Os demais conversam sobre tudo.


Aqui e além falares dispersos.


Aqueles ali creio que falam eslavo


e conversam com um ar muito sisudo


Na minha mesa está pousado um cravo


e o livro que ando a ler "Primeiros versos"


Não me apetece ler, de enamorada


que fico ao olhar esta paisagem


mista de sonho e de realidade,


nem sei se ela existe ou se é miragem.


Do outro lado, as caves imponentes;


atravesso a ponte e já me encontro em Gaia,


na vila nova que agora é cidade.


Vejo o Douro, os barcos rio acima


levam turistas e passam indolentes,


vejo as fachadas de granito, e bem por cima


ameaçando chuva o céu cinzento.


Um ar frio perpassa-me, é o vento


o tal a que chamam de nortada.


Regresso e inicio uma viagem,


entro num carro eléctrico, na paragem


e aí vou eu vagueando com o olhar,


S. Francisco, S. Pedro em Miragaia,


a Alfândega, Massarelos , vários cais.


O eléctrico avança um pouco mais


e do outro lado já vejo o Cabedelo,


o rio encontrou o Oceano, entrou no mar.


Difusos através da bruma,


uma traineira, um navio parado,


que para entrar na barra ao largo aguarda.


enquanto o mar se agita e regurgita espuma.


A difusão da luz torna tudo mais belo,


mas o meu passeio vai findar, não tarda.


O meu corpo está enregelado


e o vento desalinha-me o cabelo.


É quase noite, urge regressar


mas é difícil ter que abandonar


estas paisagens de bruma e de granito.


Não sei se adivinhando o meu pensar


uma gaivota solta um pio, aflito.



sexta-feira, 2 de julho de 2010

Livros...

O dia de ontem foi o Dia nacional das Bibliotecas. Não sabia. Foi através do BLOG cor em movimento que me apercebi.


A Biblioteca do meu pai e do meu avô (que não conheci) eram pequenas bibliotecas, mas relativamente grandes se atendermos à época e às aldeias transmontanas de então. Da do meu avô herdei pouco, porque, imagine-se a estupidez, a maior parte dos livros foram queimados pele família do empregado que vivia lá em casa, gente muito boa, mas analfabeta.

A do meu pai, continha apenas livros de autores brasileiros( Machado de Assis, Juraci Camargo e pouco mais), franceses(essencialmente Victor Hugo) e portugueses. Destes, muitos: Camilo, Eça, Camões, Garrett, Eugénio de Castro, Trindade Coelho, Júlio Dinis, Guerra Junqueiro e por aí fora, muitos deles da LELLO com aquelas encadernações muito bonitas. Na minha fase universitária li muito Somerset Maugham, Hemingway, Pearl Buck, Steinbeck , etc. Fui comprando pouco a pouco, com uns dinheiritos que conseguia "poupar".

Mais tarde foi a fase dos brasileiros que não constavam na Biblioteca do meu pai, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Erico Veríssimo, Drumond de Andrade e essencialmente Jorge Amado. Hoje continuo a ler essencialmente autores lusófonos mas, entre os meus livros preferidos, encontram-se outros autores

A propósito de livros aqui deixo um poema

Gosto de livros. São objectos simples e muitas vezes belos.


Alguns são mesmo muito belos.


Quando pego num, passeio o meu olhar por título e autor.


Depois, qual ritual, num gesto sensual acaricio a capa e a lombada,


aspiro o seu odor.


Por fim decido-me a abri-lo, a folheá-lo


e de uma forma sôfrega, apressada, começo a lê-lo.


Leio-o por vezes só de uma assentada.


Mais tarde, releio-o lentamente saboreando frases e palavras uma a uma,


tentando adivinhar sentido e intenção na pontuação, se a mesma existe,


na que imagino, quando ausente.


Paulatinamente releio-o uma outra vez, ainda mais uma. Em suma, ler


é uma fonte inesgotável de prazer


Mas o livro não pode ser qualquer. Alguns, simplesmente não os leio,


outros abandono-os quando a meio.


Todos eles simples,, submissos, aceitam os meus gestos, manifestos ou omissos.
Regina Gouveia

Ciência e poesia

Em 1964, Jorge de Sena no prefácio de Poesias Completas de António Gedeão referia-se ao “tremendo mal decorrente da cisão entre uma cultura literária que se pretende largamente humanística e é apenas uma forma organizada de ignorância do mundo em que vivemos e uma cultura científica que não sabe sequer da existência dos valores estéticos que dão sentido humano à vida”.

Este excerto de Jorge de Sena leva-me a fazer algumas citações que provavelmente muitos conhecem

O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.


O que há é pouca gente para dar por isso

Álvaro de Campos


Que homens são os poetas que podem falar de Júpiter se ele fosse como um homem, mas, se é uma imensa esfera em rotação de metano e amónia, guardam silêncio ?

Richard Feynman


O pôr do Sol sucede sempre em camadas horizontais.


Isto é ciência, mas também é poesia

Robert Frost



Não se pode deixar de referir Niels Bohr que defendia ser a mecânica quântica quase totalmente incompreensível, e chegou ao ponto de dizer que, “(…) para abordar o mundo quântico, a linguagem da razão e da lógica já não é apropriada, e que convém ir buscar a linguagem da psicologia ou da arte; por exemplo a linguagem dos poetas que não procuram representar os factos de forma precisa, mas apenas criar imagens e estabelecer conexões no plano das ideias (…)”


Já por várias vezes referi aqui o site  http://www.cienciahoje.pt/ . Há outros que também gosto de consulltar nomeademente
http://www.comciencia.br/comciencia/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-597020090001&lng=pt&nrm=iso
http://www.jornaldaciencia.org.br/
É deste último o texto que segue da autoria de Marcelo Gleiser, e com o qual não poderia estar mais de acordo (Marcelo Gleiser é brasileiro, professor de Física e Astronomia e invetigador numa conceituada universidade norte-americana, a Dartmouth College em Hanover, EUA. Já fez parte do grupo de invetigadores do Fermilab, em Chicago, e do Institute for Theoretical Physics da Califórnia. Recebeu bolsas para pesquisas da NASA, National Science Foundation e da OTAN. Gleiser dedica-se de variadas formas, à divulgação da ciência. Dentre outras, ministra uma disciplina em Dartmouth chamada "Física para Poetas", extremamente popular na universidade, atraindo pessoas que não possuem ligações com a física.)


Ensinar ciência com poesia (mantém-se o texto em "português" do Brasil)

Conversei hoje com uma jornalista especializada em divulgação científica. Ela me falou de sua preocupação com o ensino de ciência no Brasil, especialmente nas escolas públicas.
Me contou das dificuldades de encontrar professores. Professores formados adequadamente são uma raridade maior ainda.
Aqueles que não só sejam formados, mas gostem de ciência são heróis que precisam ser reconhecidos. Sem recursos ou salário adequado, eles se esforçam em trazer para as crianças um pouco do que sabemos sobre o mundo.
Ela me falou também do avanço do criacionismo, em particular no Estado do RJ, e de como ele parece estar intrinsecamente relacionado ao avanço das igrejas evangélicas. Se ela não me disse isso, digo eu.
Nos EUA, alguns Estados tentaram proibir o ensino da teoria da evolução de Darwin e o modelo do Big Bang em cosmologia, afirmando que essas teorias estão erradas e incompletas.
Seus proponentes diziam que a perspectiva bíblica, criada há milhares de anos, deveria ser ensinada em pé de igualdade com a ciência. Não só em pé de igualdade, mas como uma alternativa.
Me pergunto o que uma criança hinduísta acha disso tudo. No mínimo, que as religiões ocidentais são muito arrogantes, já que o deus delas toma precedência sobre os deuses de todas as outras.
Falamos do que pode ser feito para aliviar o problema. Constatamos o seguinte fato: crianças são naturalmente curiosas sobre o mundo.
Todo pai ouve o filho ou filha perguntar por que o céu é azul, por que a Lua não cai, como que a lagarta vira borboleta e a semente vira planta, por que o mar tem ondas e os lagos não. Por que a vovó morreu. Poucos pais têm respostas para todas essas perguntas.
Mas as crianças perguntam mesmo assim. ‘Sei lá, filho, eu lá tenho cara de enciclopédia?’
Quando elas vão à escola, a curiosidade não diminui. Ao menos até elas chegarem à puberdade, quando existe uma transição de interesse: a curiosidade sobre o mundo se transforma em curiosidade sobre o outro, especialmente o outro do sexo oposto.
Essa é a hora de ensinar biologia, antropologia, história, especialmente histórias sobre heróis. Depois, as crianças viram adultos e das duas uma: ou a curiosidade sobre o mundo volta e elas lêem o que podem sobre ciência, ou a ciência se torna um bicho-papão, ‘o terror de minha adolescência’, coisa para chatos, nerds e crianças.
A desculpa é sempre a mesma: a falta de recursos faz com que o ensino de qualidade seja impossível. Ciência vira coisa que acontece só no quadro-negro, cheio de fatos e fórmulas que não parecem ter nada a ver com o mundo real.
Fazer demonstrações em sala de aula, experiências simples que ilustrem os conceitos ensinados, é algo aparentemente impossível. Mas na realidade não é.
Sem dúvida, fica difícil demonstrar a difração de elétrons sem o equipamento adequado. Mas isso só é relevante para alunos de física do terceiro ano. Falo dos princípios da física básica, como o fato de todos os corpos serem atraídos igualmente pela gravidade terrestre.
Amarre uma pedra em um barbante e faça-a oscilar como um pêndulo. Conte quanto tempo demora para a pedra completar cinco oscilações. Agora, troque por outra pedra mais ou menos pesada e repita a experiência, largando-a do mesmo ângulo.
Conte novamente o tempo de cinco oscilações. Ele será o mesmo. Para se demonstrar esse princípio extremamente importante basta usar pedras e um pedaço de barbante. Ou faça como Galileu e deixe as duas pedras caírem da mesma altura. Pegue um pente de plástico e um monte de pedacinhos de papel.
Esfregue o pente nos cabelos e aproxime-o dos pedacinhos de papel. O que ocorre? Eles serão atraídos ao pente. Por quê? Porque a fricção no pente causa um déficit de cargas, tornando-o atrativo.
Matéria é feita de cargas elétricas. Misture soda cáustica com vinagre (bem pouquinho) e veja o que acontece, explicando a diferença entre substâncias ácidas e básicas.
Se não é equipamento, o que falta (fora salário e formação decentes)? Falta encontrar poesia na natureza e nas explicações que temos dela.
O poeta Federico García Lorca escreveu: ‘A ciência é mil vezes mais lírica do que qualquer teogonia.’ Basta ver a ciência com os olhos do poeta e fazer do mistério a luz que ilumina a razão.

Gilberto Gil, poeta e cantor faz a  ligação entre ciência e poesia nomeadamente no  poema Quanta


Termino com outro poema

Poeira cósmica

Todos os elementos


que constituem a vida


tiveram, à partida,


há muitos milhões de anos,


origem nas estrelas.


Foi da poeira cósmica


que a espécie humana nasceu


e com ela, a poesia e a lira de Orfeu.

Regina Gouveia