Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


domingo, 31 de janeiro de 2010

Falta de água potável mata 4 mil crianças por dia

A cada dia 4.500 crianças com menos de cinco anos de idade morrem no mundo todo devido à falta de acesso à água potável e à ausência de saneamento básico, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). As duas organizações acreditam que, devido a esses dados, será difícil cumprir os Objectivos do Milénio que estabelecem até 2015, a redução para metade do número de pessoas sem acesso à água potável

A notícia é já de 2006 mas, infelizmente , não creio que a situação tenha melhorado de então para cá.

Os mares e os oceanos representam cerca de 71% da superfície da Terra, daí que vista do espaço, a Terra surja  azul”. 97,5% de toda água da Terra é salgada, apenas 2,5% da água do planeta é doce e dessa a maior parte não é utilizável pois está congelada nas calotes polares e outras geleiras

Se uma garrafa com 1,5 litro de água representasse toda a água do  planeta, a quantidade de água doce disponível seria equivalente a uma única e insignificante gota.

Praticamente todas as formas de vida conhecidas dependem da água; O corpo humano contém 70% a 75% de água

É pois da  maior importância a sensibilização das pessoas, nomeadamente das crianças, para a necessidade de cuidar desse bem tão precioso. No vídeo anexo que alguém me enviou há tempos, a sensibilização é feita de uma forma muito interessante.
Supõe-se que Terra é o único planeta do sistema solar onde existe, à superfície, água na forma líquida. No entanto tem sido identificada água,  não só dentro do sistema solar como fora dele.

M3 descobre partículas de água na Lua (Ciência Hoje)2009-09-24
Foram descobertas partículas de água na superfície da Lua, segundo uma nova investigação cujos resultados foram revelados ontem. Este estudo vem contrariar as conclusões científicas anteriores, que afirmam que o solo lunar estaria seco, exceptuando-se o gelo nos pólos.
Também dados recolhidos sobre Enceladus (satélite de Saturno) pela sonda Cassini da NASA, sugerem a presença de água líquida sob a superfície daquele mundo gelado. Foram publicados na edição de 23 de julho de 2009 da revista Nature


Notícia de 2007-09-02 (Ciência Hoje)
NASA detecta água em sistema planetário em formação capaz de encher cinco vezes oceanos da Terra
O telescópio espacial 'Spitzer', da NASA, detectou num sistema planetário em formação a quantidade suficiente de vapor de água para encher cinco vezes os oceanos da Terra, revelou hoje a agência espacial.
Em comunicado, o Laboratório de Propulsão a Jacto (JPL), da Agência Espacial Americana (NASA), explicou que estas observações constituem a primeira visão directa da forma como a água, elemento crucial na formação de vida, começa a fazer parte dos planetas, inclusivamente dos rochosos, como a Terra. "Pela primeira vez estamos a observar como a água aparece numa região onde provavelmente se formam planetas", explicou Dan Watson, astrónomo da Universidade norte-americana de Rochester e autor de um estudo sobre o sistema, identificado como NGC 1333-IRAS 4B. Este sistema encontra-se a, aproximadamente, mil anos-luz da Terra, na constelação de Perseu. Segundo os especialistas da NASA, o vapor de água tem origem numa nuvem central do sistema e cai sobre um disco de poeira estelar, que seria o material da formação inicial dos planetas. "À Terra, a água chegou na forma de asteróides e cometas de gelo. A água também existe como gelo nas densas nuvens que formam as estrelas", disse o astrónomo norte-americano


Ainda uma outra notícia. Descoberta a água mais longínqua no Universo

Investigadores europeus descobriram as moléculas de água mais distantes de sempre da Terra. Estão a 11,1 mil milhões de anos-luz daqui e têm origem num buraco negro que existe no centro de uma galáxia. O jacto de vapor foi emitido por ele quando o universo estava ainda numa fase precoce da sua existência. Ou seja, tinha apenas 2,5 mil milhões de anos. Está a 1,8 mil milhões de anos-luz da Terra e é a água mais distante de sempre já detectada pelos astrónomos no universo. As moléculas com a assinatura H2O parecem ser provenientes do centro de uma galáxia, onde se pensa existir um buraco negro supermassivo
A descoberta esteve em foco na Semana Europeia de Astronomia e Ciência do Espaço, em Hatfield, no Reino Unido. Um dos seus autores, o astrofísico John Mckean, do instituto holandês de radioastronomia Astron, afirmou aí que as observações apontam para que "o vapor de água detectado tenha origem no jacto emitido pelo buraco negro no centro da galáxia", onde as moléculas foram detectadas.
Catalogada com o nome MG JO414+0534, a galáxia emitiu aquele jacto de vapor de água quando o universo tinha apenas 2,5 mil milhões de anos de existência, ou seja, menos de um quinto da sua idade actual, estimada em cerca de 14,5 mil milhões de anos.
A primeira detecção de água naquele ponto foi feita em 2007 e publicada no final de 2008. Mas, desde então, a equipa de astrofísicos tem observado todos os meses aquele cantinho distante do céu, para ver como ele se comporta.
A conclusão dessa observação persistente, revelou John Mckean na conferência no Reino Unido, é que "o sinal tem sido constante, sem alteração aparente na velocidade do vapor de água que foi ejectado". Isto indica, sublinhou ainda o investigador, citado pelo serviço europeu de notícias de ciência AlphaGalileo, que "tal como tínhamos previsto, o jacto contendo a água tem origem no buraco negro, no centro da galáxia, e não no disco que o rodeia".O vapor de água só é observável porque as moléculas no seu interior são amplificadas e emitem radiação em microondas, tal como um laser emite raios de luz. O sinal foi detectado pelos radiotelescópios devido a um efeito muito especial de lente que as galáxias podem ter em relação a objectos que estão para além delas. Recorrendo a esta técnica, os astrónomos conseguiram assim uma ampliação do sinal emitido pelo jacto de vapor de água. "A radiação que identificámos levou 11,1 mil milhões de anos a chegar à Terra. No entanto, porque o universo se expandiu como um balão que estivesse a encher-se durante esse período, alargando a distância entre cada ponto, a galáxia em que foi detectada água está a cerca de 19, 8 mil milhões de anos-luz daqui", explicou John Mckean.
Depois desta descoberta, a equipa resolveu olhar para outras galáxias na vizinhança da MG JO414+0534. Rastreou até agora cinco desses objectos mas não encontrou gota de água. No entanto, a equipa acredita que deverá haver uma percentagem mínima de ocorrências deste tipo naquela fase precoce da vida do universo, ou esta descoberta não teria ocorrido de todo.

E agora, alguns poemas sobre a água

Lição sobre a água

Este líquido é água.

Quando pura é inodora, insípida e incolor.

Reduzida a vapor, sob tensão e a alta temperatura,

move os êmbolos das máquinas que, por isso,

se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.

Embora com excepções mas de um modo geral,

dissolve tudo bem, bases e sais.

Congela a zero graus centesimais

e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,

sob um luar gomoso e branco de camélia,

apareceu a boiar o cadáver de Ofélia

com um nenúfar na mão.
António Gedeão

Lágrima de preta ouçamos o poema de António Gedeão na voz de Manuel Freire

Neve

A neve é um cristal com padrão hexagonal.

De origem molecular, tem átomos de hidrogénio

ligados a oxigénio de uma forma regular.

Em flocos, lembrando enxames, e com o vento a ajudar,

volteia com ademanes antes de no chão pousar.

Transforma-se em branco manto, e é motivo de espanto,

de êxtase, contemplação.

É fonte de inspiração para poetas, pintores,

para amantes sonhadores.

Ela é todas as cores em uma só reunidas,

mas também é mãos doridas em gentes desprotegidas

do frio cruel, cortante, que enregela num instante.

Cobrem-se com velhos trapos, com jornais e com farrapos,

e nós fechamos os olhos a todos estes escolhos.

É cómodo ignorar. É bem mais fácil pensar

nos cristais hexagonais e na neve dos postais
Regina Gouveia (2002)


Normal
Pode ou não ser vertical, a algo é perpendicular.

Pode significar regular como alguns poliedros, cubos e tetraedros,

como alguns verbos também que, outros, defeitos têm,

o que não impede ninguém de sempre os utilizar de uma forma natural.

Normal.

Basta apor-lhe só um A e não normal aí está,

o que nem todos respeitam por vezes até rejeitam.

É isto a intolerância, fruto da ignorância,

pois a água, substância à vida fundamental,

não é lá muito normal.

Durante o aquecimento, em vez de o volume sofrer

um continuado aumento, começa por decrescer

até um dado momento, de máxima densidade,

depois começa a crescer, quase com normalidade.

Tudo isto é anormal, e é essa anormalidade

que vai permitir explicar que se a água congelar

o gelo fique a boiar, como acontece no mar

duma região polar.

Tal qual como um cobertor, o gelo, isolador,

cobre o mar com muito amor, não deixa a água gelar.

A vida dentro do mar pode assim continuar.

Para a vida é fundamental e tudo isto, afinal,

porque a água é anormal
Regina Gouveia (2002)


Divagação

Com o olhar perdido entre rio e céu,

tendo por horizonte o infinito, divaga o meu eu, angustiado, aflito.

Se este rio fosse meu, não permitiria que algo o poluísse

e talvez um dia com ele me fundisse

num apertado e sempiterno abraço

quando a vida nada mais fosse que cansaço
Regina Gouveia (2006)


 
Requiem pela água

Deixou de cair a chuva benfazeja não por vingança, apenas por cansaço,

e o deserto vai avançando passo a passo.

Suplicante o olhar perdido da criança,

que passa fome e sede sem entender porquê.

Vazio o olhar do velho sem esperança que não implora mais, pois já não crê.



Ouço o seu murmurar dolente na velha ribeira,

onde já não faz mover a mó do velho moinho,

ouço o seu cantar agora triste, no rio outrora cristalino

Ouço-a vociferar nas ondas revoltas deste mar

e sinto os homens a lutar por possuí-la qual mulher virgem que se anseia violar.

E ela lá vai prosseguindo o seu caminho

sentida com os homens que a não sabem amar

Regina Gouveia (2007)

Para finalizar,  imagens do mar ao som da música de Debussy

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

As crianças gerem o tempo segundo distâncias

As crianças gerem o tempo segundo distâncias (in Ciência Hoje 2010-01-25)




Para as crianças, especialmente por volta dos quatro anos, o conceito de tempo depende daquilo que lhes interessa alcançar, segundo um estudo, publicado no Cognitive Science, levado a cabo por Daniel Casasanto, psicólogo do Max Planck Institute for Psycholinguistics, em Nijmegen (Holanda) e os seus colegas.
“Verificamos que as representações do tempo dependem do espaço, tanto aos quatro como aos dez anos, mesmo os mais pequenos, que têm muita pouca experiência no que diz respeito ao uso de metáforas ligadas ao tempo”, refere Casasanto. Estudo publicado na «Cognitive Science»

Mas serão o espaço e o tempo entidades independentes?


Todos os fenómenos que ocorrem no mundo sejam naturais, sociais, políticos ou económicos, têm lugar no espaço e no tempo. Na Física clássica o espaço e o tempo são entidades independentes mas Einstein deu-nos uma nova visão do mundo com o espaço e o tempo interligados. O tecido do Universo, deste universo a que pertencemos, é o espaço-tempo. E foi neste espaço-tempo que a espécie humana nasceu e ……com ela a poesia e a lira de Orfeu (in nota introdutória do “Poemas no espaço-tempo”, livro que tenho a aguardar edição, e que é prefaciado por Carlos Vaz). Seguem três poemas do referido livro

Propagação

Lânguida, a memória espreguiçou-se na curva do tempo.

Um sinal propagou-se na curva do espaço,

num vazio sem éter nem matéria escura.

Chegou-me um bocejo, talvez um lamento,

que apesar de lasso ainda perdura



Gaivota

Por sobre a imensidão do mar uma gaivota a voltear, serena.

Do seu castelo, sem torre nem ameias, contempla águas e areias,

num bater de asas, sublime e impoluto.

Por sobre a imensidão do mar uma gaivota a dominar, serena.

Uma hora? Um dia? Apenas um minuto?

Ah, um tempo relativo contra a tirania dum tempo absoluto….

Por sobre a imensidão do mar uma gaivota a planar, serena.

E eis que, sem mote, sem tema, veemente, impulsivo, irrompe o poema.



Acordes

Que acordes são estes que subtis irrompem no meu espaço-tempo?

De onde vêm estes sons

que me transportam a outra dimensão no cosmos infinito?

Presto assai, allegro moderato, andante lento -

sinfonia que vem do alfa e vai em direcção a um ómega ignoto,

difundida por entre as estrelas, a propagar-se na matéria escura

talvez vinda dum tempo remoto,

dum tempo em que ainda não havia tempo,

talvez ainda antes da criação do mundo,

quem sabe transportada pela radiação de fundo.

Na noite calma, embala-me esta música que não identifico,

e onde, entre um tanger de cítaras e harpas, se impõe sublime, um violino

Acordo, deixo o cosmos etéreo, esfuma-se o som divino.

O som que escuto agora é bem real. Apenas um bater de coração aflito.


E para terminar um belíssimo poema de Marcolino Candeias, actual director da Biblioteca de Angra do Heroísmo.


Mensagem

Desculpa esta emissão de amor a seis horas de diferença TMG

Desculpa que seja telegráfico

Porem teu coração estará captando

em toda a plenitude de teu ser

este código de saudade que sinto mas não decifro

Primeiro uma suave onda curta

depois uma longa onda média

Seguidamente a onda te envolverá tornando-se infinita

e as fibras do teu coração subitamente ficarão ao rubro

Então as teorias relativistas cairão por terra

porque em nosso amor não existe espaço e tempo
in Na distância deste tempo


 "Espaço- Tempo"  é o título desta tela que pintei em 2009

domingo, 24 de janeiro de 2010

Acaso (versus) indeterminismo

Muitas das coisas que nos acontecem, acontecem um pouco por acaso, entendendo por acaso, aquilo que não podemos prever.

Ontem, no lançamento do livro de Carlos Vaz, a que já me referi duas vezes, conheci a pintora Isabel Ferreira Alves, autora de uma das ilustrações do referido livro (pag 24).


 Hoje consultei o seu blogue que já incluí nos meus favoritos. Para além de diversas mensagens com muito interesse, pude ver mais algumas das suas obras. Gostei muito. Para quem gostar de pintura abstracta (e não só…)aconselho a visita ao blogue

Mas voltando ao acaso não àquele que me tem permitido, ao longo da vida, conhecer pessoas muito interessantes …

O “acaso”, com carácter científico, é objecto de estudo matemático através do cálculo das probabilidades. Também na Física se faz referência ao acaso, por vezes associado gratuitamente (por não físicos obviamente) ao indeterminismo de certos fenómenos. Sabemos que a Natureza não é totalmente determinista. Na Física clássica, o acaso só emerge em grandes aglomerados de eventos ou coisas que se comportam individualmente de uma forma causal mas bastante independente, mas para muitos fenómenos do mundo sub-atómico não há realmente nenhum tipo de predestinação.A este propósito aconselha-se a leitura de VINTE E CINCO SÉC FÍSICA QUÂNTICA

Finalmente, o indeterminismo no poema a seguir é um  indeterminismo pessoal
Indeterminismo


O nosso Universo é quadrimensional,

a quarta dimensão é fundamental

e já não faz sentido a seta do tempo.

Daí eu não saber se este sofrimento,

esta angústia infinda que me invade o peito,

afinal é causa ou será efeito.
Regina Gouveia in Reflexões e Interferências

...

Ainda O Estrangulador de Bonecos de Neve...

Tal como anunciei na mensagem anterior, ontem o escritor Carlos Vaz esteve no Clube Literário do Porto, para nos falar do livro de microcontos: O Estrangulador de Bonecos de Neve.


Estávamos muito poucos e foi pena porque, para além da conversa  acerca  do livro,  emergiram outros temas  pela tarde dentro. Mas falemos um pouco da obra de Carlos Vaz, particularmente de O Estrangulador de Bonecos de Neve, com quarenta e sete microcontos que, no dizer de Maria Augusta Silva  nos confronta com múltiplas emoções (…) Desses microcontos ressaltam metáforas da violência (violência compulsiva)e da impunidade (…)O Estrangulador de Bonecos de Neve é um livro intenso num movimento circular, de modo a que a alegoria organize a reflexão plena (caso do primeiro e último textos à volta de livros e leitores). Num misto de sonho e de angústia, Carlos Vaz satiriza a «insuportável leveza das coisas». E da inquietação nasce uma luminosa busca interior e um distinto sentido crítico"

E agora, para “aguçar o apetite” aqui ficam alguns microcontos


Quero um doce –pediu o menino ao deitar-se, o pai tirou do bolso um chocolate, devidamente encenado para a ocasião, mas o menino não o quis.
Quero um doce -repetiu esfomeado, o pai foi buscar uma bolacha que o menino se aprontou a rejeitar.
Quero um doce- disse, e o pai contou-lhe a graciosa história de Hansel &Gretel e o menino acabou por adormecer de barriga cheia


Daqui a alguns anos, creio que não muitos, quando o “escrever- à- mão” se dissipar para sempre, os lápis e as canetas dsaparecerem e as palavras forem trocadas por imagens digitalizadas, o homem perderá o seu nome, bem como a sua história. Terá um enorme olho circular no meio da testa , e viverá sozinho na sua gruta tecnológica, configurando-se como um ciclope gigante, rodeado de ovelhas digitalizadas


Primeiro e último textos à volta de livros e leitores

Era uma vez um coleccionador de introduções. Mal entrava numa livraria, coria logo para as páginas iniciais dos livros e arrancava-as com toda a avidez. Um dia, enquanto este coleccionador de introduções se mantinha entretido a rasgar as ditas primeiras páginas, na famosa livraria onde várias vezes fora proibido de entrar, tropeçou numa leitora que, ao contrário dele, coleccionava os mais belos desenlaces.
Segundo a história, o coleccionador de introduções e a leitor dos ditos desenlaces apaixonaram-se quase de imediato e ao fim de alguns anos, não muitos, tiveram um filho traquina que avançava sempre as primeiras páginas e nunca chegava ao fim de um livro


Mas a obra de Carlos Vaz não se esgota aqui, bem pelo contrário. Para além de Diários de um Real- Não- Existente (Prémio Vergílio Ferreira 2005) e de outros títulos,  é autor da Trilogia da Experiência constituída por “ A casa de Al´isse", "Seres de Rã "e "Capricho 43" (Prémio Paulouro, 2006).

Ando às voltas com o fim deste minúsculo diário, pautado pelo sono que me arrasata para uma metade que ainda não há em mim. O sono toma conta do meu telescópio, e leva-me, como astronauta, às voltas pelo texto: giro giro giro, e penso, enquanto giro até ficar completamente estonteado: quando tudo parar, para que lado estarei virado (in Capricho 43)


o que é a magia que circula nas páginas/

não é um diário apesar de ser dia/ não é um conto/ não é poesia/

talvez uma implosão onde dois palpáveis se reúnem na entropia das palavras/ talvez pertença a fragmentos

[.]. Por vezes a sensação de real nada tem de real, outras até tem. O que escrevo é e não é/ não sei
(in A Casa de Al´isse)

Os livros de Carlos Vaz são livros para "saborear". Deliciem-se.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Estrangulador de Bonecos de Neve

.
É já amanhã, dia 23 de Janeiro, pelas 16h00, que o escritor Carlos Vaz estará no Clube Literário do Porto, para nos falar do livro de microcontos: O Estrangulador de Bonecos de Neve.



Carlos Vaz,  licenciado em Filosofia e Humanidades pela Universidade Católica de Braga e mestre em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea é um talentoso escritor, ainda jovem, mas com um currículo invejável onde constam, entre outros, o PRÉMIO NACIONAL DE LITERATURA VERGÍLIO FERREIRA2005 e o PRÉMIO LITERÁRIO ANTÓNIO PAULOURO 2006
Contrariamente a alguns escritores da sua geração, ou gerações posteriores, que primam muitas vezes por alguma petulância,  traduzida no menosprezo por outros autores eventualmente menores, Carlos Vaz é generoso com os mesmos estimulando-os a prosseguir

O episódio que relato evidencia o que acima disse.

Em Fevereiro de 2006 publiquei o meu 2º livro de poesia (Magnetismo terrestre). Um dia, fazendo uma pesquisa na NET, deparo com um texto de que transcrevo parte :

Confesso-vos que foi o título o primeiro a chamar-me a atenção por me remeter para Isaac que me é tão querido, depois, e só depois encontrei o nome da autora(…)


Esta obra tem sido um dos mais belos livros de poesia que li este ano. No fundo partilho o mesmo universo da autora, com as suas cores, as suas físicas, as suas transformações em arco-íris, e com os rios que sempre lá no fundo arrastam e desgastam a passagem.


"Magnetismo Terrestre" era para mim uma obra até então desconhecida, mas valeu bem o facto de estar à minha espera para se dar este encontro que gera a entropia fora das prateleiras.

O nome do autor era para mim desconhecido, Carlos Vaz . Contactei-o por e-mail e a partir daí fomos contactando várias vezes a ponto de eu lhe pedir para me prefaciar um livro que está para edição. Com a mesma generosidade teceu os maiores elogios à obra dando-me a honra de a prefaciar.

Creio que foi uma destas obras que uma vez apresentei a uma editora. O editor, um dos tais autores que prima pela petulância, respondeu-me qualquer coisa como isto : Não publicamos, a literatura rejubila e a floresta agradece.

Apesar de trocarmos e-mails com algum regularidade, só em 2009 conheci pesoalmente Carlos Vaz,  em Braga, na apresentação  do mesmo livro que amanhã será apresentado no CLP.

Foi com muito agrado que confirmei a imagem que fazia quer da pessoa quer do autor.

Obrigada Carlos Vaz. Desejo o maior sucesso para o teu novo livro porque ambos o merecem.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A maçã de Newton....

"E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? (José Saramago )

Pois bem, vou começar com um poema para crianças de José Jorge Letria, in Corpos Celestes


A gravidade


Seria grave se não existisse a gravidade

e se tudo flutuasse sem peso e em liberdade,

Desde a maçã de Newton até ao jantar do abade.

Quando entre dois objectos deixa de haver atracção

é como se o mundo deixasse de ter coração,

Sem para tal haver razão





.



A propósito do 350º aniversário da Royal Society de Londres é agora dado a conhecer o manuscrito de «Memoirs of Sir Isaac Newton's Life»,  escrito por William Stukeley, em 1752, e que estava nos arquivos da referida sociedade. Nele aparece uma referência à queda maçã




















Referências a este assunto podem ser encontradas em vários fontes, nomeadamente em Ciência Hoje e Jornal Público

Independentemente da importância que a eventual queda da maçã terá tido na formulação da lei da gravitação Newton compreendeu que a força que faz cair as maçãs(ou quaisquer outros corpos para a terra) é a mesma que mantém a Lua em órbita à volta da Terra. Em 1665, Newton referiu :"Durante esse ano, comecei a estender a ideia de gravidade à órbita da Lua e fiz uma comparação entre a força que era necessária para manter esse astro na órbita e as forças de gravidade que agiam na superfície da Terra."

A experiência imaginada que a seguir se descreve ajudará a compreender a gravitação da lua "Suponhamos que alguém no pólo norte deixa cair uma pedra. Sob a acção da gravidade, cairá “aos pés” de quem a lançou. Mas se em vez de a deixar cair, a arremessar com uma certa velocidade horizontal a pedra cairá alguns metros adiante. Se se arremessasse a pedra com maior velocidade inicial ela cairia um pouco mais longe. Podemos imaginar (não esqueçamos que se trata de uma experiência imaginada) que a pedra era arremessada com tal velocidade inicial que iria cair ao nível do Equador e se a velocidade fosse ainda maior poderíamos conseguir que caísse no Trópico de Capricórnio ou cair exactamente no pólo sul!
E se a velocidade inicial fosse ainda maior? Pois bem a pedra viajaria pelo outro lado do mundo e terminaria por chegar à mão de quem a tinha lançado. Ou seja, a pedra tinha orbitado em volta da terra. É precisamente o que acontece com a lua!.



(imagem extraída de  Fiolhais .C. Física Divertida, Gradiva, livro cuja leitura se aconselha)

Durante muitos anos, dominados essencialmente pelas ideias aristotélicas, o homem acreditou num Universo cujo centro era a terra, imóvel no espaço e à volta da qual giravam os corpos celestes. Havia como que dois mundos, o mundo imperfeito e corruptível da Terra e o mundo perfeito e incorruptível dos Céus .

O difícil caminho percorrido pela ciência para a refutação de tais ideias tem em Galileu e Newton dois marcos incontestáveis.

Galileu(1564-1642) ao apontar a sua luneta para os Céus, viu crateras e montanhas na Lua , satélites em Júpiter, manchas no Sol, o que refutava por um lado a ideia da terra como centro do Universo e por outro a ideia de perfeição nos corpos celestes.

Newton (1642-1727) revolucionou a ciência desenvolvendo as leis do movimento e estabelecendo a lei da gravitação com carácter universal, aplicando-se a qualquer parte do Universo.

A lei da Gravitação Universal é uma das grandes generalizações efectuadas pela mente humana.
A este propósito Einstein terá referido


“Newton conseguiu explicar os movimentos dos planetas, luas e cometas, até os mínimos detalhes, assim como as marés e o movimento de precessão da Terra - uma realização dedutiva de magnificência única.”

Uma vez que a lei de gravitação de Newton se aplica a todos os corpos, o astrónomo inglês Halley(1656-1742) usou a referida lei para achar as órbitas de cometas. Tendo em conta observações de cometas em 1531, 1607 e 1682 identificou uma mesma órbita elíptica de grande excentricidade em torno do Sol, ligeiramente perturbada pela presença dos outros planetas, e que passa próximo da Terra de 76 em 76 anos. Com base neste cálculo, Halley previu que o cometa voltaria a passar próximo da Terra em 1758 o que efectivamente aconteceu. O cometa foi baptizado com o nome de Halley. Infelizmente não pôde ver comprovada a sua previsão; falecera em 1742.

Em 1781, o astrónomo Herschel descobriu o planeta Urano. Quando a comunidade de astrónomos soube do novo planeta, quis calcular a sua órbita de acordo com as leis de Newton. Urano parecia comportar-se de maneira um pouco diferente das previsões. Foi então sugerido que as discrepâncias observadas na órbita de Urano seriam causadas por um novo planeta, com uma órbita para lá de Urano e numa posição tal que a atracção gravitacional desse planeta sobre Urano produziria os efeitos observados. Le Verrier e John Couch Adams, jovens matemáticos, tendo por base a lei da gravitação, previram, com trabalhos independentes, a posição desse novo planeta. Disseram aos astrónomos para onde deviam apontar os seus telescópios e efectivamente  o novo planeta foi observado Foi baptizado com o nome Neptuno.

O grande poeta inglês Alexander Pope(1688-1744) disse:
"A Natureza e as Leis da Natureza estavam escondidas na noite. Então Deus disse: Faça-se Newton. E tudo foi iluminado".
Esta frase está inscrita no túmulo de Newton em Westminster.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Ainda a propósito do infinito…

Fui ontem ao lançamento de um livro infantil, Livros dos Medos de Adélia Carvalho, ilustrado por Marta Madureira (edições Trampolim). Adélia Carvalho mantém um espaço muito interessante, a Livraria Papa Livros, na Rua D. Manuel II, quase em frente ao Museu Soares dos Reis
E que relação existe entre o livro dos Medos e o infinito?

Em dada altura do texto, a Carolina diz à mãe: Vou gostar sempre de ti até ao infinito.

Que ideia farão do infinito a Carolina e as demais crianças do mundo? O certo é que o infinito aparece muitas vezes para exprimir relações de afecto. Também o meu filho mais novo (hoje ilustrador dos meus trabalhos),  me dizia que gostava de mim até ao infinito. Transportei essa frase para o poema que segue (in Reflexões e Interferências, 2002)

Afectos

Hoje eu decidi escrever um poema com os afectos por tema.

Podia ser sobre a buganvília, sobre a família,

sobre o gosto do mel, sobre o bolero de Ravel,

sobre o meu filho Miguel , que em pequenino,

os olhos a cintilar de amor, aplaudia ao ver qualquer flor

a que chamava tanta,

sobre os livros de Florbela Espanca, Pessoa, Saramago, Aquilino

Manuel Alegre, Gedeão, Quental.

Podia ser sobre o Natal com a família reunida à mesa

e as chaminés a expelir fumo

Podia ser sobre a Teresa sobre o meu filho Nuno

que me dizia, em pequenito,

gosto de ti até ao infinito.

Podia ser sobre o cheiro do tomilho,

o sabor da pamonha de milho, sobre o meu gato andarilho,

sobre a minha mãe, que cantava tão bem

de Verdi, a Traviata, de Schubert, a serenata.

Podia ser sobre o alecrim que, aos molhos,

faz chorar os olhos, como cantava o meu pai.

Podia ser sobre o meu bonsai

Podia ser sobre as cadeiras que herdei da avó,

tal como do avô a caixa do rapé,

podia ser sobre as colchas em filé, rede de nó,

rendadas, bordadas, feitas por várias tias.

Podia ser sobre as tristezas e as alegrias que partilho, por inteiro

com o marido, amante e companheiro.

Podia ser sobre os chapéus da mãe e as suas luvas,

podia ser sobre o gosto das uvas nas vindimas, em Setembro.

Podia ser sobre Paris, sobre Veneza, sobre as conversas à mesa

ou sobre as histórias ao serão, em Dezembro.

sobre Mozart, Chopin, sobre Gauguin, Renoir,

sobre o sol, sobre a lua, sobre o mar,

sobre a areia quente no verão, sobre a neve a cobrir o chão,

sobre a amizade, sobre a saudade.

Mas eu decidi que ia escrever um poema tendo os afectos por tema.

E o poema que escrevi fala de afectos

Fala de afectos nas linhas, e nas entrelinhas,

fala de afectos através de imagens e de viagens pelo espaço e pelo tempo

Os afectos estão dispersos, implícitos nos vários versos.

Com afectos povoei meu pensamento.

sábado, 16 de janeiro de 2010

“Uma viagem para Pasárgada”

Chegou-me ontem pelo correio um exemplar da antologia “Uma viagem para Pasárgada” editada pela Litteris
A antologia contém 119 poemas de entre 1307 poemas concorrentes, dois dos quais de autores portugueses, Bernardo Branco e eu própria.

Se há poemas que fazem parte do meu imaginário, um deles é “Vou-me embora para Pasárgada” de Manoel Bandeira. Talvez por isso tenha concorrido ao concurso. Ouçamos o poema na voz do autor
Já anteriormente tinha escrito um conto cujo título é precisamente “Vou-me embora para Pasárgada”. Com ele concorri em 2006 à 7ª Edição do Concurso literário Prémio Dr. João Isabel promovido pela Câmara Municipal de Manteigas, tendo sido a segunda classificada. Podem aceder ao conto em  ...
Agora foi a vez da poesia.
Apresento a seguir quatro poemas, os dois portugueses e dois de autores brasileiros

Passagem por Pasárgada

Regresso à poesia e às passadas

logo que passou por minha mente

a volta ao passado. E dadas

as passagens, ouço ainda intermitente

a música de antigas Pasárgadas.

Quem alguma vez não sonhou

com lugares onde as visões são acessíveis

às montanhas de prazer e não amou

ternamente planos de harmonias impossíveis?

Daí que, a condição de si, se deslumbrou.

Teci uma rede seduzido pela fama

dos caminhos da luz e da aurora

enlaçando ilusões, compondo a trama

consequente com a felicidade, embora

não passasse além de boa mesa e cama.

Mas, cedo sobrevindo o fel, a viuvez

me ditou que uma única mulher

na vida, realmente, passou com a lucidez

do encanto que a imaginação lhe der

distinto de tudo que em

Pasárgada tomou vez.

E, depois de ter adormecido sob o signo

de estrelas residuais de amor

e poesia -não mais a descrição da viagem  que designo

por um rol de fogos-fátuos e fantasia -

acordo do pleno pesadelo. Resigno.

Não mais a Pasárgada vou voltar.

Os caminhos passados foram, a passos largos,

à infelicidade da suprema queda desaguar,

e, claramente, neste tom a voz  e os encargos

de alma me obrigam a parar...

Bernardo Branco


Carta a Bandeira

Meu caro Manuel Bandeira

Tomando o teu poema como guia parti um dia para Pasárgada.

Mas não encontrei o rei nem tão pouco o imperador.

Mulheres, essas eu vi, nalgumas, a face oculta

sob a burka ou o tchador. Se eram da vida não sei.

Não fui banhar-me no mar, não subi em pau de sebo,

nem burro brabo montei.

Tão pouco fui à ginástica, ou de bicicleta andei.

Fui em busca de Pasárgada e em parte dou-te razão:

é outra civilização mas não sei se usa processo

de impedir a concepção.

Fui em busca de Pasárgada.

Procurava ser feliz, mas desisti de tentar quando, triste, à beira rio,

eu quis chamar a mãe de água para histórias me contar.

Não a achei em parte alguma, desisti de procurar.

Foi então que decidi que devia regressar.

Quem sabe, talvez um dia Pasárgada eu vá achar

escondida sob a bruma, envolta em espuma do mar.

Se um dia tal acontece a posição vou-ta enviar.

Quem sabe, nesse lugar, perdido algures no espaço,

disponhas de GPS.

Até sempre. Um grande abraço.

Regina Gouveia

Pasárgada-Corpo

Aninhada cartografia de montanhas aquecidas,

o lençol pousado pende sobre os vales

Nos ares térmicos de Pasárgada- corpo.

No sobrevoo que vejo e deslizo,

terei a mulher que eu quero em cama arfante,

Mãe-d´água do verde que busco olhar.

Assim, amanhecida e primeira,

Em repousado travesseiro, começa o dia em Pasárgada,

esta outra civilização.

Eleita, ela descansa, enquanto a roupa e cama que sonha

e acorda em nós, de sobressalto, despida, indaga:

É Pasárgada que os deixa assim?

Marcelo Lins


Amanhã, eu vou para Pasárgada

Amanhã, eu vou para Pasárgada.

Lá não tem relógios, pois a hora é duradoura.

Lá dançarei um tango argentino, coxa entre coxa,

com a minha primeira professora.

Belo, belo, belo. Lá tenho tudo que quero.

Lá o café da manhã tem bolo de fubá.

Amanhã, eu vou para Pasárgada.

Lá, não tentarei o Pneumotórax.

Joga-se, no campinho de terra batida,

futebol na chuva…Descalço.

Lá, eu jogarei. Lá, tem o bom humor de Irene Preta.

Lá, não tem rei nem rainha, lá, não usarei camisinha.

Passearei de Maria Fumaça,

Cara ao vento, Tiuí- tiuí- tiuí-tiuí!

Amanhã, eu vou para Pasárgada.

Lá, vou molengar debaixo daquela mangueira

À espera do fruto que caia naturalmente.

Chupá-la… E não comê-la

Dormirei de janelas abertas e tomarei banho nu na cachoeira.

Lá, tem noite estrelada, tem graveto, fogo, batata-doce…

Tem conversa fiada em torno de linda fogueira.

Amanhã, eu vou para Pasárgada.

E mostrarei este poeminha ao Bandeira

Julinho Terra

Pasargada  foi declarada Património da  Humanidade pela UNESCO em 2004

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

À mesa de um transmontano cabe sempre mais um …

Esta era uma frase que o meu pai e os irmãos dele, pelo menos os que eu conheci, usavam frequentemente. Criados numa família numerosa, tinham prazer em reunir muita gente à volta da mesa e por isso, se um amigo chegava à hora da refeição, o mais certo era ser mais um comensal.
Lembrei-me desta frase a propósito dum texto de Nuno Crato de que transcrevo um excerto:

Um dos paradoxos sobre o infinito mais engraçados é o chamado “Hotel de Hilbert”, que se atribui ao matemático alemão David Hilbert, mas que muito provavelmente saiu da imaginação do físico George Gamow, o primeiro a colocá-lo por escrito. Imagine o leitor que um hotel com um número infinito de quartos está completamente lotado. Nesse hotel é sempre possível arranjar lugar para mais um hóspede. O recepcionista apenas pede ao cliente do quarto 1 para mudar para o quarto 2, ao do quarto 2 para mudar para o quarto 3, e por aí adiante. O hóspede que acabou de chegar toma o quarto 1 e ninguém fica de fora. Mas se há sempre lugar para mais um cliente, também há sempre lugar para mais dois. E se há sempre lugar para mais dois, há sempre lugar para mais três. Os clientes têm apenas que se deslocarem para o quarto situado uns tantos números à frente. Receber de uma vez um número infinito de clientes é mais difícil, mas, se o leitor pensar, encontrará certamente uma solução

Infinito

O que é o infinito?

Será um estado de alma num dia de muita calma,

em que o ar fica parado de tão sereno e tão quente?

Será um oito deitado dos que vêm nas sebentas,

nos compêndios, nos opúsculos,

ou serão as tardes lentas que precedem os crepúsculos?

Ou será o quociente em toda e qualquer divisão,

sem indeterminação, em que zero é o divisor?

Ou será um grande amor?

Ou será a imensa dor sentida ao perder alguém?

Ou será a imensidão do Universo em expansão?

Ou será mesmo o Além?

Será a suprema alegria de ver um filho nascer?

Será talvez a magia de ver a vida crescer?

O que é o infinito?

Talvez seja aquele grito que eu tento a custo suster

Gouveia, R. in Reflexões e Interferências

O sinal matemático do "infinito" é o famoso "oito deitado", ∞, figura geométrica designada por lemniscata. A imagem é conhecida desde a Antiguidade, o nome não. A razão de essa figura assumir tal significado tem a ver com a sua forma, sem começo nem fim

O infinito atormentou, desde sempre, a sensibilidade dos homens; mais do qualquer outra ideia, a de infinito solicitou e fecundou a sua inteligência(…)     Hilbert, 1921

O infinito aparece pela primeira vez na história do pensamento quando os filósofos gregos tentam exprimir por um número a medida da diagonal do quadrado de lado 1. À representação geométrica finita corresponde um número √2, a que corresponde um número infinito de algarismos, tal como acontece com o número ∏, perímetro de uma circunferência de diâmetro 1.

Esses números que se exprimem por um número infinito de algarismos, actualmente designados por números irracionais, não existiam na matemática grega.

Neste contexto é interessante recordar um dos paradoxos de Zenão: o paradoxo de Aquiles e da tartaruga

Aquiles, o herói grego, e a tartaruga decidem concorrer numa corrida Como Aquiles é 10 vezes mais rápido que a tartaruga , esta começa a corrida 100 m à frente da linha de partida. Quando Aquiles atingir esses 100m , a tartaruga estará 10 m à frente; quando Aquiles percorrer esses 10m, a tartaruga estará 1m à frente, quando Aquiles percorrer esse 1m, a tartaruga estará 0,1m  à frente, etc,etc… Dessa forma, Aquiles nunca alcançaria a tartaruga. A solução deste paradoxo surgiu só no século XVII

O primeiro passo para a operacionalização do conceito de infinito na física foi dado por Galileu, ao analisar a velocidade de um corpo em queda livre. Para conhecer a velocidade do corpo em cada instante, velocidade instantânea, considerou que a mesma seria a "velocidade média" calculada quando o corpo percorre uma distância num intervalo de tempo infinitamente pequeno. A definição estava correcta, mas a possibilidade de calcular a velocidade instantânea só surgiu alguns anos depois da morte de Galileu, com o inestimável contributo de Newton para o desenvolvimento do cálculo infinitesimal  e para a noção de limite. Os infinitos intervalos de tempo descritos no paradoxo de Zenão  formam uma progressão geométrica e a sua soma converge para um limite finito.  Aquiles acabaria por alcançar a tartaruga

Na actualidade colocam-se duas grandes questões que têm a ver com o infinitamente grande e com o infinitamente pequeno:

Será o nosso Universo tudo o que existe ou fará parte de um sistema ainda mais vasto do qual ainda nada sabemos?

Será o electrão uma partícula indivisível ou possuirá uma estrutura interna com elementos constituintes ainda mais reduzidos?
Estas duas questões apontam em sentidos opostos. Dum lado uma vastidão imensa, um espaço infinitamente grande, do outro lado o infinitamente pequeno. Alguns físicos pensam que não existe um limite em qualquer dos sentidos.

Termino  com três momentos: poesia,   pintura  e música



Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Gouveia, R

Homem

Inútil definir este animal aflito.

nem palavras, nem cinzéis, nem acordes, nem pincéis.

são gargantas deste grito.

Universo em expansão. Pincelada de zarcão

desde mais infinito a menos infinito.

António Gedeão in Poesias Completas


“Nenhum Limite” ( Edith Cohen Gewerc)



 “Infinito Particular"  Marisa Monte


Diz o ditado que as conversas são como as cerejas.…
Partindo do aforismo do meu pai acabei por ir ter ao infinito.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Quem tem medo de fazer música?

Ontem fui ao Clube Literário com um dos meus netos e respectivos pais, participar em "Quem tem medo de fazer música?".
Já tinha ido com dois dos meus netos a actividades integradas no projecto Carl Orff da responsabilidade de Paulo Jorge, cujo entusiasmo é contagiante.
Ontem, como já acontecera antes, os quatro participámos. A par de músicos que tocaram baixo, bateria, viola e saxofone, o meu neto de 4 anos tocou bombo, o meu filho tocou viola, o que faz com frequência, a minha nora tocou flauta,  o que já não fazia há anos e eu, que há muitos anos toquei (muito mal) piano e acordeão, toquei pandeireta.
Este projecto decorre mensalmente no Clube Literário.
Se houvesse muitos projectos como estes,  esta cidade tão bonita, tornar-se-ia por certo ainda mais atraente. E vêm-me à memória cidades como Viena e Praga, onde a música se encontra ao dobrar de cada esquina.
Tocámos um blue. E é com um blue que termino este post prestando homenagem ao grande Louis Armstrong

domingo, 10 de janeiro de 2010

Jacobeu e Intercâmbio cultural de arte

Como tenho vindo a divulgar, alunos da Escola Utopia vão participar, conjuntamente com artistas galegos, numa exposição itinerante sobre os caminhos de Santiago, integrada no Xacobeo 2010.
O ano Jacobeo também conhecido como Ano Santo, Jubileu, Ano Jubilar Compostelano, celebra-se por disposição papal, desde a Idade Média, quando o dia do apóstolo Santiago Maior (25 de Julho) coincide com um Domingo. Os mais recentes celebraram-se em 1999 e 2004. Celebra-se novamente em 2010.

Santiago Maior foi um dos quatro primeiros discípulos de Jesus. A palavra latina para Santiago é Iacobus de onde vem a palavra Jacobeu (Iacobeu em Latim e Xacobeo em Galego)

A exposição passará por 4 cidades portuguesas e oito galegas, terminando em Santiago de Compostela, em Dezembro de 2010. Em princípio, em cada local da itinerância, a exposição inaugurará no primeiro sábado de cada mês. Eventualmente o evento poderá ser adiado para o segundo sábado, se o adiamento se justificar. Foi isso que aconteceu no primeiro sábado de Janeiro que coincidiu com o dia dois, muito próximo das festividades da passagem de ano . Assim, a primeira mostra que decorreu no Porto, na galeria Utopia, teve lugar ontem, dia nove.
Apresento imagens de algumas obras, as cinco primeiras portuguesas (a minha é a 4) e uma galega(6)
A escolha teve como critério evidenciar diferentes abordagens de diferentes alunos
1                                                      2

3                                                       4
       
  5                                                         6  
      

sábado, 9 de janeiro de 2010

Decompondo o arco-íris

Decompondo o arco-íris é o título de uma obra, cuja leitura aconselho. O autor é Richard Dawkins, professor na Universidade de Oxford e divulgador científico


E é precisamente sobre o arco-íris o post de hoje que inicio com o poema Física


Física

Colho esta luz solar à minha volta,

No meu prisma a disperso e recomponho:

Rumor de sete cores, silêncio branco.

Como flechas disparadas do seu arco,

do violeta ao vermelho percorremos

O inteiro espaço que aberto no suspiro

Se remata convulso em grito rouco.

Depois todo o rumor se reconverte

tornam as cores ao prisma que define

À luz solar de ti e ao silêncio

Este poema é da autoria do nosso prémio Nobel, José Saramago e está publicado em “Poemas Possíveis”.

São vários os poetas que nos falam da poesia do arco-íris, nomeadamente Gedeão, no belíssimo poema, “Saudades da terra” de que aqui deixo um excerto.

Uns olhos que me olharam com demora,

não sei se por amor se caridade,

fizeram-me pensar na morte, e na saudade

que eu sentiria se morresse agora.

E pensei que da vida não teria

nem saudade nem pena de a perder,

mas que em meus olhos mortos guardaria

certas imagens do que pude ver.

Gostei muito da luz. Gostei de vê-la

de todas as maneiras,

da luz do pirilampo à fria luz da estrela,

do fogo dos incêndios à chama das fogueiras.

Gostei muito de a ver quando cintila

na face de um cristal,

quando trespassa, em lâmina tranquila,

a poeirenta névoa de um pinhal,

quando salta, nas águas, em contorções de cobra,

desfeita em pedrarias de lapidado ceptro,

quando incide num prisma e se desdobra

nas sete cores do espectro(…)

Na minha modestíssima poesia também o arco-íris emerge em vários poemas dois dos quais coloco a seguir

As palavras não ditas

Tu não sabias, mas no silêncio que achaste insuportável,

naquelas palavras que eu não disse,

havia o brilho do sol, a luz do luar, um rio a fluir,

um murmúrio de mar, todo o arco- íris, um cheiro a jasmim,

um leve bater de asas, um toque de cetim, o sussurrar do vento,

e havia o tempo, um tempo ilimitado

que hoje jaz inerte, abandonado.

Tu não sabias, por isso achaste imperdoável

o silêncio das palavras que não disse.


Arco-íris

Passeio no jardim das Tulherias o céu é cinza, o ar é baço.

Pelo espaço ecoam doces melodias

que uma criança extrai da concertina.

Não sei se é menino ou se é menina,

só vejo as mãos e os olhos de um negro penetrante.

Um velho casaco do irmão, talvez do pai

cobre-lhe a cabeça e sobre os ombros cai,

tentando protegê- la do frio que é cortante

É Abril, um Abril de chuva e frio, o dia é sombrio.

No Céu, um arco íris imenso cobre a cidade com um halo intenso.

Lá ao fundo o obelisco hirto e só, recorda o Egipto, e um certo faraó.

Mais além o Arco do Triunfo e la Defense "Honni soit qui mal y pense".

Para trás, o Louvre e a Catedral

ali à esquerda, sempre monumental, a torre Eiffel, qual torre de Babel,

onde se ouvem os idiomas mais diversos,

são os turistas, por Paris dispersos.

Lá em cima, o Sacré Coeur, Monmartre,

esta é a cidade luz, da boémia e da arte

no país de Renoir, Rodin, Ravel e Sartre, Belmondo, Godard, Chevalier

do grande Le Corbusier, de Descartes e Lavoisier, de Aznavour, Piaff e Juliette

Paris dos Boulevards, de la Vilette, do centro Pompidou, Beaubourg, Les Halles

do Moulin Rouge e de Pigalle, da Ópera, da Madalena, das pontes sobre o Sena.

É Abril, um Abril de chuva e frio.

A música flutua no ar denso e no Céu, sombrio, um arco íris imenso.

Tudo isto me fascina e me seduz: Paris, o som da concertina, e a dispersão da luz


Desde sempre o arco-íris constituiu uma fonte de fascínio que importava explicar. Aristóteles considerava que o seu aparecimento implicava a existência do Sol, de uma nuvem e de um observador numa determinada posição geométrica. Esta interpretação não era compatível com a Bíblia pois, segundo a mesma, Deus teria criado o arco-íris após o Dilúvio. Admitindo embora a sua inexistência antes do dilúvio, os filósofos da Idade Média aceitavam na generalidade as ideias de Aristóteles sobre o arco-íris embora sobre as mesmas tivessem surgido algumas variantes ao longo dos séculos.

Explicações do arco-íris a partir de fenómenos como a reflexão a refracção da luz são propostas por Bacon e outros filósofos medievais.

A partir do século XVIII as explicações especulativas começam a dar lugar a explicações que assentem numa concordância entre as teorias e os resultados experimentais

Permitindo a entrada de luz do Sol através de um pequeno orifício, dotado de uma lente convergente, Newton fez incidir um raio luminoso num prisma de vidro triangular, observando a formação, num alvo, de uma imagem oblonga do Sol que apresentava vários halos sucessivos coloridos. Este fenómeno, designado por dispersão da luz branca, era interpretado como a corrupção da luz branca pura (a sua passagem por um meio adulterador produzia as várias cores). Uma obstrução menor produzia o vermelho e uma obstrução maior o azul. Prosseguindo a sua experiência, Newton intercalou no percurso dos raios coloridos um segundo prisma, numa posição invertida relativamente ao primeiro, observando a emergência de um raio de luz branca. Concluiu então que, na passagem no primeiro prisma a luz branca se decompunha no conjunto de cores observado, voltando a surgir no segundo prisma devido à recombinação das cores. Isolando raios singulares das cores obtidas, verificou que não era possível voltar a decompô-los. Reconheceu que a luz branca não é pura, mas sim uma mistura de luz de cores diferentes.
Ao conjunto de cores observadas, Newton atribuiu o nome de “espectro”, palavra mais relacionada com espíritos, mas também utilizada para referir as imagens produzidas na “câmara escura”. Dividiu, então, o espectro em sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, numa analogia com a escala musical de sete notas, uma representação que se manteve ao longo dos anos apesar de o espectro consistir de um número infinito de cores
Efectivamente, William Herschel (1738-1822) analisou o espectro solar colocando três termómetros ao longo do espectro produzido por um prisma de vidro e verificou que as temperaturas aumentavam da zona do violeta para a zona do vermelho. Após reparar neste padrão, decidiu medir a temperatura na zona invisível do espectro, “para lá” do vermelho e notou que nesta região se verificavam os maiores aumentos de temperatura. Esta situação indicava a existência de uma luz invisível responsável pelos efeitos térmicos. Essa nova radiação era reflectida, refractada, absorvida e transmitida de maneira similar à luz visível, sendo diferente apenas por não ser visualizada pelos nossos olhos. Esta forma de luz que surge “para lá” do vermelho é hoje conhecida por radiação infravermelha.

Façamos uma pequena interrupção para falar de Herschel. Foi um astrónomo e músico muito conhecido mas enquanto que Borodin ficou mais conhecido como músico, a Herschel associamos geralmente o astrónomo que se tornou famoso essencialmente pela sua descoberta do planeta Urano, em 1781.

Mas regressemos ao espectro. Já se conhecia o efeito da luz visível sobre sais de prata. Em 1801, Wilhelm Ritter observou esse efeito com luz invisível “para lá” do violeta, radiação que actualmente se designa por ultravioleta.
Alguns anos mais tarde, entre 1885 e 1889, Hertz (1857-1894), utilizando um circuito eléctrico para produzir faíscas num pequeno interruptor, verificou que estas originavam ondas transmitidas pelo ar e detectáveis, num circuito semelhante, a alguns metros de distância. Estas ondas hertzianas (também designadas por ondas de rádio) eram apenas mais um tipo de luz, pertencente ao espectro electromagnético, “para lá” da radiação infravermelha
Em 1895 Roentgen (1845-1923), descobre uma nova radiação invisível, a radiação X , “para lá” do ultravioleta.

Hoje sabe-se que o espectro é assim constituído:





Como vemos o espectro visível é uma ínfima parte do espectro. Para além disso varia muito de uma espécie animal para a outra. Cães e gatos detectam essencialmente radiação azul e amarela, cobras vêm no infravermelho e abelhas no ultravioleta, cores para as quais somos cegos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A famigerada avaliação dos professores....

No meu livro Se eu não fosse professora de Física..(Areal Editores, 2000) refiro a dada altura, justificando, que se não fosse professora de Física gostaria de o ser e, a dada altura digo(sic): Se ser professor é sempre uma tarefa aliciante, apesar de todos os “senãos”, ser professor de Física é, em meu entender, duplamente aliciante.


É certo que os grandes senãos estavam para vir e de tal modo me senti maltratada pelo sistema que aos sessenta anos de idade e com 39 de carreira, pedi a aposentação. Foi um decisão muito dolorosa. Adorei ser professora. Não trocaria a minha profissão por qualquer outra e pensei sempre que, enquanto tivesse forças e me fosse legalmente permitido, eu não deixaria o ensino.

Já estou a imaginar comentários de alguns leitores: os professores nunca fizeram nada e por isso reagiram mal às alterações propostas pela ministra (sinistra) MLR.

Dei muito de mim ao ensino, muitas vezes em prejuízo da família. E o que dei não foi só tempo, empenho e dedicação. Com o meu dinheiro comprei muitas coisas que achava indispensáveis para levar a cabo actividades com os alunos e, dos inúmeros cursos de formação que fiz, se muitos foram pagos pelo sistema , outros foram totalmente a expensas minhas, nomeadamente alojamentos e deslocações. Acrescentarei que a Sociedade Portuguesa de Física reconheceu todo este meu esforço e, assim, em 2005 fui, por proposta da referida Sociedade, condecorada pelo Presidente Jorge Sampaio, com a Comenda da Instrução Pública e pela mesma Sociedade foi-me atribuído o prémio Rómulo de Carvalho para excelentes professores de Física (deste prémio dei parte à Escola para atribuição de um prémio ao melhor aluno de Física de 12º ano).

Coloco aqui estes dados correndo o risco de parecer imodesta, mas com eles pretendo mostrar que eu, tal como muitos professores ( creio que uma esmagadora maioria) davam, e por certo continuam a dar, o seu melhor em prol do ensino e da educação em Portugal. Tal como em qualquer outra profissão há parasitas no sistema e urge acabar com todos esses parasitismos. Mas não de uma forma leviana e pouco séria.

A propósito do problema da avaliação, choca-me profundamente ler e ouvir com frequência, que os professores não querem ser avaliados. É provável que alguns não queiram, mas os professores empenhados (que serão provavelmente uma grande maioria) querem com toda a certeza uma avaliação que venha permitir separar o trigo do joio.

Pois meus caros leitores, os resultados da avaliação proposta por MLR estão aí. E em muitos dos casos que conheço, são  pura e simplesmente uma burla.

Sei de escolas em que o critério foi este, os professores foram classificados em dois grupos:

• com muito bom todos os que aceitaram observação de aulas independentemente de ser excelente ou mau o seu desempenho

• com bom, todos os que não aceitaram ser observados.

Tendo sido orientadora de estágios durante 22 anos, tendo durante vários anos dado aulas de Didáctica da Física no Mestrado em Física para o Ensino (FCUP) conheço muito professores de Física e Química.

Quando vejo os resultados da avaliação sinto uma profunda tristeza.

O trigo e o joio, tudo misturado num saco só.

É contra esta avaliação, que existe apenas para cumprir uma determinação ministerial demagógica e irresponsável, que estão os professores.

Outra ideia que se propalou por aí é que os professores nunca tinham sido avaliados ao longo da carreira. Nada mais falso. Até 1974, era vulgar um professor estar a dar aula, e sem qualquer aviso prévio, entrava um inspector na sala. As minhas aulas e as dos meus colegas foram várias vezes observadas pelo Inspector Túlio Tomaz. Não sei como essas observações eram depois tratadas mas nunca me preocuparam, antes pelo contrário, gostava de ouvir o parecer do Inspector no fim da observação.

Em 1974 e como é normal em qualquer processo revolucionário, houve de início alguma perturbação no sistema. Sei também que, nos anos que se seguiram, houve vários especialistas envolvidos em processos de formação e avaliação contínua, entre eles e para dar apenas dois exemplos, Albano Estrela e António Nóvoa. Tomaram-se algumas medidas para controlar a progressão na carreira ( por exemplo a prova de acesso ao 8º escalão no E. Secundário).

É verdade que, apesar de muitos esforços e contributos, não se conseguiu chegar a um sistema eficaz. Mas o sistema proposto por MLR foi sem dúvida um absurdo, que revela a falta de uma reflexão
séria sobre um problema da maior importância.

Muito provavelmente a actual Ministra da Educação não irá ler este texto mas,  apesar de tudo,  lanço um apelo.

É urgente criar um sistema de avaliação dos professores que tanto quanto possível seja:

1. Isento (dificilmente o será entre professores da mesma escola),

2. Objectivo (dificilmente o será enquanto a observação de aulas puder ser feita por colegas de outras áreas),

3. Eficaz (dificilmente o será enquanto assentar essencialmente no preencher de um amontoado de papéis palavrosos mas que pouco querem dizer),

4. Sério (dificilmente o será enquanto tiver por base essencialmente um “show off “ vazio de conteúdo)

5. Justo, permitindo distinguir o trigo do joio

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A nossa pequenez face ao Cosmos...

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.

Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.

Espaço vazio em suma.

O resto é a matéria.

Daí que este arrepio

Este chamá-lo e tê- lo, erguê-lo e defrontá- lo,

Esta fresta de nada aberta no vazio, deve ser um intervalo.

Gedeão.A, Máquina do Mundo, in Máquina de fogo 1961


O filme que segue (potências de dez) faz-nos reflectir sobre a nossa pequenez face ao cosmos

Mendeleev e Borodin

Dmitri Mendeleev ( 1834-1907) foi ultimo filho de uma família numerosa (teve 13 irmãos) Tendo o pai cegado com Dmitrii ainda novo, a mãe, Maria, abriu uma fábrica de vidro. Quando Dmitrii está a acabar o liceu o pai morre e a fábrica arde. Maria vai para Moscovo com o filho, tentar que ele entre na universidade, mas não tem sucesso. No entanto não desiste. Vai para S. Petersburgo onde Dimitri é submetido a um exame extraordinário para tentar, desta vez com sucesso,  a entrada no Instituto. Maria morre pouco depois de tuberculose, consumida pelo cansaço de uma vida de labuta.


O filho não o esquecerá e na sua obra mais importante (Princípios de química, 1868 – 1870) escreve: “Esta investigação é dedicada pelo seu filho mais novo, à memória de uma mãe . Dirigindo uma fábrica,  somente com o seu trabalho  pôde educá-lo. Instruiu-o pelo exemplo, corrigiu-o com amor, e a fim de o dedicar à ciência deixou com ele a Sibéria, gastando assim seus últimos recursos e forças”.

Em 1856, concluído o curso de Química , foi leccionar para Odessa, na Crimeia. Em seguida partiu para Paris onde trabalhou  e depois para Heidelberg  onde se tornou amigo de outro químico famoso, Borodin.

Mendeleev é um nome que ligamos à Tabela Periódica dos Elementos, ferramenta indispensável para qualquer químico, e não só.Classificou os elementos químicos dispondo- os por ordem crescente do seu peso atómico. Já outros cientistas tinham tentado anteriormente estabelecer conexões entre os pesos atómicos e as propriedades de alguns elementos mas Mendeleev não estava a par desses trabalhos .

Mendeleev notou que as propriedades das substâncias simples se repetiam  periodicamente mas por vezes teve que criar   lacunas no seu quadro de classificação dos elementos. Previu a existência de elementos que ocupariam essas lacunas e adiantou propriedades para os mesmos. Além disso, em diversos casos, para ser mantida a ideia de periodicidade, a posição de alguns elementos teve que ser trocada, pois não correspondia à que lhes competia de acordo com o peso atómico determinado pelos químicos da época. Assim, por exemplo, o telúrio deveria ser colocado antes do iodo, embora o peso atómico do telúrio seja 128 e o do iodo 127. Assinalou também as inversões de outros pares de elementos A maioria dos químicos da época acolheu com algum cepticismo o trabalho de Mendeleev mas em 1875 foi descoberto, perto dos Pirinéus, um novo elemento que, em homenagem à França, ficou com o nome de gálio. Mais tarde foram descobertos dois novos elementos, o escândio (1879) e o germânio (1886). Em todos estes casos as propriedades dos elementos recém descobertos coincidiam espantosamente com as previsões de Mendeleev para os elementos que iriam ocupar as lacunas. Somente em 1913 Henry Mosely estabeleceu o conceito de número atómico com base no qual os elementos estão hoje dispostos na Tabela Periódica mas essa descoberta provocou apenas alguns rearranjos na classificação dos elementos feita por Mendeleev,

Borodin é um caso totalmente à parte na história da ciência. A devoção tanto à química como à música foram uma constante, tornando-se o único praticante de uma carreira dupla dessa natureza ao longo de toda a vida. Contudo, a importância de Borodin na história da música é de tal modo importante, que hoje poucos conhecem o seu papel como pesquisador e professor de química na Rússia do século 19. Mas a sua trajectória como químico não pode ser ignorada.

Aleksandr Borodin (1833-1887) nasceu em São Petersburgo,. Ele era filho natural do príncipe Gedianov  mas foi registado como filho de um servo do Príncipe, Porfirii Ionovich Borodin, e de sua mulher.
A verdadeira mãe, que Borodin tratou sempre por tia, veio a casar-se em 1839 com um médico militar. Desde cedo o jovem Aleksandr (Alexandre) demonstrou um invulgar talento musical.
Em 1847, aos 14 anos,  compôs um concerto para flauta e piano. Ainda jovem tomou contacto com as ciências que o fascinaram, muito em particular a química.
Aos 17 anos foi admitido como estudante da Academia Médico-Cirúrgica de São Petersburgo..
Em 1856 concluiu brilhantemente o curso.Mesmo antes da formatura já havia sido indicado para professor da Academia.  A sua paixão pela química  levou-o a escolher essa área para a sua tese de doutoramento "Da Analogia do Ácido Arsénico com o Ácido Fosfórico no Comportamento Químico e Toxicológico".
Durante a sua carreira viveu algum tempo em Heidelberg, onde vários químicos russos trabalhavam ao tempo,  e é aí que Borodin inicia a sua amizade com Mendeleev. Os químicos russos em Heidelberg reuniam-se frequentemente, e dessas discussões surgiu o embrião da futura Sociedade Química Russa, que viria a ser fundada anos mais tarde

Na década de 80 houve uma grande luta dos intelectuais progressistas, entre os quais alguns dos maiores químicos russos do tempo, como Mendeleev, Butlerov, Markovnikov e Borodin, contra os reaccionários que dominavam a Academia das Ciências da Rússia, muitos dos quais estrangeiros. A situação chegou a tal ponto que a Academia vetou o ingresso nos quadros, do mais eminente químico russo do século 19, Mendeleev. Borodin não conteve sua indignação e protestou abertamente contra essa conduta abjecta. Na Academia Médico-Cirúrgica, Borodin decidiu só recomendar russos para os cargos vagos. Todavia, quando ele propôs em 1873 que a cadeira de física fosse atribuída a Mendeleev ou ao professor da Universidade de Moscou Alexandre Grigorievich Stoletov, a Academia não se dispôs a acatar a sugestão e preferiu deixar a cátedra vaga por mais de dez anos






A música que, ao longo da sua carreira não foi  a sua principal  preocupação, não foi esquecida. Tocava regularmente em conjuntos de cordas, e na primavera de 1860 compôs um sexteto para dois violinos, duas violas e dois violoncelos, que teve sua primeira execução em Heidelberg
E agora deixo-os com a música de Borodin
Sobre Mendeleev e Borodin poderão consultar um  Boletim da SPQ

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Depois de Chico e Bethania, a voz de Caetano

Com Chico e Bethania comecei a minha digressão pela música brasileira. Segue-se Caetano  desta vez, não para cantar em brasileiro,  mas para o recordar no filme "Fala com Ela". Gostei do filme mas o momento musical com Caetano é fabuloso. Oiçamos Caetano Veloso em "Fala com ela"

Chico Buarque e Niemeyer

Chico Buarque (Francisco Buarque de Holanda), filho de Sérgio Buarque de Holanda,  historiador e jornalista  e de Maria Amélia Cesário Alvim, pintora e pianista, viveu sempre num ambiente extremamnte rico do ponto de vista cultural. Niemeyer era amigo de seu pai e de certo modo inflenciou o seu ingresso no curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU). Desistiu do curso em 1965 e começou a dedicar-se  por inteiro à carreira artística. Em 1966 ganhou o Festival de Música Popular Brasileira com a canção "A Banda". Em 1969 auto-exilou-se em Itália, fugindo da Ditadura Militar no Brasil. Talvez por isso tenha sido um dos artistas mais activos na crítica política e na luta pela democratização do país. Mas a sua actividade não se esgota na música. Além de compositor de músicas sobejamente conhecidas e  de bandas sonoras para alguns filmes, Chico é poeta (para além das letras de inúmeras músicas escreveu, por exemplo,Chapeuzinho Amarelo, um livro-poema para crianças) autor de peças para teatro e livros de ficção: Estorvo, Benjamim, Budapeste e Leite Derramado. Considero este último extraordinariamente interessante  e aconselho a sua leitura. Mas o texto de que mais gosto é provavelmente a casa  de Oscar

Chico Buarque e Maria Bethania

Gosto muito de música, em especial  de música genericamente (e algo impropriamenbte)  designada por clássica. Mas também gosto muito de outros tipos de música, em particular alguma música brasileira .Com a escolha musical de hoje pretendo homenagear dois grandes nomes : Chico Buarque e Maria Bethania.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Manuel de Falla, outro dos meus compositores ...

De novo a música, desta vez asociada à dança. A dança ritual do fogo de Manuel de Falla

Reportagem fotográfica


É já amanhã a abertura da  exposição ....
Relação cósmica

The art of Edith Cohen-Gewerc

Acabo de colocar no blogue uma entrada para a arte de Edith Cohen - Gewerc cuja obra me encanta

Este um dos seus quadros : Relação cósmica. Não é dos que mais gosto mas tem a ver com o título do blogue.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Shubert, um dos meus compositores favoritos

No segundo dia de 2010 quero partilhar convosco uma das minhas músicas favoritas Quinteto para piano em lá maior, opus 114, "A truta" de Shubert  (basta "clicar" para aceder)
Partilho também a letra



A Truta
Num límpido riacho,
Movia-se alegremente
A truta caprichosa,
Rápida como uma flecha.
Da margem eu seguia,
Em doce tranquilidade,
O banho do alegre peixe
No riacho transparente.
Um pescador com a sua cana
Colocou-se na margem,
Olhando, com sangue-frio,
Os serpenteios do peixe.
Enquanto a água estiver clara,
pensei eu,
Ele não apanhará a truta
Com o seu anzol.
Mas, por fim, o ladrão,
Impacientou-se. Perfidamente
o ribeiro turvou,
E num instante,
A sua cana estremeceu,
Com o peixe a debater-se nela,
E eu, com o sangue a ferver,
Olhei a criatura enganada.

O LHC, a investigação e o humor...

Para iniciar 2010 nada melhor que aceder a  http://sro0.wordpress.com/2008/09/21/lhc-acelerador/

A par de uma explicação breve sobre o HLC e a investigação para recriar as condições do BIG BANG, um breve momento de humor ...

“No passado, o futuro era melhor?”

Mais um texto que foi publicado em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/


Nha Fala
“NHA FALA é uma parábola sobre a voz(...) A fala de Vita é a fala da África(...)

Quis contar esta história por meio de uma comédia musical para mostrar a vitalidade deste continente. A música é o melhor modo de expressão dos africanos”.

(Flora Gomes)



Se há no Porto espaços em que me sinto bem, um deles é o Clube Literário. Mesmo quando os eventos não me atraem muito, tenho sempre o rio em frente para deleite do olhar. Mas foi mais que isso na Semana Cultural dedicada à Guiné Bissau.

Terça feira, 17 de Novembro de 2009, bar do Clube, encontro sobre Contos tradicionais da Guiné-Bissau.

Já há muitos anos adquiri um livro de contos guineenses pelo que os contos não constituíram uma novidade. Um sociólogo guineense fez uma análise sobre os mesmos, o que foi minimamente enriquecedor. Sempre com um fundo moral, nos contos figuram muitos animais entre eles o lobo, egoísta e agressivo, a lebre e a tchoca, símbolos de esperteza. Figuram também animais solidários que emprestam os seus olhos a outros animais cegos, e animais ingratos que depois de recebidos os olhos tentam apropriar-se deles para sempre

Enquanto o encontro decorria, um tocador dedilhava um cora. Cora é um instrumento de cordas, tradicional dos povos mandingas da África Ocidental. Construído a partir de uma meia cabaça fechada por uma cobertura de pele, e com um braço que sustenta até 25 cordas, é o instrumento que acompanha os trovadores errantes, um misto de poetas e cronistas. O seu som, belíssimo, pretende reproduzir o de uma ave

Sexta feira, 20 de Novembro de 2009, auditório do Clube, projecção do filme Nha Fala de Flora Gomes. Fantástico. Lembrando um pouco Kusturica, Flora Gomes busca, através da personagem Vita, um rumo para um povo que, para renascer, precisa de cortar com uma parte do passado

A banda sonora, muito bem conseguida, como que proclama a importância da música na cultura africana

Embalada pela música africana viajo no tempo….

Dezembro de 1969, visita de Spínola a Bafatá.

Acompanha-o a mulher, Helena Spínola, a quem é oferecida uma recepção, enquanto o marido trata de assuntos que ali o levaram. Para a recepção são convidadas as mulheres dos militares.

Fui colocada perante um dilema. Estar presente seria como que uma conivência com uma guerra sem sentido, que sempre abominei.

Faltar significaria perder um espectáculo que, provavelmente, jamais iria ter oportunidade de ver. A balança pesou para este segundo lado.

Dirigi-me à casa do Administrador onde estava Helena Spínola na varanda, acompanhada por várias senhoras. Como não conhecia ninguém isolei-me a um canto. Helena Spínola, muito gentil, veio ter comigo e integrou-me no grupo. Em breve a música africana ecoava no ar. Marimbas, guitarras, coras, tambores, num inesquecível festival de sons.


(fotografia de Fernando Gouveia)

E outros sons me assomaram agora à memória: os sons dos tambores num choro (funeral) bem perto de minha casa, os sons de um batuque num casamento e os sons dos guizos nas pernas e nos braços de uma criança.

Foi numa tabanca perto de Bafatá. A criança estava ao colo da mãe que, orgulhosa, ma estendeu para eu pegar nela ao colo. Emocionada peguei na criança, que ao ver-se fora dos braços da mãe começou a gesticular, perninhas e bracinhos em grande agitação. Do tilintar dos guizos emergia uma espécie de toada que tornou mágico o momento

Mas a estas imagens e a tantas outras recordações que deixaram em mim marcas indeléveis, associam-se outras que já não deveriam existir no século XXI. Refiro-me ao programa “Dar a vida sem morrer” apresentado por Catarina Furtado.

E apesar de tudo ainda continuam a cantar.

Que força é essa amigo…

Vi-te a trabalhar o dia inteiro, construir as cidades pr'ós outros

carregar pedras, desperdiçar muita força pra pouco dinheiro.

Vi-te a trabalhar o dia inteiro. Muita força pra pouco dinheiro (…)

Sérgio Godinho, Que força é essa


Em 2005, a propósito das comemorações do 30º aniversário da independência do seu país, Mia Couto quando proferia na Suiça, uma conferência subordinada ao tema: “No passado, o futuro era melhor?” disse a dada altura:

Em 1975, nós mantínhamos a convicção legítima mas ingénua de que era possível, no tempo de uma geração, mudarmos o mundo e redistribuirmos felicidade. Não sabíamos quanto o mundo é uma pegajosa teia onde uns são presas e outros predadores.

Ao ver a situação da Guiné Bissau nos dias de hoje sei que o futuro com que sonharam no passado era bem melhor que o futuro que lhes estava reservado. Tal como nos contos, o povo continua solidário capaz de dar os olhos, mas há sempre lobos predadores egoístas e sem escrúpulos.

Ao escrever estas palavras lembrei-me de dois poemas que de certo modo, põem o dedo na ferida.


Hipocrisia

Lactarius deliciosus. Não sei se foi Lineu quem o nome lhes deu.

Eu, no meio do pinhal, com gestos suaves, subtis, vou-as colhendo uma a uma.

São as sanchas, frágeis, delicadas, como que envergonhadas,

por baixo da caruma.

Chapéu e pé em tom alaranjado, já em pequenina, a medo, eu as colhia

pois sabia que mesmo ali ao lado, outros cogumelos, alguns muito mais belos,

teciam seus ardis. Insidiosos, perigosos, escondem em si a muscarina,

a psilocibina, tanta, tanta toxina, tantas vezes fatal.

Tal qual a hipocrisia nos humanos, desumanos, antes eu diria,

que enchem a boca com a democracia e a globalização, visando um mundo novo,

enquanto vendem armas para matar o povo que subjugam pela exploração.

Regina Gouveia , Magnetismo Terrestre

Tchador

Déboras, Irinas, Svetlanas ucranianas, sul- americanas, não importa.

Partiram em busca de uma porta que lhes desse acesso a melhores vidas.

e acabaram ludibriadas, iludidas, nas mãos de proxenetas.

São traficadas são exploradas, vezes sem conta são violadas

e quando, apesar de jovens, acabadas, são abandonadas, jogadas nas sarjetas.

Sandras, Bintas, não importa o nome, a vida deu-lhes até hoje violência e fome.

Aquela com onze anos, tão menina, de uma outra menina já é mãe.

Por certo é a primeira boneca que ela tem. E nos olhos, em vez de ódio

e de revolta, uma lágrima solta, enquanto embala a filha com amor.

Aquela outra ali é argelina, talvez a "pietá" que correu mundo.

Nos olhos um desgosto tão profundo, maior que o próprio mundo.

E aquelas outras das quais não vejo o rosto que, se doentes, não podem ser tratadas, que são impuras, se desvirginadas, que se forem violadas

poderão por castigo ser queimadas?

O que dirão os seus olhos por baixo do tchador?

Humilhação? Desgosto? Resignação? Rancor? Talvez revolta?

Se eu um dia usar tchador por meu querer acreditem que não é para me esconder

é só para tentar não ver tanta injustiça, tanto horror,

tanto fanatismo, tanta dor, neste mundo cruel à nossa volta.

Regina Gouveia em Reflexões e Interferências



Regina Gouveia