Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


sábado, 25 de maio de 2019

Redes sociais

As redes sociais nunca me seduziram. Raramente ali “vou”.
A propósito do tema, partilho convosco um texto de Magda Gomes Dias


Bom dia, bom dia,

Hoje recebi um email que ainda não abri mas cujo título era " Facebook já era?" e fiquei a pensar naquilo que já há muito tenho vontade de partilhar contigo.

Há demasiado barulho e ruído. Vejo contas (de instagram, sobretudo) onde se publica todos os dias, até duas vezes por dia. Como se o silêncio não fosse de ouro e como se a paragem momentânea dos likes, dos shares significasse o nosso valor ou a falta dele. Perco a vontade de estar na presença dessas contas e dessas pessoas porque, apesar dos textos longos e profundos, o que "vendem" não bate certo com o que fazem. Oversharing, overtalking e overlikes e, portanto, ausência de silêncio, de tempo, de pausa e lentidão que impedem o mergulho verdadeiro nas nossas vidas reais, com gente de carne e osso. Não bate certo.

Vejo muita gente a apregoar um estilo de vida sensato, equilibrado, com base em valores humanistas até, com uma retórica quase que imaculada mas a forma como o comunica é totalmente o inverso: ansiedade, consumismo, exposição contínua. Como dizia uma amiga minha há uns dias, parece que algumas acordam de manhã a pensar: como é que as pessoas hoje vão gostar ainda mais de mim? O que é que eu preciso de lhes dar para isso acontecer?
E o jogo é dos dois lados. Ora dou às pessoas aquilo que elas precisam para gostarem de mim, ora eu aplaudo, sem pensamento crítico, aquilo que as pessoas de quem eu gosto, acabaram de postar. Só porque sim. E a vida segue...

Tudo serve para filmar e tudo parece ter de ser registado. E por isso mesmo, muito pouco é autêntico. O dedo bate duas vezes na imagem e o coração surge. E com isto surge culpa de não ser tão fantástica, e com isto há cópia para ser igual.

Quando reparas, sabes que a filha mais velha daquela bloguer tem um feitio difícil, que aquela tem um discurso de encorajamento e que a outra tem dois filhos que são top of the top. No meio deste cocktail, desejas ter a casa da primeira, o feed lindo da segunda e dois filhos como os da terceira. Acabas por conhecê-las e perceber que não é nada disso. Como disse uma amiga minha ontem, bluff! A primeira não sabe lidar com a filha porque ela própria é autoritária e o que importa é o "eu, eu, eu!" , a segunda é, na verdade, uma mulher com uma auto-estima baixa, perceptível pelo oversharing e pela construção de uma persona, e a terceira não suporta as falhas dos filhos porque acredita serem as suas. Vidas e pessoas comuns, portanto. Com isto tudo, a coerência é uma palavra que cai em desuso e praticamente desaparece dos dicionários da vida de todos os dias. Acabou-se a intimidade, acabou-se o debate, acabou-se o que é razoável. Tudo são montras, tudo é descartável e o que é hoje já não é daqui a pouco. Só que nos esquecemos que uma vez na rede, para sempre na rede. E é angustiante o caminho que se está a traçar. Aprender a colocar em questão não só o que lemos e o que vemos, como também os sentimentos que tudo aquilo nos provoca torna-se necessário, diria até obrigatório. Para que o debate possa ressurgir, para que a reflexão renasça e até para que o sentido do rídiculo e do questionamento possam voltar à ordem do dia.

Se as empresas têm responsabilidades sociais, contas com muitos seguidores (eu diria todas as contas, até!) deveriam saber que também a têm. Enquanto profissional que trabalha com o digital (e pessoa!) é minha responsabilidade aquilo que comunico e a forma como o faço. O impacto que tenho nos outros aumenta-me a responsabilidade. E eu creio que está na hora de começarmos a pensar na forma como o fazemos e naquilo que podemos estar (todos) a criar.

As minhas inseguranças, os meus medos, a história dos meus apenas a mim diz respeito. Se preciso da validação dos outros, a resposta não está no oversharing, no overlikings...

Fica o convite à reflexão. Para que, no final, não sejamos todos uma grande fraude!

Bom fim-de-semana, gente boa!

Magda

Magda Gomes Dias é formadora nas áreas comportamentais e comunicacionais há mais de 12 anos. Porque sabe que os comportamentos se escolhem e que «comportamento gera comportamento», aborda as questões parentais e da educação positiva através dessa lente. Com certificação internacional em Inteligência Emocional, em Educação Positiva e em Coaching, esta mãe de duas crianças é também a autora do blogue Mum’s the boss e do site ParentalidadePositiva.com Seja nos workshops, nas conferências, nas empresas, no blogue ou até nas suas sessões de Coaching e Aconselhamento Parental, a missão da Magda é entusiasmar os pais para estas temáticas, provando que é possível educar com base no respeito mútuo, desenvolvendo relações felizes e com profundo significado. Educar da cabeça para o coração, e portanto para a felicidade, é o que a move.


quinta-feira, 23 de maio de 2019

Chico Buarque e o prémio Camões.


O prémio literário mais importante do universo da língua portuguesa distinguiu nesta terça-feira, na sua 31.ª edição, um ícone da música popular brasileira a que faltava a definitiva consagração como escritor. in https://www.publico.pt/2019/05/21/culturaipsilon/noticia/chico-buarque-premio-camoes-2019-1873609
Já varias vezes me referi,  neste blogue, a Chico Buarque de Holanda , nomeadamente
em 2014, com um “post” a ele dedicado https://docaosaocosmos.blogspot.com/2014/06/chico-buarque.html

Prestando uma modestíssima homenagem ao “cantautor” que mais admiro, deixo um  texto publicado em https://www.unicepe.pt/associados/texto_46.html

De Chico Buarque a Julinho da Adelaide...      por Regina Gouveia 

Chico Buarque de Holanda que, segundo consta, aos 20 anos sonhava cantar como João Gilberto, compor como Tom Jobim e fazer versos como Vinícius de Moraes. é, incontestavelmente, um dos maiores nomes da música popular brasileira.
Filho de Sérgio Buarque de Holanda, historiador e jornalista e de Maria Amélia Cesário Alvim, pintora e pianista, viveu sempre num ambiente extremamente rico do ponto de vista cultural. Niemeyer era amigo de seu pai e de certo modo influenciou o seu ingresso no curso de Arquitetura, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Desistiu do curso em 1965 e começou a dedicar-se por inteiro à carreira artística. Em 1966 ganhou o Festival de Música Popular Brasileira com a canção "A Banda".

Além de compositor e cantor Chico é poeta (para além das letras de inúmeras músicas escreveu, por exemplo, Chapeuzinho Amarelo, um livro-poema para crianças), autor de peças para teatro e de livros de ficção como Estorvo, Benjamim, Budapeste, Leite Derramado e O irmão alemão. Prefiro o cantor /letrista/ compositor ao escritor. No entanto, há textos de Chico que considero verdadeiras obras-primas. Um deles, A casa de Oscar, uma homenagem a Niemeyer, pode ser lido aqui. 
http://blogs.odiario.com/wilameprado/2012/12/06/com-belo-texto-chico-buarque-faz-homenagem-a-oscar-niemeyer/. O outro é Leite derramado , um livro que já li e reli...

Mas centremo-nos no cantor /letrista/ compositor. O primeiro disco que eu comprei, sem ainda ter -gira discos, foi um single que incluía Pedro Pedreiro- 
ver imagem no fim-(o segundo foi o Concerto para Cravo n° 1 in Ré Menor de Bach ...) Já possuidora de um gira discos, fui adquirindo vários LP e singles, até o vinil ser destronado pelo CD.
Quer em vinil, quer em CD, a obra de Chico ocupa um lugar de destaque na minha modesta fonoteca.

Embora grande admiradora de Chico Buarque, só há cerca de 3 ou 4 anos ouvi falar de Julinho da Adelaide, um "heterónimo" de Chico que muitas pessoas desconhecem e que foi usado, durante algum tempo, para driblar a censura.

Lançada em 1970, a canção Apesar de você, supostamente um ataque ao Presidente Médici, conseguiu passar a censura prévia. Posteriormente o Governo Militar proibiu a sua passagem nas rádios. Chico passou então a assinar algumas músicas como Julinho da Adelaide. Entre essas músicas contam-se Jorge Maravilha, Milagre Brasileiro e Acorda Amor, aprovadas pela censura sem nenhum impedimento. Em Jorge Maravilha, Chico canta: "você não gosta de mim, mas sua filha gosta", o que gerou a especulação de que a filha referida na canção seria uma sua fã, Amália Lucy, filha de outro presidente militar, o general Geisel. Chico nunca confirmou essa suspeita

Julinho da Adelaide concedeu uma entrevista ao jornalista
 e escritor Mário Prata que pode ser lida em  http://www.chicobuarque.com.br/texto/artigos/opartigo_09_74.htm e da qual retiro um excerto:

(...) Julinho, ao contrário do Chico, não era tímido. Mas, como o criador, a criatura também bebia e fumava. Falava pelos cotovelos (...) 

Tal como em Portugal, a arte em geral e a música muito em particular, foram, no Brasil, uma grande arma no combate à ditadura. A música de Chico Buarque desempenhou aí um papel preponderante. Várias das suas músicas são verdadeiros hinos de resistência à ditadura militar. Para além de Apesar de você, podemos citar Mulheres de Atenas, composta por Chico Buarque e Augusto Boal em 1976 para a peça Mulheres de Atenas de Boal, Cálice (cuja sonoridade cale-se seria uma clara referência à censura e repressão vivida no país) composta em parceria com Gilberto Gil em 1973, Vai Passar, composta por Chico Buarque e Francis Hime em 1979 que foi o hino da Campanha das Diretas, em 1984, Meu Caro Amigo, também em parceria com Francis Hime, composta para o amigo de Chico, o dramaturgo Augusto Boal, exilado em Lisboa. Em dezembro de 1968, Chico Buarque muda-se para Itália onde chegou a realizar espetáculos com Toquinho. Em 1970 regressa ao Brasil

Tenho muita dificuldade em escolher a canção de Chico de que mais gosto. Refiro algumas das preferidas, que são dezenas: Bem-querer, Quem te viu, quem te vê, Notícia de jornal, Permuta dos santos, Amanhã vai ser outro dia, Fado tropical, Construção....

Termino com a letra de Notícia de jornal.
Atentou contra a existência
Num humilde barracão.
Joana de tal, por causa de um tal João.
Depois de medicada,
Retirou-se pro seu lar.
Aí a notícia carece de exatidão,
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou.
Errou na dose  Errou no amor Joana errou de João
Ninguém notou  Ninguém morou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal. 


Eis a capa do disco que comprei em 1967, quando ainda não tinha gira-discos.

A este texto acrescento agora alguns vídeos