Há dois
anos resolveu ensaiar a primeira fuga. Era já ao lusco-fusco. Tínhamos acabado
de jantar quando um vizinho e ainda familiar, a passar férias na aldeia, nos
bateu ao portão dizendo que tinha avistado na rua um gato parecido com o nosso.
Na casa, numa porta exterior que dá para um dos pátios, existia uma pequena
abertura para permitir a livre circulação de gatos que se encarregavam de comer
os ratos que eventualmente aparecessem na adega. Esta era uma prática habitual
em muitas casas da aldeia. O meu marido tinha tido o cuidado de colocar uma
pedra a obstruir a abertura mas o gato conseguiu desviá-la e passar. Saímos a procurá-lo coma ajuda do vizinho e familiar. Nem sinais do
gato. Ficámos desolados por nós e pelas crianças. Iriam ficar muito tristes
quando soubessem do sucedido.
Era já 1
h quando decidimos deitar-nos. Antes fiz uma última tentativa. Chamei-o do
terraço e ouvi o seu miado no terreno em frente. O meu marido foi buscá-lo. No
dia seguinte a abertura da porta foi eliminada.
Este ano resolveu empreender nova fuga. O
portão de ferro da casa é pesado e por vezes fecha mal. Numa das minhas saídas
deve ter acontecido isso pelo que a dada altura e uma vez mais ao lusco-fusco, nos apercebemos de
que o gato não estava em casa. Saímos a procurá-lo e várias pessoas nos
confirmaram que tinham visto um gato com as características descritas. Alguém
nos disse que o vira a fugir dum cão que o perseguia. Quando nos deitámos, por volta das 3 h não havia
sinais do gato. No dia seguinte várias pessoas bateram ao portão dizendo que
estava algures um gato desconhecido. Lá íamos mas não era o Fuscas. Durante
dois dias não acompanhei o meu marido nas suas idas para a Adeganha (aldeia de
que falei em mensagens anteriores) para poder abrir o portão ao gato, caso ele
chegasse. No 2º dia, estava preparar o almoço para mim e para a minha amiga Lourdes
Sendas que me comunicara a sua chegada. Tinha um assado no forno, quando me
pareceu ouvir o gato. Desci as escadas mas no preciso momento em que abri o portão
passou o camião do lixo. O Fuscas é muito assustadiço pelo que deve ter fugido
a sete pés. Fui chamá-lo pelas imediações mas não obtive resposta. Quando
cheguei a casa ainda consegui salvar o assado embora um pouco esturricado…
À noite,
quando o meu marido chegou da Adeganha, contei-lhe o sucedido. Admitiu que o
gato estaria escondido por perto. Foi chamá-lo e a dada altura ouviu-o miar em
cima dum telhado. Tínhamos gato, novamente…
E, a propósito de gatos, deixo dois poemas e uma obra de Júlio Resende
Poema do gato
Quem há-de abrir a
porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta pra trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre pra mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
Gedeã,A. in Novos Poemas Póstumos
Sonho
Decidi ir agarrar um sonho.
um sonho distante e desmedido.
Imaginei partir com companhia.
Talvez o
meu gato (eu tenho um gato,
o que não acontecia a Gedeão) mas logo
pensei: Não.
Quando
visse o sonho a esvoaçar
havia de cuidar que era uma ave.
Gatos e aves nunca se deram bem
à exceção do gato malhado
e da andorinha Sinhá de Jorge Amado.
Pensei então levar alguém, mas quem?
Os nossos sonhos
raramente coincidem com os sonhos de
outrem.
Parti sem mais ninguém. Fui de balão.
Não o enchi com hidrogénio, com hélio,
nem ar quente.
Enchi-o simplesmente de ilusão
e assim me aventurei.
Aproveitei as correntes ascendentes,
ao sabor do vento rodopiei no ar,
tempestades e tormentas tive que enfrentar
mas continuei, por vezes sem sentido,
em busca do sonho distante, desmedido.
Quanto mais subia, mais distante o sonho
parecia,
até me aperceber que não subia
e que, vertiginosamente, descia em direção ao chão.
Talvez tivesse havido uma fuga de ilusão.
Pensei em frei Gusmão, em Charles, em
Zeppelin
e assim tentei uma outra vez,
outra,
e ainda mais uma.
Tudo se repetiu como da vez primeira.
Quero ainda tentar mais uma vez, a
derradeira.
Mas como hei de eu encher o meu balão
se é já tão pouca a ilusão, quase nenhuma?
Eu não tenho animais mas a Susana tem uma gata e uma cadela. Já nos(eu digo nos,porque eu gostava muito dela e ela de mim) morreu uma labrador preta e tivemos um grande desgosto. Agora a Susana tem uma arraçada de labrador, também preta, que ajuda um pouco em relação à saudade que a outra deixou. Eu gosto muito de cães, até mais do que de gatos, mas não poso tê-los em casa. Quanto aos poemas e à pintura só posso repetir-me. Gostei muito.O segundo poema, que a Regina não assinou, é um pouquinho pessimista. Eu também ando desanimada,mas há de chegar o dia em que os nossos sonhos se concretizem. Já não é para mim, mas acredito que chegue porque a História não anda para trás.
ResponderEliminarUm beijo.
Adorei as histórias do Fuscas....:)
ResponderEliminarUma vez traduzi um livro que me pediram para uma Amiga que trabalhava para a Civilização. Chamava-se: Como tratar do seu gato. O inglês era muito engraçado e em português tornava-se difícil adoptar o tom irónico, mas lá o traduzi. Depois de editado resolvi oferece-lo à nossa amiga comum Maria do Céu, pois ela tinha um gatinho delicioso e eu fiquei rendida aos gatos depois de ter lido algo sobre a sua personalidade.
E já agora deixo-te aqui um poema de T.S. Eliot do qual foi adaptado o musical Cats, que é fantástico.
THE AD-DRESSING OF CATS
You’ve read of several kinds of Cat,
And my opinion now is that
You should need no interpreter
To understand their character.
You now have learned enough to see
That Cats are much like you and me
And other people whom we find
Possessed of various types of mind.
For some are sane and some are mad
And some are good and some are bad
And some are better, some are worse –
But all may be described in verse.
You’ve seen them both at work and games,
And learnt about their proper names,
Their habits and their habitat:
But
How would you ad-dress a Cat?
So first, your memory I’ll jog,
And say: A CAT IS NOT A DOG.
Now Dogs pretend they like to fight;
They often bark, more seldom bite;
But yet a Dog is, on the whole,
What you would call a simple soul.
Of course I’m not including Pekes,
And such fantastic canine freaks.
The usual Dog about the Town
Now Dogs pretend they like to fight;
They often bark, more seldom bite;
But yet a Dog is, on the whole,
What you would call a simple soul.
Of course I’m not including Pekes,
And such fantastic canine freaks.
The usual Dog about the Town
Is much inclined to play the clown,
And far from showing too much pride
Is frequently undignified.
He’s very easily taken in –
Just chuck him underneath the chin
Or slap his back or shake his paw,
And he will gambol and guffaw.
He’s such an easy-going lout,
He’ll answer any hail or shout.
Again I must remind you that
A Dog’s a Dog — A CAT’S A CAT.
Tive de cortar um pouco...é muito longo!
bjinho
Um cão é um cão, um gato é um gato, um sonho é um sonho....Mas nestes últimos tempos já tenho alguma dificuldade em sonhar...
ResponderEliminarEsperemos por melhores dias.
Um grande beijinho às duas
Regina