Big- Bang
Na minha infância,
o Universo estendia-se do Castelo até às Eiras,
envolvendo a Praça e o Cabecinho onde ficava a minha escola.
À volta eram ladeiras que velavam o sono do rio lá no fundo.
Era assim o meu mundo que, para mim, era maior que o infinito
e que em cinco linhas aqui ficou descrito, contrariando assim,
à evidência, uma das conjecturas da ciência.
Desde o seu Big-Bang o meu Universo contrai-se, não se expande.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando ponto no final da frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos.
Eu teria dois anos; meu irmão, nove.
duas rodas de lata de goiabada.
A gente ia viajar.