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Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Poesia e pintura


Decidi fazer um breve interregno nas minhas "reportagens" de férias...

Ontem deparei, por acaso, com um texto de Ângelo Miguel Pessoa Alves,postado”  em De Rerum Natura, texto que transcrevo quase na íntegra

 
Poesia e pintura
 
(...)Nos dois poemas que se seguem, partindo de quadros belíssimos, às duas poetisas não faltaram palavras e ideias para descreverem, magistralmente, as sensações emanando dos quadros, as inquietações, as indagações sobre a vida efémera e a redenção perante a imutável perenidade, as conjecturas e o desespero, a nostalgia da infância e a preocupação face aos poderes endemoninhados do cristo amarelo, que teima em não mudar de cor.

Entrando no domínio da Física, a lei da conservação do momento angular aplica-se ao movimento da bailarina e o equilíbrio estático de um corpo rígido aplica-se ao corpo de cristo crucificado na cruz.

A pulcritude dos quadros, essa, está tanto no movimento da bailarina, que parece abrir os braços ao céu, como nos braços abertos do impassível cristo amarelo.

Bailado








São belas as bailarinas de Degas.


Eternamente presas à tela,

não mais irão rodopiar,

cruzar os braços para girar rapidamente

ou afastá-los para assim girar mais lentamente.

Para as bailarinas de Degas,

o momento angular e a sua conservação

só fazem sentido pela fixação perene à tela.

Terão existido realmente

ou foram fruto da imaginação?

Em quantos palcos terão rodopiado?

Quanto público terão extasiado

com a magia que sempre envolve a dança?

Que bailados terão interpretado?

Liberto o pensamento da simultaneidade no tempo

e afloram-me ao ouvido

A Bela Adormecida, Romeu e Julieta,

Giselle e o Quebra Nozes

que sempre em mim desperta

longínquas fantasias de criança.

Regina Gouveia in “Entre Margens”


O Cristo Amarelo De Gauguin

 
O cristo amarelo é todo feito de ossos
e da matéria ardente das estrelas.
Explode como uma flor que tomba ao fim do dia,
sonha em branco e escuro a estrada do desejo;
com os braços abertos abençoa o mundo
com o rigor das mortes que hão-de vir.
O cristo amarelo é o mais redentor de todos,
o mais mineral na sua face, o mais furtivo
homem entre os homens, mais
crucificado p`lo demónio; rasga a tela
e brilha de pasmo em existir,
quieto e morto ou prestes a dormir.
Pode matar-nos, este cristo inteiro
se olharmos os seus cravos e tremermos,
e não há perdão para quem se roja;
ninguém é redimido com o amarelo
de um cristo mais fatigado que a morte,
o que mais ilumina o labirinto,
o que é mais rijo que um punho a tremer
de irritação, mais vital que todos os mistérios,
o que impõe a espera e a salvação. Os seus olhos
apossam-se de nós, fazem-nos crer
nas cores ilegítimas da aurora, no caos
que nasce da inocência, na fúria musical
deste universo. Por isso falamos sem parar, sabendo
que o responsável por tudo é este cristo,
este gigante da atlântida, este demente
sempre em guarda, espesso e acre,
sempre pronto a empunhar a lança,
com os pés lacrados pelo horror
e a espuma que brilha no olhar.
A raiva do cristo é a sua humanidade,
a bondade altiva de quem tudo perdeu.
E mesmo as garras do cristo se contraem
quando rastejamos aos seus pés, sem fazer nada:
anula-nos com a mágoa da sereia que fenece
e recusa-nos o que deve recusar, como bom guarda.
Quando o sol se esconde, libertando
os espíritos que guardam o destino
O cristo treme, detentor da face cristalina
a dois metros do solo, e é em vão que aceita a morte.
Nunca esta ali, o cristo rubro e ácido laranja,
quando queremos salvar a humanidade,
sorri ou já saiu da tela opaca.
Fica vermelho a jogar na infância,
fica roxo de candura e quase negro
de paz, mas não está lá, e nunca está, o cristo
calado, calado, tão calado.
Isabel Cristina Pires in “ Deserto Pintado”


E já que se aludiu ao livro "Entre Margens" foi com satisfação que o vi referido num dos últimos números da revista As Artes entre as Letras


 

1 comentário:

  1. Nada mais justo que destacar o seu livro no Jornal que refere.
    Sobre o texto postado em Rerum Natura acho que o segundo poema,para mim,tem um significado que eu ainda não consegui apreender lá muito bem.

    Um beijo.

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