As lições foram interrompidas quando aos 16 anos deixei Bragança para ingressar na Faculdade.
domingo, 6 de outubro de 2013
Antena 2, companheira de viagem....
Quando nos deslocamos para o Nordeste, ou em outras
eventuais viagens relativamente longas, o meu marido, gentilmente, liga o rádio
do carro na Antena 2, a estação que eu
mais ouço.
As lições foram interrompidas quando aos 16 anos deixei Bragança para ingressar na Faculdade.
Mãe
Na última viagem para o Nordeste, num dos programas foi evocado
Frederico de Freitas e a minha memória levou-me às aulas de piano que tive em
Bragança com a D. Maria Teresa Lopes da Silva, esposa do então Reitor do Liceu,
Manuel Lopes da Silva. Iniciei tarde os meus estudos de piano. Tinha 14 anos. A
minha mãe sempre quis que eu aprendesse piano mas só nessa altura, com a chegada
a Bragança do casal acima referido, surgiu a possibilidade de ter um professor
(neste caso, uma professora). O casal tinha formação musical. O Dr. Manuel Lopes
da Silva tinha o curso de violino e a D. Maria Teresa o de piano, ambos do
Conservatório de Lisboa.
Não dispunha de piano em casa para poder treinar mas tinha a possibilidade de usar o da professora, o que raramente aproveitei. Fui uma aluna preguiçosa o que hoje lamento muito.As lições foram interrompidas quando aos 16 anos deixei Bragança para ingressar na Faculdade.
Tudo isto veio a propósito de Frederico de Freitas. Na minha
memória permanece presente o livro de Maria
Frederica. Toquei algumas peças desse livro, nomeadamente num concerto que
decorreu no Liceu, no meu último ano.
Pela impossibilidade,
acima referida, de aprender piano antes dos 14 anos, aos 10 comecei a ter aulas
de acordeão ( instrumento que ainda possuo mas não toco) com umas freiras num colégio que havia na
cidade. Também nunca me dediquei o suficiente. Participei em algumas festas da
escola mas toquei sempre mal.
Há dois anos um primo resolveu dar-me umas lições de
cavaquinho e no meu aniversário, marido e filhos ofereceram-me o instrumento. De
ouvido, vou tocando não propriamente música para cavaquinho mas uns fados de
Coimbra, umas baladas... De qualquer modo, reconheço que não sou
suficientemente empenhada..
Isto sempre causou desgosto à minha mãe como o refiro num poema
que lhe dedico e que já aqui inseri.
Mãe
Como eu me lembro
bem, mãe.
Catorze anos seria talvez
a minha idade, uma colega do liceu
disse que tu eras a senhora mais bonita da cidade
E eu fiquei toda cheia de vaidade.
Lembro-me de tanta outra coisa mãe
Do linho esticado dentro do bastidor
e dos teus bordados em ponto pé-de flor,
em matiz, ponto de sombra ou
de grilhão,
ao sabor da
imaginação,
como o vestido da minha comunhão.
Lembro-me dos cozinhados que fazias com paixão;
chamavas-lhe quitutes, mãe.
Receita portuguesa, brasileira, italiana,
ainda hoje os teus quitutes têm fama
entre os amigos que os saborearam.
Ainda há dias alguns os recordaram.
Lembro-me ainda que não era só o
sabor, era o aspecto.
Em tudo colocavas muito afecto
e sempre a tua a sensibilidade infinda.
Além de sensível eras tolerante, corajosa,
lutadora, criativa, generosa.
Como eu recordo, mãe, tantas histórias inventadas por ti,
em que o sabiá e a surucucu contracenavam com o colibri,
com a jibóia e o bicho tatu.
Como eu recordo, mãe,
a tua lindíssima voz de soprano
cantando árias de Verdi, de Puccini,
(da Madame Butterfly, da Traviata),
do barbeiro de Sevilha de Rossini,
ou ainda Shubert, a serenata,
tentando eu acompanhar-te no piano
que, por falta de talento, mal tocava,
o que algum desgosto te causava.
Um dia, já a tua mente muito vária,
apercebi-me de que não gravara a tua voz
Tentei então que cantasses uma ária
para ficar com os registos entre nós
Tarde demais. De reconhecer a
música tu foste incapaz
Tinhas apenas cinquenta e oito anos.
E a partir daí a
doença, tão voraz,
foi-te destruindo dia a dia a mente,
dia após dia causando mais
danos
e eu, recusando-me a
aceitar tais desenganos,
era contigo que me revoltava, mãe.
Que foi feito de ti mãe outrora tão
sensata, inteligente?
Que foi feito da tua sensibilidade,da tua coragem e força de vontade?
Porque te deixaste assim destruir, mãe?
Ficaram as fotos, a
recordação, tanto vazio no meu
coração,
tantas lembranças, algumas em bocados.
Como herança deixaste o bastidor,as partituras, as receitas, os bordados.
Ficaram sentimentos de culpa e muita dor.
Por dizer ficou ainda tanto amor.
A minha mãe tinha uma voz fabulosa. Aprendeu canto e foi
soprano num coro. Ainda guardo dois livros que foram seus.
Tudo isto veio a propósito
de Frederico de Freitas. É com um excerto da dança da menina tonta, umas das
obras do compositor, que termino esta mensagem.
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Sem música não conseguiria viver....mas também nunca fui suficientemente persistente para aprender a tocar. Desisti do piano aos 13 anos, mas toquei sete anos. De resto nada....vejo os meus filhos e netos tocarem e admiro profundamente a sua tenacidade. São muito melhores que eu....
ResponderEliminarLindo poema que já conhecia.