quarta-feira, 11 de março de 2015
A educação em Portugal, pelas ruas da amargura...
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Conforme tem sido noticiado, os
clínicos que se desloquem para as zonas mais carenciadas, onde há falta de
profissionais, podem vir a receber mil euros a mais nos seis primeiros meses de
trabalho.
A partir daí, o incentivo descerá
para os 500 euros, que passará para 250 euros nos meses seguintes, até
completar cinco anos de contrato.
Além disso, faz parte dos planos
do Executivo garantir a transferência dos filhos dos clínicos de escola e
ajudar os cônjuges a encontrar emprego.
Mas há mais: para o caso dos
médicos que trabalhem em mais do que uma instituição de saúde, com uma
distância de mais de 60 quilómetros entre si, poderá haver ajudas de custo no
valor de 200 euros diários.
Nada tenho a objetar no que se refere a estes
incentivos, antes pelo contrário.
Indigna-me, isso sim, que neste país haja licenciados de 1ª, 2ª , 3ª ,etc, etc, etc. Por isso ponho à vossa reflexão excertos
dum texto que podem ler aqui e
que foi extraído do livro "Da Educação dos Príncipes", de António
Mouzinho
(...)Não vale a
pena estar aqui a listar números com muitos algarismos: basta afirmar que a
remuneração de uma elite que tem como ocupação ensinar os nossos cidadãos não
pode comparar-se muito desfavoravelmente com as profissões liberais. Ou
quaisquer profissões. E é
escusado dizer que não pode reger-se por uma equivalência com tabelas da função
pública: a profissão de professor é específica, e essa especificidade deve ser
clara, também, no capítulo da carreira— que se quer longa, sem sobressaltos, em
benefício da comunidade, com vantagens comummente reconhecidas na economia de
qualquer nação.
(...)Claro que há necessidade de tornar atrativos
os lugares mais afastados dos grandes centros urbanos, o que significa que
haverá que pensar em alguns apoios para instalar o professor e a família que
queiram aceitar a vida na província, no par de anos que corresponde à
integração no terreno. Qualquer empregador privado inteligente faz isso.
Qualquer empregador privado faz mais outra coisa: explica minuciosamente, a alguém
que esteja a contratar, para o que é que precisa dele, e onde.
E abre concurso para uma vaga em Valença, não abrindo um
concurso para uma vaga nacional para, de seguida, surpreender o contratado
algarvio com uma posição no Minho… que ele não pode recusar sem penalizações(...).
Licenciada
em Físico-Químicas lecionei dois anos
antes de ingressar em estágio. Tive um orientador excecional pelo que,
profissionalmente, o estágio me fez crescer muito. No final do estágio fiz
exame de estado. Já com exame de estado, várias vezes as minhas aulas foram
observadas pelo Inspetor Túlio Tomás que andava pelas escolas e assistia
essencialmente às aulas dos mais jovens, fazendo críticas construtivas, dando
sugestões, etc
Assim se formavam os professores. E assim se avaliavam.
Fui professora de Física e Química 39 anos, 29 dos quais como orientadora de estágio e 10 acumulando com a docência da Didática da Física, no mestrado em Física para o ensino, na FCUP. A par da docência fiz investigação em Didática da Física e da Química. Tive oportunidade de contactar com formadores de outros países, que consideravam exemplar o nosso sistema de formação de professores.
Mas voltemos ao texto de A.Mouzinho
(...)a escolha de um docente deve ser feita por um
processo exigente de entrevista, e estágio: os estágios pedagógicos
tradicionais sempre tiveram a seguinte virtude: falava-se essencialmente de
didática das disciplinas, os estagiários observavam aulas de um professor
experimentado, e as dos colegas; as suas aulas eram observadas num prazo
extenso.
(...)os estágios, seguidos dum período
probatório, envolveriam, na sua essência, aquilo que a investigação científica
mais recente estivesse a fornecer quanto a práticas de sala de aula e de
avaliação de conhecimentos dos alunos: teoricamente — em seminários, etc. — mas,
igualmente, em contexto de sala de aula... Envolveriam, por outro lado, maciçamente, didática das disciplinas
ministradas...
A
avaliação dos professores nem sempre foi adequada mas não o é certamente com as medidas ridículas e sem
qualquer sentido propostas pelos Ministérios da Educação dos dois últimos governos
(...) um mestre na
arte de fabricar sapatos só pode ser reconhecido no exercício dessa atividade,
pelo que convém que também a exerça; o mesmo se poderá dizer de um pintor, ou
de um cozinheiro; de um músico, ou de um ator; de um serralheiro, ou de um
arquiteto.
Aos
sessenta anos e com 39 anos de serviço, aposentei-me, desgostosa por ver o rumo que
levaram a formação de professores e consequentemente a docência.
Infelizmente não vejo os nossos políticos
minimamente interessados em investir numa educação de qualidade.
Cito mais uma vez António Mouzinho
(...)Um plano de
educação novo só pode começar a produzir efeitos em dez a vinte anos, pressupõe
colaboração entre quem chega e quem está, e condições de transição equitativas,
sólidas e muito pacíficas.
Não é para mágicos da política munidos de conversa,
pressa, e palavras como «abracadabra». É para políticos sérios, e vai sendo
tempo de eles surgirem, porque a forma como sucessivos ministérios tentam
ocupar primeiras páginas de jornais com gabarolices relativamente ao último
Pisa que correu bem, por exemplo, devia enchê-los de vergonha. Pessoalmente,
tenho-me sentido sempre constrangido: por quem é que essa gente nos toma? Que arrivismo
embaraçoso! :
um posto definitivo num lugar da estrutura educativa é merecedor de respeito:
aí, sim, o professor é-o com todas as prerrogativas, e todos os privilégios.
Tem direito a estabelecer os fundamentos de uma vida de ensino e uma vida privada
sem ser agitado por fenómenos espúrios como concursos sucessivos, colocações
compulsivas, horários zero, tarefas inadequadas de feição administrativa, e
toda a carga de trabalhos e reuniões inúteis que hoje em dia é considerado
normal infligir a docentes — com o pretexto de que estão lá e o Estado tem a
obrigação regular de chocalhá-los.
Uma
educação de qualidade passa necessariamente por condições de trabalho, no
mínimo razoáveis
(...) os horários devem ser— em qualquer idade— razoáveis; as
pessoas devem ter a noção de que (a menos que se trate de vigiar uma turma que
faz um teste, ou coisa semelhante) um professor aplicado que dá quatro aulas de
enfiada, com uma hora cada, fica cansado. Muito cansado.
(...)O resto poderá ser um conjunto variado, dependendo dos
projetos de escola, ou pessoais, em que o professor esteja envolvido, mas a
componente letiva deverá ser essa— e, admito, sem grandes diminuições com o
passar dos anos; um limite mínimo de 14 a 16 horas é aceitável: como é natural,
é aquilo que alguém que escolheu esta profissão mais gosta de fazer.
Uma educação de qualidade implica também alguma liberdade de ação por parte dos professores
(...)dadas as orientações do curriculum nacional,
particularizadas nos programas das disciplinas, assentemos nisto: o professor
deve ser totalmente independente na organização das matérias e das suas aulas.
Pode, e deve, trabalhar com os colegas para apontar caminhos dentro da sua
escola. Mas em matéria pedagógica aceita sugestões, estabelece consensos— não
precisa de ordens.
(...)Demasiados
conselhos pedagógicos de demasiadas escolas portuguesas ganharam o mau hábito
de intervir (com a cobertura das leis da gestão dos estabelecimentos de ensino)
nos projetos de trabalho dos seus professores.
São, geralmente, incompetentes pedagógica e
cientificamente para o fazer, porque são corpos de representação disciplinar
reduzida, porque são designados pela direção, e porque não possuem qualquer
preparação que lhes empreste bigodes de metodólogos.
Que fique a seguinte conclusão, entretanto: é pela
qualidade dos professores que se garante a qualidade do ensino; é por aí que se
deve iniciar um projeto educativo, e ai do país que pense que isto pode
representar um gasto excessivo ou um desvio de coisas mais prementes:
instalações, novas tecnologias, novas pedagogias ou o que quer que seja.
Sem grandes professores não há um grande ensino; sem
este, não temos um grande país.
Termino
citando Carlos Fiolhais
(...)
e ao contrário do que pensam os burocratas do Ministério da Educação, penso que
os professores são a mola real do ensino. É necessário que seja restaurada a
confiança neles:
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Concordo com tudo. Tendo tido uma percurso semelhante, embora sem tanta actividade a nível universitário, sempre me entreguei com entusiasmo ao que fazia, quer sozinha, quer com os meus estagiários, com quem criei grandes laços de afeição. Tive sorte pois encontrei sempre lugar nas escolas das comarcas onde o meu marido era juiz. Havia a lei dos cônjuges e vagas de efectivos mesmo no Porto. Mesmo assim sacrifiquei bastante a minha carreira que poderia ter sido outra , estivesse eu a morar em Lisboa. Gostei muito de trabalhar na província, em meios pequenos, com alunos "rurais". Foi uma experiência rica, ainda que os alunos fossem fraquinhos em competências, sobretudo na Sertã. Tudo fiz para que eles aprendessem inglês, tendo eu própria custeado uma máquina de slides e fabricado os slides com papel cristal e canetas próprias. Semore me comparei com s médicos a fazer serviço à periferia ( muito útil no meu caso quando engravidei em Chaves) porque eles recebiam ajudas para tudo, só pelo facto de estarem longe de casa.
ResponderEliminarNão sei como sobrevivem os colegas que trabalham a kms das suas famílias...sem segurança nenhuma, nem certezas.
Um bjo
Há tempos, numa escola do interior, a diretora disse que havia professores que já faziam muitas restrições a nível alimentar para poderem dar uma alimentação com o mínimo de qualidade aos filhos. Pensei que estava a exagerar mas de imediato me provou que não. Na escola havia um casal em que ambos tinham sido colocados em diferentes escolas do agrupamento distantes da sede. Não há transportes pelo que cada um tinha que levar o seu automóvel. Num dos casos tinha que pagar portagem(à ida e à vinda) caso contrário teria que ir por estradas de má qualidade e em que o percurso seria muito maior . Com tudo isto tiveram que prever ATL para os filhos pois não chegavam a casa a tempo de os ir buscar dentro do horário normal.
ResponderEliminarDepois de me esclarecer disse: basta fazer contas para ver que lutam com dificuldades sérias.
Enquanto isso, Ricardo Espírito Santo e outros que tais continuam a receber somas milionárias.
Enfim...
Ab
Regina