Os liquens - silenciosas explosões
nas pedras - crescem e engordam,
concêntricas, cinzentas concussões.
Têm um encontro marcado
com os halos ao redor da lua, embora
até o momento nada tenha mudado.
E como o céu há de nos dar guardia
enquanto isso não se der,
você há de convir, amiga,
que se precipitou;
e eis no que dá. Porque o Tempo é,
mais que tudo, contemporizador.
No teu cabelo negro brilham estrelas
cadentes, arredias.
Para onde irão elas
tão cedo, resolutas?
- Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia
amassada e brilhante como a lua.
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.
Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.
Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.
Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.
Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.
- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.
E porque a poesia de Elisabete Bishop assume também um forte pendor social deixo aqui um outro poema que se refere a um episódio famoso, de 1962, quando se denunciou que mendigos cariocas estariam sendo assassinados pelo Esquadrão da Morte, que lançava os cadáveres no rio da Guarda.
Deixo também a versão em língua inglesa para a minha amiga Virgínia Barros
A cadela rosada
Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.
Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pêlo, pele tão avermelhada...
Quem a vê até troca de calçada.
Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?
(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?
Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.
E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.
Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?
A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando bóias salva-vidas.
Você, no estado em que está, com esses peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito
mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia
pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!
Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos...
Dizem a mesma bobagem todo ano.
O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror...
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!
1979
PINK DOG
The sun is blazing and the sky is blue.
Umbrellas clothe the beach in every hue.
Naked, you trot across the avenue.
Oh, never have I seen a dog so bare!
Naked and pink, without a single hair...
Startled, the passersby draw back and stare.
Of course they're mortally afraid of rabies.
You are not mad; you have a case of scabies
but look intelligent. Where are your babies?
(A nursing mother, by those hanging teats.)
In what slum have you hidden them, poor bitch,
while you go begging, living by your wits?
Didn't you know? It's been in all the papers,
to solve this problem, how they deal with beggars?
They take and throw them in the tidal rivers.
Yes, idiots, paralytics, parasites
go bobbing int the ebbing sewage, nights
out in the suburbs, where there are no lights.
If they do this to anyone who begs,
drugged, drunk, or sober, with or without legs,
what would they do to sick, four-legged dogs?
In the cafés and on the sidewalk corners
the joke is going round that all the beggars
who can afford them now wear life preservers.
In your condition you would not be able
even to float, much less to dog-paddle.
Now look, the practical, the sensible
solution is to wear a fantasía.
Tonight you simply can't afford to be a-
n eyesore... But no one will ever see a
dog in máscara this time of year.
Ash Wednesday'll come but Carnival is here.
What sambas can you dance? What will you wear?
They say that Carnival's degenerating
— radios, Americans, or something,
have ruined it completely. They're just talking.
Carnival is always wonderful!
A depilated dog would not look well.
Dress up! Dress up and dance at Carnival!
1979
Muito interessante, Regina. Ontem e anteontem fui à CdM e também assisti a dois espectáculos óptimos. Encontrei a Daisy num deles e gostei muito de conversar um pouco com ela.
ResponderEliminarGostava de ir ao teatro, mas em geral, as peças modernas não me cativam. Sou renitente a sair à noite.
Obrigada pelo poema. Elizabeth Bishop era sensacional!
Bjo
Não conheço a poetisa mas, pelo que li, parece-me que os poemas encerram uma mensagem bem interessante.
ResponderEliminarUm beijo, Regina.