No passado dia 1 de Fevereiro, pôde ler-se em De Rerum Natura
Acaba de sair na colecção "Ciência Aberta" da editora Gradiva um livro muito interessante Diálogo sobre a Ciência e os Homens entre o escritor Primo Levi e o físico Tullio Regge, em tradução do professor de Física da Universidade do Porto Eduardo Lage e prefácio de outro professor de Física da mesma Universidade José Moreira Araújo. Por amabilidade da editora transcrevemos o prefácio:
Aqui ficam alguns excertos desse prefácio.
(...)A sua obra literária, hoje traduzida em muitas línguas, cresceu e diversificou-se ao longo de quatro décadas,num estilo marcado pela sua formação e curiosidade científica. No entanto, muitos de nós, pouco confiantes no seu domínio da língua italiana, tiveram de esperar anos, por vezes muitos, por uma tradução em língua mais divulgada, por exemplo inglês. Com a excepção, que creio única, de Se questo e un uomo, tais traduções só surgem a partir dos anos 80 (...)
(...)Neste Ano Internacional da Química (2011), não será despropositado recordar que, em 2006, a prestigiada e centenária Royal Institution britânica decidiu identificar o melhor livro sobre ciência jamais escrito («the best science book ever written»). Convidadas instituições e individualidades a propor obras dessa índole, não faltaram sugestões de escritos assinados por notáveis, do século XIX aos contemporâneos: Charles Darwin, Bertold Brecht, Konrad Lorenz, Peter Medawar, James Watson, Richard Feynman, Roger Penrose, Oliver Sacks, Richard Dawkins, etc., etc. E o difícil problema de escolha terminou com a proclamação da obra vencedora: precisamente O Sistema Periódico, de Primo Levi. Se o autor ainda vivesse teria, provavelmente, acolhido a notícia com não mais que um modesto sorriso…
Pesquisando na NET encontrei um vídeo com uma interessante entrevista a Primo Levi.
A propósito do livro Se isto é um homem pode ler-se num outro site:
(...)Logo, Levi tenta dizer-se intimamente, numa espécie de autolibertação, como é passar pelas experiências desumanas às quais fora obrigado a experienciar e, por isso mesmo, está condenado a revivê-las continuamente na “viagem ao fundo do poço” sem fundo.
É esse “chegar no fundo” que a narrativa de Primo Levi consegue descrever de forma tão vivamente dramática e aterrorizante. O pano de fundo dessa projeção é o testemunho vivo das experiências vividas por Levi em um campo de concentração, em Monowitz, perto de Auschwitz, no terrível ano de 1944, na Polônia. Ao (re)atravessar, através da rememoração, essas terríveis ondas de um mar de insanidades nazistas, Levi leva-nos a refletir sobre o que é o homem ou, para ser mais abrangente: que características devem possuir um representante da espécie humana para ser considerado um ser humano em seu sentido mais abrangente. Precisa-se mais que um corpo em si mesmo, isto é, um corpo nu, natural, orgânico, sem qualquer produção cultural, como designa o termo körper, em alemão; precisa-se do leib, o sublime, o humano, para que se possa continuar a existir como uma estrela cintilante e não como um fantasma de si mesmo.
Nesse sentido, antes de iniciar a narração de suas lembranças, Levi nos adverte:
“pensem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não.
Pensem bem se isto é uma mulher,
sem cabelos e sem nome,
sem mais força para lembrar,
vazios os olhos, frio o ventre,
como um sapo no inverno”.
(1988).
Para Levi, então, está claro que para ser humano é preciso que haja a razão, a presença da luz divina na alma, a centelha de vida, a dignidade, algo que, paulatinamente, o nazismo tentou apagar em seus prisioneiros incessantemente. O sujeito [sub-jectum] como o suporte de si mesmo fora apagado pouco a pouco, restando tão somente um corpo como uma máquina: frio e inerte. Não uma máquina em seu sentido capitalista, produtivo, mas uma carcaça do que tinha sido antes dos inúmeros flagelos a que fora submetido “desrazoadamente”.
Através da memória de Primo Levi, o quadro que se apresenta diante do leitor é um retrato de quase-morte; é a história de homens, mulheres e crianças, transformados em farrapos, destituídos de todos os seus direitos enquanto humanos. Bichos, porque expostos aos mais terríveis maus-tratos e humilhações, é o termo que mais se aproxima de suas condições de existência naqueles tenebrosos dias do nazismo. Basta um olhar, por desatento que seja, para se verificar que esse grupo de homens, que anda cabisbaixo e faminto, assemelha-se a um grupo de animais prisioneiros, porque submetido à horríveis privações de alimentos, de abrigo, de descanso, de calor humano, de linguagem; em resumo, do prazer da liberdade. No campo de concentração, os prisioneiros aprendem rapidamente “a responder Jawoh!, a não fazer nunca perguntas, a fingir ter compreendido sempre” (1988: 31). Esse exercício repetitivo de submissão faz com que percam, pouco a pouco, a capacidade para refletir sobre seu mundo e sobre si mesmos: exercício necessário para se atingir o esclarecimento. A linguagem lhes havia sido podada. Poucos compreendiam o jargão alemão utilizado nos Lager pelos Kapos e, assim, a comunicação entre os prisioneiros era rara. O mais importante, descobriam, não era compreender a linguagem dos SS, mas manter-se vivo através da concentração no trabalho. Como escreve Levi, “o [trabalho] era como exercício da mente, como a evasão do pensamento da morte, como modo de viver o dia-a-dia”. A frase “O trabalho enobrece”, disposta em vários lugares nos Lager, buscava incutir nos prisioneiros a crença na libertação através do trabalho árduo e não através do esclarecimento possibilitado pelo pensamento crítico.
E a propósito de campos de concentração deixo -vos com imagens impressionantes do pintor Lasar-Segall
ACERVO DO MUSEU LASAR SEGALL.
A ARTE DE LASAR SEGALL É UMA ARTE DE “DENÚNCIA SOCIAL” DIANTE DA INTOLERÂNCIA, E, AO MESMO TEMPO, UM ANSEIO PERMANENTE DE SOBREVIVÊNCIA HUMANA NUM MUNDO MELHOR.
Um ser humano só será livre e digno se tiver as condições inerentes à sua faculdade de ser pensante, que os nazis quiseram destruir e de que muitos foram vítimas,tal como Primo Levi.
ResponderEliminarÉ preciso evitar que situações semelhantes se repitam.
As imagens são impressionantes, mas demonstram bem o horror dos campos de concentração.
Um beijo.
Arrepiou-me a leitura desta Entrada e confesso que nem consegui ainda lê-la toda coma atenção devida.
ResponderEliminarFui à Alemanha várias vezes e nunca consegui ir a nenhum campo de concentração. Mesmo assim sonho muitas vezes que me encontro em situações parecidas e que os meus filhos me são tirados por mãos estranhas e crueis. Há cenas de filmes que não me saem da memória , nem sei como é possível filmar hoje o horror que foi o Holocausto. Infelizmente há mais holocaustos noutros cantos do mundo, uma vez fiz a tradução de oito livros sobre os maiores criminosos da História e as descrições eram horrendas, como é possível os homens sentirem gáudio com o sofrimento alheio e submeterem irmãos a crueldades inimagináveis.
O Homem é sublime numas coisas , mas pode ser maléfico noutras.
Obrigada por nos relembrares da nossa condição humana.
bjo
Sem querer defender o indefensável, relembro que nos países da Cortina de ferro e principalmente na Russia estalinista iguais horrores foram perpetrados, sem que houvesse julgamentos e divulgação devida.Muita gente foi espoliada do que era seu, enviada para os Gulags, privada de todas as liberdades e dignidade, impedida de fugir do seu país durante os quarenta e tal anos de Guerra Fria.
ResponderEliminarA Alemanha é uma grande nação e basta ir lá para ver que eles vivem com um civismo que fica a anos-luz dos outros países europeus.Sem falar da cultura e espírito cientifico excepcionais.
Bjo
Não quero criar polémica mas não podemos esquecer que a Alemanha já conduziu a Europa a duas guerras mundiais e neste momento "lidera" uma guerra diferente,uma "guerra económica" de consequências imprevisíveis
ResponderEliminarUm beijinho às duas
Regina