“Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém, há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.”
BERTOLT BRECHT
A minha amiga Ana Maria, é um exemplo de coragem. Conheci-a na escola Utopia, onde ambas frequentamos aulas de pintura. Há anos foi-lhe diagnosticado um mieloma múltiplo. Tal como muitos outros, travou uma luta feroz com a doença. A Clínica da Universidade de Navarra, que completou 50 anos em 2011, deu a conhecer um pouco da vida de alguns desses lutadores, nomeadamente da
Ana Maria.
Tenho mais duas amigas que, tal como a Ana Maria, têm lutado contra muitas adversidades, nomeadamente a doença.
E quando penso em mulheres lutadoras, a primeira que me vem à lembrança é a minha mãe. Lutou por tudo aquilo em que acreditava, só não conseguiu lutar contra a doença de Alzheimer que, durante 13 anos e a partir dos 58, foi destruindo aquela mulher ímpar.
Sei que já coloquei aqui um poema que lhe dediquei, em que tento dar conta de toda a sua força, mas não resisto a colocá-lo de novo.
Como eu me lembro bem, mãe.
Catorze anos seria talvez a minha idade,
uma colega do liceu
disse que tu eras a senhora mais bonita da cidade
E eu fiquei toda cheia de vaidade.
Lembro-me de tanta outra coisa mãe
Do linho esticado dentro do bastidor
e dos teus bordados em ponto pé-de flor,
em matiz, ponto de sombra ou de grilhão,
ao sabor da imaginação,
como o vestido da minha comunhão.
Lembro-me dos cozinhados que fazias com paixão;
chamavas-lhe quitutes, mãe.
Receita portuguesa, brasileira, italiana,
ainda hoje os teus quitutes têm fama
entre os amigos que os saborearam.
Ainda há dias alguns os recordaram.
Lembro-me ainda
que não era só o sabor, era o aspecto.
Em tudo colocavas muito afecto
e sempre a tua a sensibilidade infinda.
Além de sensível eras tolerante, corajosa,
lutadora, criativa, generosa.
Como eu recordo, mãe,
tantas histórias inventadas por ti,
em que o sabiá e a surucucu
contracenavam com o colibri,
com a jibóia e o bicho tatu.
Como eu recordo, mãe,
a tua lindíssima voz de soprano
cantando árias de Verdi, de Puccini,
(da Madame Butterfly, da Traviata),
do barbeiro de Sevilha de Rossini,
ou ainda Shubert, a serenata,
tentando eu acompanhar-te no piano
que, por falta de talento, mal tocava,
o que algum desgosto te causava.
Um dia, já a tua mente muito vária,
apercebi-me de que não gravara a tua voz
Tentei então que cantasses uma ária
para ficar com os registos entre nós
Tarde demais
De reconhecer a música tu foste incapaz
Tinhas apenas cinquenta e oito anos.
E a partir daí a doença, tão voraz,
foi-te destruindo dia a dia a mente,
dia após dia causando mais danos
e eu, recusando-me a aceitar tais desenganos,
era contigo que me revoltava, mãe.
Que foi feito de ti mãe
outrora tão sensata, inteligente?
Que foi feito da tua sensibilidade,
da tua coragem e força de vontade?
Porque te deixaste assim destruir, mãe?
Ficaram as fotos, a recordação,
tanto vazio no meu coração,
tantas lembranças, algumas em bocados.
Como herança deixaste o bastidor,
as partituras, as receitas, os bordados.
Ficaram sentimentos de culpa e muita dor.
Por dizer ficou ainda tanto amor.
Termino com a fotografia da autoria do espanhol Samuel Aranda que que ganhou em 2011 o World Press Photo 2011, o mais conceituado prémio de fotojornalismo
Fizeste bem em mencionar a Ana Maria, é uma pessoa muito especial e com uma presença calma, mas forte que nos impressiona. Gosto muito dela também.
ResponderEliminarO poema que já conhecia comove-me muito. é bom podermos falar dos nossos pais com orgulho. Eles velam por nós algures.
Esta fotografia é lancinante, uma Pietá dos nossos dias.
Bjo
Que post tão comovente!!!
ResponderEliminarE como é admirável a coragem da sua amiga Ana Maria!!!!!
Quanto ao poema, que eu já conhecia, é uma grande homenagem a uma mãe extraordinária que, infelzmente, não conseguiu ultrapassar a doença, o que é uma terrível injustiça.
Quanto à fotografia é muito bela,mas faz doer.
Um beijo, Regina.