A amêndoa e a azeitona eram os principais produtos da aldeia, por isso muitas atividades estavam relacionadas com o tratamento das árvores, amendoeiras e oliveiras, bem como da apanha e posterior tratamento dos frutos. Nos livros tenho dedicado textos a este tema. Deixo aqui alguns
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Nostalgia da infância
Ultimamente, todos os trabalhos que tenho produzido na pintura têm por suporte antigos sacos usados na apanha da amêndoa e da azeitona. Descobri-os no Verão na adega da casa que foi de meus pais e que há anos tento organizar no sentido de ali criar um pequeno museu (só para uso familiar...). Neste blogue já referi várias vezes esse projeto.
A amêndoa e a azeitona eram os principais produtos da aldeia, por isso muitas atividades estavam relacionadas com o tratamento das árvores, amendoeiras e oliveiras, bem como da apanha e posterior tratamento dos frutos. Nos livros tenho dedicado textos a este tema. Deixo aqui alguns
Tempos agrestes
A amêndoa e a azeitona eram os principais produtos da aldeia, por isso muitas atividades estavam relacionadas com o tratamento das árvores, amendoeiras e oliveiras, bem como da apanha e posterior tratamento dos frutos. Nos livros tenho dedicado textos a este tema. Deixo aqui alguns
Tempos agrestes
Eram tempos
agrestes
quando da
azeitona ou da amêndoa, a apanha.
Era o
vento cieiro que vinha de Espanha
uma brisa
seca, cortante, gelada
que gretava a
pele já de si curtida,
era a
soalheira que encardia o rosto no ateado Agosto
Eram tempos
agrestes
de fugas para
França e de passadores
de silêncios
pesados, de densos suores
que iam
desgastando dia a dia a vida
qual roupa delida já de tanto usada.
Eram tempos
agrestes
grávidos de sol, de frio e de nada.
Quando passo
num amendoal, após o verão,
sinto um misto
de nostalgia e emoção
ao ver a
amêndoa abandonada nas árvores e no chão.
Outrora
significou prosperidade e eram guardados os amendoais
para garantir
que os rebusqueiros não rebuscavam
demais,
que rebuscavam
só no chão, à claridade, só de dia e não
ao lusco-fusco.
Hoje, já
ninguém anda ao rebusco.
No Verão, sob um sol abrasador, era a apanha.
Hoje fica nas
árvores e cai na terra que a arrebanha e
com ela se funde;
confundem-se os seus tons.
Da escacha já há muito não se
ouvem sons.
Os
escachadores ora em uníssono, ora desfasados, habilmente manejados
com gestos
secos, certeiros e breves por mulheres, crianças, raparigas,
que enchiam o
ar de risos e cantigas, iam partindo a
amêndoa,
sempre
cadenciados, deixando o grão intacto ou com mazelas leves,
enquanto das
cascas, o monte crescia no chão.
Mais tarde, a
par da lenha, na lareira,
iriam servir para combustão.
O grão ia para
sacos de serapilheira. Mais tarde era vendido
e o seu
destino era assim perdido.
Aquele que ficava imperfeito, esbotenado,
iria ser, mais tarde, laminado,
misturado com ovos e açúcar,
nos rochedos
cujas receitas
eram envoltas em segredos
e cuja doçura ocultava a agrura
de tanta
fadiga e de tanto suor.
Eram a lavra,
a limpa, a enxertia, ano após ano um ritual que se cumpria
e quando
floriam as amendoeiras, o lavrador contemplava
do cimo das
ladeiras aqueles véus de noiva a perder
de vista,
não com o
olhar breve de um turista,
mas com um
profundo olhar, cheio de amor.
Constava no
compêndio que eu tinha que estudar
que o azeite,
no essencial, é um misto de oleína e
palmitina
de diferente
densidade e ponto de fusão
Falava ainda o
meu compêndio em decantação, ponto de inflamação,
porém, ainda
antes do compêndio, era bem pequenina e já sabia
que os negros
frutos de todo o olival iriam ser esmagados no lagar
para das
entranhas o azeite retirar
junto com o alpechim
do qual se iria separar
Amargo e
negro, o alpechim, iria ser lançado nos infernos[1].
Também antes
do compêndio já sabia que em candeias o azeite iria alumiar
e que em gélidos Invernos
iria talhar, em duas camadas se iria separar,
a inferior,
pastosa, esbranquiçada, a superior ,
viscosa, amarelada.
Mas quando
criança, também me apercebia que o tão dourado azeite,
à mesa sempre
usado com deleite, na malga do pobre não ia ter lugar,
quando muito o
azeite das sobras de fritar.
Só que isso não constava no compêndio.
(...)De todos os sons, o que mais recordo é o da escacha da amêndoa.
Foi sempre a tarefa que mais me seduziu. Talvez porque eu tomava parte
activa nela. Ainda hoje guardo o meu escachador. Era pequenino, cilíndrico e
mais perfeito que qualquer outro. A escacha da amêndoa era feita no pátio de
baixo. Previamente a amêndoa era
escabulhada no mesmo pátio e ensacada. Era dos sacos que as escachadeiras
(neste trabalho havia essencialmente mulheres) tiravam punhados de amêndoas que mantinham na mão esquerda. Essas
amêndoas eram colocadas, uma de cada
vez, sobre uma cova numa pedra, e fixadas entre o polegar e o indicador da
referida mão. Com o escachador, usado
com a mão direita, partia-se a casca da amêndoa deixando o grão, umas vezes
intacto, outras vezes com pequenas mazelas. O grão ia sendo
deitado, primeiro para o avental e,
posteriormente, para sacos. Era bonito ouvir o som dos vários
escachadores, umas vezes em uníssono, outras vezes não. Mas o que eu mais
gostava de ouvir, eram as conversas, as histórias, as adivinhas, os provérbios,
as cantigas com que se iam preenchendo os serões da escacha. Lembro-me de uma
noite em que, ao desafio, se iam dizendo
provérbios encadeados.
Ø No poupar é que vai o
ganho .......Grão
a grão enche a galinha o papo....... Há
quem poupe no farelo e esbanje na farinha.....Vale mais quem Deus ajuda do quem
cedo madruga, .....Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer....A conversa é como as
cerejas...... Que se comem em Maio ao borralho.
Lembro-me também das adivinhas:
Ø Alto está, alto mora, todos o vêem, ninguém o
adora....Verde foi meu nascimento, mas de luto me vesti, para dar a luz ao
mundo mil tormentos padeci.... Destas e de
muitas outras.
Lembro-me ainda de certas conversas e histórias de uma ingenuidade
comovedora mas a que na altura achava imensa graça, como uma contada pelo
ti Geraldo. O ti Geraldo era um
homem que trabalhava muitas vezes lá para casa. Quando, por qualquer razão aparecia, a minha mãe
perguntava, como é habitual na TERRA:
Ø Quer uma pinguinha?
Ao que ti Geraldo respondia, de imediato, sempre da mesma maneira:
Ø Já que tanto insiste,
minha senhora.
Ora a história que o ti Geraldo contou numa sessão da escacha, e que por
certo era fruto da sua imaginação, tinha a ver com a festa da Vila. O ti Geraldo
contava que para a festa tinham convidado o Bispo. No momento em que o Bispo entrava na Vila, o presidente da comissão das festas disse para
o mestre da Banda de Música:
Ø Toque qualquer coisa homem, não vê que o Sr. Bispo está a chegar.
Ø E o que é que quer que
toque ?
Ø Qualquer coisa.
Então ouve-se a banda a
tocar uma modinha da altura, que começava assim: “A mim não me enganas tu,
a mim não me enganas tu”. Comentava o ti Geraldo:
Ø Coitado do “home”. “Pori”
na altura “num” se l´ atinou outra.
In Estórias com sabor a Nordeste
A terminar deixo alguns dos trabalhos que referi inicialmente
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Lindo este teu post...bom par ler em dia de chuva, ao borralho virtual...
ResponderEliminarObrigada e parabéns pelos poemas, quadros e memórias...
Bjinho
Que lindo, Regina. É bom recordar uma infância feliz. E o aproveitamento dos resíduos da terra em obras de arte é uma bela ideia.
ResponderEliminarMais uma vez,Regina, parabéns pela sua maneira de estar na vida, com arte e sabedoria.
Um beijo.