Ontem doi o Dia do Amigo.
Não sabia
que existe um Dia do Amigo. Soube-o, por acaso, através de dois dos blogues que
incluí nos meus favoritos: De Rerum Natura e Letra Pequena.
No primeiro podemos ler um belíssimo poema de Vinícius
de Morais que eu usei numa pequena colectânea de textos sobre a amizade que organizei
em 2005,Ano Internacional da Física, em que se comemorou o centenário do “Annus
mirabilis”, 1905.
Nesse ano
Einstein publicou quatro brilhantes artigos, entre eles um sobre relatividade restrita
e outro sobre o efeito foto elétrico, trabalho pelo qual lhe viria a ser atribuído
o prémio Nobel da Física em 1921.
Para mim,
2005 foi também “um ano miraculoso”. Recebi dois primeiros prémios em concursos
de poesia, o Prémio Rómulo de Carvalho e
fui agraciada com a Comenda da Instrução Pública, por sugestão da Sociedade Portuguesa
de Física. Quando recebi um telefonema a dizer que teria que ir a Lisboa para
uma sessão na presença do Sr. Presidente da República (à data, Jorge Sampaio), mesmo
sem imaginar que iria ser agraciada, pensei que era uma brincadeira do meu amigo
Ricardo Mota, perito em pregar partidas. Nunca imaginara tal situação. Foi para
mim uma grande honra, eventualmente imerecida, que teve apenas um senão. Para os meus pais, muito em especial para a minha mãe,
teria sido um motivo de enorme contentamento. Infelizmente já ambos tinham falecido.
Tudo isto começou a propósito dos Dia dos Amigo. É que na sequência do que
anteriormente referi, um grupo de amigos decidiu, sem eu saber, promover um
almoço em Alfândega da Fé que teve lugar no dia 8/4/2006. Quando decidiram
tomar tal iniciativa falaram com o meu marido, por isso ele estava a par do
acontecimento. Eu só soube quando, em determinado dia, me comunicou que dali a dois dias teríamos que
ir a Trás-os-Montes, expondo então as razões da ida.
Disse-me
o número de pessoas previstas, residentes em vários pontos do país, e fiquei espantada pois não supunha ter tantos e tão bons amigos.
Pensei
que teria que fazer algo que pudesse mostrar, embora de uma forma muito modesta,
quanto o gesto me tinha tocado.Surgiu-me a ideia da colectânea.
Fiz uma para cada um dos participantes. Só cerca de um ano mais tarde
ingressaria na Utopia, para ter aulas de pintura com o Mestre Domingos Loureiro,
mas uns tempos antes tinha, como autodidata, feito uns trabalhos com pintura e colagem e foi com um desses trabalhos que fiz
a capa.
Os textos incluídos foram os que seguem, tendo o primeiro, de minha
autoria, sido escrito para o evento
Amizade
Como um rio, o tempo flui
arrastando consigo múltiplas memórias.
Algumas dissolve-as na voragem
e assim se desvanecem e em exponencial decrescem
tendendo para o nada.
Memórias há, porém, que o tempo não dilui,
antes sedimenta na passagem.
São as ausências que o não são porque, presentes,
têm o travo amargo doce da saudade;
são as presenças, que o são mesmo que ausentes,
dando real sentido à amizade.
(Regina Gouveia)
A gente só
conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa…..Se queres um amigo,
cativa-me.
( Saint-Exupéry)
A AMIZADE duplica as alegrias e divide as tristezas.
(Francis Bacon)
A AMIZADE é como os títulos honoríficos; quanto mais velha, mais
preciosa.
(W Goethe)
A AMIZADE é como a sombra na tarde - cresce até com o ocaso da vida.
(La Fontaine)
Amigos
Tenho amigos que não sabem
o quanto são
meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto
e a absoluta
necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre
do que o amor,
eis que permite que o objecto dela se divida em outros afectos, enquanto o amor
tem intrínseco
o ciúme,
que não admite
a rivalidade.
E eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem
morrido todos os meus amores,
mas
enlouqueceria se morressem
todos os meus
amigos!
Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha
vida depende de suas existências...
A alguns deles não procuro,
basta-me saber
que eles existem.
Esta mera condição me encoraja
a seguir em
frente pela vida.
Mas, porque não os procuro com assiduidade,
não lhes posso
dizer o quanto gosto deles.
Eles não iriam
acreditar.
Muitos deles estão lendo esta crónica
e não sabem que
estão incluídos
na sagrada
relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os
procure.
E às vezes, quando os procuro,
noto que eles
não tem noção
de como me são
necessários,
de como são
indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo
que eu,
tremulamente, construí
e se tornaram
alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam,
eu rezo pela
vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece
é, em síntese,
dirigida ao meu bem estar.
Ela é, talvez,
fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos
sobre alguns
deles.
Quando viajo
e fico diante
de lugares maravilhosos,
cai-me alguma
lágrima
por não estarem
junto de mim,
compartilhando
daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece
é que a roda
furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo,
andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente
os que só
desconfiam
ou talvez nunca
vão saber que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.
(Vinícius de Moraes)
Procura-se um amigo
Não precisa ser homem,
basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar
e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de
pássaros, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter
amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor..
Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar
segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de
primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido
enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem
que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de
perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso
deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de
amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos
solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para
gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba
conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações
de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que
se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos
sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de
caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar
no capim.
Precisa-se de um amigo que
diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um
amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver
debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros
sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de
que ainda se vive.
(Vinicius de Moraes)
Traz Outro Amigo Também
Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Em terras
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também
Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também
(José Afonso)
Um amigo
Há
uma casa no olhar de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins das palavras que
trazemos
o amigo ergue o cálice e o verão das
sementes.
Então abre as janelas das mãos para que
cantem
a claridade, a água e as pontes da sua
voz
onde dançam os mais árduos esplendores.
Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpagos e exílios,
onde a ira nómada da cidade
arde como um cego em busca de luz.
(Eduardo
Bettencourt Pinto)
Amizade
ao longo
Passam lentos os dias
e muitas vezes estivemos sós.
mas depois há momentos felizes
para existir em amizade.
Olhai, somos nós.
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No entanto calai-vos.
Quero dizer-vos algo. Quero apenas dizer
que estamos todos juntos. às vezes, ao
falar, alguém esquece o seu braço sobre
meu e eu
ainda que esteja calado dou graças,
porque existe paz nos corpos e em nós.
Quero dizer-vos como todos trouxemos
nossas vidas para aqui, para contá-las.
Por muito tempo, uns com os outros, a um canto falámos, tantos meses que nos
conhecemos bem,
e na lembrança o júbilo é igual à
tristeza.
Para nós
a dor é terna.
Ai o tempo! Já tudo se compreende.
(Jaime
Gil de Biedma)
Carta
aos amigos
Mando-vos estes sabores
construídos na terra onde nasci.
E se mais não vos envio é porque eu mesmo
já não sei inventar outros amores
mal ou bem consentidos nos horizontes desta
vida que pouco a pouco construí
Agarrai-lhe o cheiro
que tem os odores da minha insatisfação
Segurai-lhe o gosto que guarda a memória
da minha paixão.
Fazei o que no tempo melhor vos convier
mas não deixeis perder este sonho
curtido em dias e noites a fio
à roda de uma mesa qualquer.
Não deixeis morrer a alma
da voz que nos anima
cá por dentro ao desafio
pela vida que queremos vencer.
Como se o despontar de um novo dia
fosse apenas outro querer…
Como se a revolta interior
gritada contra toda a maldade
que nos traz o sofrimento
fosse apenas o livro aberto e puro
de tudo quanto está por escrever.
Mas que fique a sede da verdade
e da tolerância e do entendimento
de que sós andamos para trás
nesta terra que não merece fingimento
e nos pede simplesmente
que juntos aprendamos a crescer!
(Francisco
José Lopes)
A propósito deste evento, Francisco José
Lopes, natural de Alfândega da Fé, autor do último poema, escreveu uma mensagem
no seu blogue http://resistente.3e.com.pt/.
Infelizmente o blogue foi corrompido e não foi possível recuperar as mensagens
anteriores a 2009. Como a guardei coloco
alguns excertos.
Regina Gouveia – em torno de uma Comenda e de um Prémio, com a
amizade no coração
(…) Em 2005 foi distinguida com o prémio Rómulo de Carvalho
instituído pela Sociedade Portuguesa de Física (…) Foi-lhe igualmente atribuída a Comenda da
Ordem da Instrução Pública pelo Presidente da República Jorge Sampaio.
No dia 8 de Abril, um grupo de familiares e amigos sentou-se à mesa com Regina Gouveia num restaurante de Alfândega da Fé. O
pretexto foi dar-lhe os parabéns por aquelas honrosas distinções, mas o motivo
foi transmitir-lhe a amizade e a consideração que muita gente tem por ela. Foi,
de facto, um excelente momento de convívio e amizade, no qual não faltou sequer
o canto de um dos temas mais paradigmáticos da música de José Afonso, “Traz
outro amigo também”. Aliás, bem de acordo com a sua forma de estar na vida, foi
Regina Gouveia quem acabou por surpreender todos os presentes com uma “prenda”
muito especial: um pequeno conjunto de poemas de vários autores que falam de
amigos e de amizade, começando exactamente por um da sua autoria e onde
naturalmente se incluía o texto/música já mencionado de José Afonso.
A finalizar deixo quatro de entre as muitas fotos tiradas.
E tudo isto a propósito do Dia do Amigo…
Regina
ResponderEliminarFaltam-me as palavras para comentar este seu post.É um verdadeiro hino à amizade e uma evidência da sua qualidade como ser humano.
Sinto-me feliz por a ter encontrado e ser sua amiga. Foi um pouco tarde, para mim, mas aconteceu, felizmente.
Um grande beijo de muita amizade e admiração.
Não vale a pena repetir o que tenho dito vezes sm conta...és uma pessoa especial....neste Portugal dos Pequeninos...ainda bem que me posso considerar tua Amiga, é um privilégio.
ResponderEliminarConheço-te há 33 anos....e sempre foste assim!
Bjo
Ou me conhecem mal, ou só valorizam o que é positivo, ignorando tudo o que é negativo. De qualquer forma, creio que o qualquer um de nós espelha, é também fruto das amizades que estabelece. E eu tenho o privilégio de vos ter às duas por amigas.
ResponderEliminarUm grande abraço
Regina