Idos de Cusco, chegámos a S. Paulo por volta da meia noite do dia 2 de Junho. À nossa espera em Guarulhos, a minha irmã e o filho que nos levaram para Santos.
Quando pensámos visitar o Perú, decidi que só o faria se fosse também ao Brasil visitar a família, embora numa visita muito breve (apenas uma semana)
Graças à boa vontade de todos, consegui estar com a quase totalidade dos familiares. Em Santos reuniu-se a família do lado do meu pai: irmãos, cunhada, sobrinhos, sobrinhos- netos, primos, ao todo trinta e duas pessoas, alguns idos de cidades distantes como Curitiba, Goiânia e Uberlândia... Em S. Paulo reuni com a família do lado da minha mãe, vários primos e primas, ao todo dezoito pessoas.
A sua curiosidade por conhecer as origens, levou-me a que fizesse algumas pesquisas quanto às árvores genealógicas, de um e outro lado. Do lado do meu pai não consegui muito pois o Arquivo de Bragança não dispõe ainda de muitos dados. Do lado da minha mãe, Arquivo de Aveiro, consegui já bastantes dados e vou continuar a pesquisa.
Com os dados colhidos construí árvores genealógicas personalizadas que distribui...
Como exemplo, insiro aqui uma de cada um dos lados.
Um primo meu, pelo lado do meu pai, que vivia em Maputo e recentemente veio viver para Lagos, costuma dizer que gosta muito do
calor humano da nossa família ...Mas também há ovelhas ranhosas....felizmente em minoria.
Eu cresci entre dois mundos...em qualquer deles a família tem um peso enorme e isso emerge nos dois poemas a seguir, publicados em Reflexões e Interferências
Imagem
Minha
mãe era brasileira de alma e coração,
para
ela, o Brasil era país de eleição.
O
meu pai era brasileiro de torna- viagem
e
assim, do Brasil eu construí uma imagem.
Nessa imagem há uma miscelânea tal
que
vai de Salvador até ao Carnaval,
de
Copacabana à aguardente de cana.
É
Elis, Betânia, Caetano, Jobim
é
jeito de samba, sabor de quindim.
São
as cataratas do Iguaçu
e
as cachoeiras lá em Avaré
É
jaca, acerola, pitanga, caju
gosto
de garapa, cheiro de café, É
Sena, Pelé.
É
Oscar Niemeyer disperso em Brasília, é
toda a família
Irmãos, tios,
primos, sobrinhos, sei lá,
ali em S.Paulo,
Goiás, Paraná, Santa
Catarina.
È
Chico Buarque, o meu cantor dilecto,
Cabral
de Melo Neto,"Vida
e Morte Severina"
É
Manuel Bandeira e é Jorge Amado
Érico
Veríssimo, Alcântara Machado
Di
Cavalcanti, Vinicius, Heitor Villa Lobos.
É
impossível enumerar todos.
É
a bandeira, verde e amarela,
é
cheiro de cravo, sabor a canela
É
telenovela, coronéis, jagunços, grandes fazendeiros,
fazendas,
engenhos, bois e boiadeiros.
É
praia e é mar, é Sol a brilhar
É
o Céu Azul e o Cruzeiro do Sul
É
pamonha de milho e é vatapá
Enfeitando
os jardins, é o manacá
É
um povo que canta e seus males espanta
È
a Amazónia e é o Pantanal,Pedro
Álvares Cabral
É
um testemunho bem colonial como em Olinda e em Parati,
é
o negro Zumbi, os
Tupi-Guarani
É
onça pintada, tatu, colibri
É
cheiro a cocada, gosto de siri
É
mistura de gentes
É
o Tiradentes. É
o Lampião
É
o Rio Amazonas e o Maranhão
É
arroz com feijão nem
sempre na mesa
É
a extrema pobreza dos
descamisados,
marginalizados, dos
sem terra e sem pão, gente
do sertão.
É
Carmen Miranda, afinal portuguesa,
tudo
isto é Brasil com toda a certeza
Imaginário
O
meu imaginário
lembra,
em imagens, um caleidoscópio,
sem
o sonho, seria como um baroscópio,
a
que faltou o ar para
o empurrar.
No
meu imaginário cruzam-se dois mundos
ligados
por laços, em geral, profundos
No
meu imaginário há
onças pintadas,
mouras
encantadas, há
o bem-te-vi,
há
o colibri, há
a andorinha, e
a joaninha,
que
voa, que voa vai
para Lisboa,
há
o bicho tatu, a
surucucu,
há
o gato e o cão, a
assombração, o
bicho papão.
Há
jaboticabas, caquis e goiabas,
há
nozes, amêndoas, pitangas e mangas
há
cerejas, castanhas e
jacas, tamanhas.
Há
cocos, coqueiros bolotas,
sobreiros.
Há
cheiro a jasmim, há o alecrim,
há
o sabiá, há o jacaré.
Há
frio e há fumo que sai da chaminé
Há
montes e há sol, há neve e há mar,
histórias
ao luar.
Há
o Zé do Telhado, há o Lampião
o
lobo, a raposa, a cobra pitão
há
o mocho, há o cuco, a perdiz, o tucano
há
o vira, o malhão, samba
todo o ano.
Há
todas as gentes e todas as cores,
múltiplos cheiros,
múltiplos sabores.
Há
bacalhau no Natal e no fim do ano,
há
arroz doce, folar, e há couve mineira
há
feijoada, bem à brasileira,
há
pão- de - ló, leite creme, rolete de cana,
há
pé de moleque e cocada baiana.
Há
bonecas de trapos e de porcelana.
Há
navegantes e há bandeirantes,
há
escravos, há reis e há imperadores,
há
grandes senhores, há marqueses, vilões,
condes
e barões,
burguesia, nobreza e
muita pobreza.
Há
muito opressão, muita
exploração.
Há
jugo e há canga, grito
do Ipiranga.
Há
guerras com Espanha e
a Restauração
Há
muita façanha e
muito visionário.
No
meu imaginário, que
une dois mundos,
há
laços profundos, de
muita beleza.
Há
canto de canário, sabor
a medronho,
há
quimera e sonho, cheiro
a maresia,
alguma
tristeza e
muita nostalgia, cor
azul turquesa.
Imagens tiradas em Santos. A partir do segundo dia o tempo arrefeceu muito e choveu bastante mas ainda deu para rever Santos da ilha
Porchat e para visitar a
Pinacoteca e o Museu do
Café...
Imagens tiradas com a família em S. Paulo, as três últimas na represa de Guarapiranga, onde um dos meus primos tem uma casa "de fins de semana". Como se pode ver, o frio fazia-se sentir de uma forma pouco vulgar para o local, embora o Inverno esteja a chegar
Em S. Paulo fomos visitar a Pinacoteca (duas últimas imagens) e o Museu da língua Portuguesa (gostei imenso deste último) instalado em parte da estação ferroviária da
Luz de que a minha mãe tantas vezes me falou
A viagem chegou ao fim. As saudades dos que cá ficaram também já apertavam...
O Porto, à chegada.
O Porto que eu adoptei como "uma das minhas terras"....
Miragem
Estou
sentada no café do cais
aqui
na Ribeira junto ao rio,
um
passante segue pela rádio o desafio,
e,
ao meu lado, uma jovem enlevada
olha
com o olhar perdido a outra margem,
enquanto
um casal recorda uma viagem.
Os
demais conversam sobre tudo.
Aqui
e além falares dispersos.
Aqueles
ali creio que falam eslavo
e
conversam com um ar muito sisudo
Na
minha mesa está pousado um cravo
e
o livro que ando a ler "Primeiros versos"[i]
Não
me apetece ler, de enamorada
que
fico ao olhar esta paisagem
mista
de sonho e de realidade,
nem
sei se ela existe ou se é miragem.
Do
outro lado, as caves imponentes;
atravesso
a ponte e já me encontro em Gaia,
na
vila nova que agora é cidade.
Vejo
o Douro, os barcos rio acima
levam
turistas e passam indolentes,
vejo
as fachadas de granito, e bem por cima
ameaçando
chuva o céu cinzento.
Um
ar frio perpassa-me, é o vento
o
tal a que chamam de nortada.
Regresso
e inicio
uma viagem,
entro
num carro eléctrico, na paragem
e aí vou eu
vagueando com o olhar,
S.
Francisco, S. Pedro em Miragaia,
a Alfândega,
Massarelos , vários cais.
O
eléctrico avança um pouco mais
e
do outro lado já vejo o Cabedelo,
o
rio encontrou o Oceano, entrou no mar.
Difusos
através da bruma,
uma
traineira, um navio parado,
que
para entrar na barra ao largo aguarda.
enquanto
o mar se agita e regurgita espuma.
A
difusão da luz torna tudo mais belo,
mas
o meu passeio vai findar, não tarda.
O
meu corpo está enregelado
e
o vento desalinha-me o cabelo.
É
quase noite, urge regressar
mas
é difícil ter que abandonar
estas
paisagens de bruma e de granito.
Não
sei se adivinhando o meu pensar
uma
gaivota solta um pio, aflito.
Olá Regina
ResponderEliminarOs seus poemas, as suas fotografias e o seu relato são tão vivos, que nos levam a viajar consigo.
Por cá, como já deve ter notado, também está frio, apesar do verão.
O último poema é triste e enregela-nos um pouco, mas é muito lindo.
Um beijo.
Sinto pena de nunca ter ido à India, no tempo em que os meus tios ainda existiam. No ano passado morreu o último dos oito irmãos de meu Pai. A minha Mãe era filha única, mas também a sua ancestralidade não era portuguesa mas italiana e serbo-croata, pelo que sinto como tu esta mistura de culturas e sangue dentros de mim.
ResponderEliminarCompreendo muito bem esses poemas, pois toda a minha infancia, até 1961, foi iluminada pelos odores das canelas, dos caris e das mangas que vinham de Goa. Era um nunca acabar de goiabadas, chacutis, bananas de Moira, vindaloos, etc.
Conheci muitos dos meus tios e primos e alguns vieram para Portugal estudar, mas a maioria ficou por lá depois da anexação. Goa permanece um sonho na minha vida...
Ainda bem que conseguiste fazer as árvores genealógicas, o meu irmão Mário anda a tratar disso e a fazer um biografia do meu Avô, que fez 120 anos no ano passado. Digo fez porque ele está vivo na minha memória, Nunca morrerá.
Bjo