A terminar o nosso passeio por terras
de Torga fomos a Panóias
“Panóias, 6 de Outubro de 1951
Volto
a este livro de pedras, onde o passado deixou gravadas as suas devoções.
Estou
nisto: coisas que falem, que respondam. Marcos, estrelas ou fragas com
inscrições, mesmo delidas, onde a gente soletre uma intenção, um protesto, um
voto.
O pasmo bovino da natureza movimentado, contrafeito,
reduzido pela
compreensão a palavras ou caracteres inteligíveis.
Paisagem com voz, que
dialogue.”
Miguel Torga, Diário VI, Coimbra, 1953
O Santuário de Panóias terá sido
construído entre os finais do século II e os inícios do século III d. C. Existem ali testemunhos de um rito de iniciação dos mistérios das divindades infernais
Terá sido C. G. Calpurnius Rufinus, senador romano, que introduziu esse culto em Panóias
Três grandes fragas erguem-se, entre outras, numa colina ligeiramente inclinada. Nas fragas, existiram outrora, templos erguidos em honra dos deuses. Nos afloramentos rochosos ainda estão cavadas as pias para onde jorrava o sangue dos animais sacrificados, os espaços para a queima das vísceras,e escadas talhadas também na rocha que levavam o peregrino até ao templo.
Os Sacerdotes, alinhados, esperam a vítima. A faca
trespassa o animal, enquanto o sangue escorre… Evoca-se Serápis, o deus dos
Mortos.
Os fogos já estão acesos, e as labaredas
rodopiam as sabor do vento. Queimam-se as vísceras das vítimas enquanto nos
poços, já a transbordar do sangue da besta, os neófitos se vão purificando,
banhando-se no líquido ainda quente.
Numa
das rocha lê-se: “Aos Deuses e Deusas e também a todas as
divindades dos Lapitaes, Gaius C. Calpurnius Rufinus, membro da ordem
senatorial, consagrou com este recinto sagrado para sempre uma cavidade, na
qual se queimam as vítimas segundo o rito”.
Nesta rocha, as gravações acima referidas
Dos roteiros
torguianos fazem parte vários outros pontos, nomeadamente o Solar de Mateus e o miradouro de S. Leonardo de Galafura que já visitámos em outras ocasiões.
A nossa visita a “Torga” terminaria aqui, mas a
mensagem não podia deixar de conter o poema a S. Leonardo de Galafura e um
breve vídeo
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Miguel Torga in Diário IX
O dia estava a chegar a fim.
No dia seguinte
iríamos visitar S. Miguel de Seide
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