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Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


domingo, 14 de abril de 2019

Efemérides-3


Após a “romagem” a terras de Torga, a que me referi na mensagem anterior, no dia seguinte rumámos a S. Miguel de Seide, prestando homenagem a Camilo,um dos  autores preferidos do meu pai.

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, em 1825.  Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, foi, juntamente com uma irmã, recolhido por uma tia de Vila Real que se encarregou de os educar. Através da tia recebeu uma educação básica irregular, dada por dois padres de província. Uns anos mais tarde, após o casamento da irmã Carolina, foi viver com o casal, nas imediações de Vila Real.
Com apenas 16 anos, Camilo decide, à revelia da irmã, casar-se com uma jovem de 14, filha de lavradores, e instala-se com ela numa casa em Friúme, distrito de Vila Real. O casamento precoce parece ter resultado de uma mera paixão juvenil e não resistiu muito tempo.

Do casamento anteriormente referido e quando o casal já estava separado, nasce uma filha que morre em criança Passa por outra relação, desta vez com Patrícia de Barros,de quem tem uma filha,  mas foi a sua relação com Ana Plácido, assumida em 1859, que o levou a S. Miguel de Seide

A casa foi construída por Pinheiro Alves em 1830, quando regressou com fortuna do Brasil. O "brasileiro" (como era conhecido) casou em 1850 com Ana Plácido, mas cedo se soube da relação extraconjugal desta com Camilo.  
Fugidos,  perseguidos de terra em terra pela justiça, foram capturados e presos na Cadeia da Relação, no Porto. Foram julgados por adultério, mas absolvidos em 1861 pelo pai   de Eça de Queirós, que era juiz .https://www.publico.pt/2013/07/14/jornal/a-terra-ainda-trata-26818977

Foi na cela da prisão que Castelo Branco escreveu Amor de Perdição. Foi também na prisão que conheceu Zé do Telhado a quem se refere em Memórias do Cárcere.
 Em 1863,   após  a morte de Pinheiro Alves, Manuel (supostamente seu filho) herda a casa de Seide e nesse mesmo Inverno,  Manuel, Camilo, Ana Plácido e o filho Jorge recém nascido, passam a habitá-la. Em 1864 nasce Nuno, o segundo  filho do casal.
Em 1877, com apenas 19 anos, morre Manuel Plácido  por quem Camilo tinha grande afeto.
Em 1865  Camilo começara a sofrer de graves problemas visuais.  Esse facto, juntamente com os problemas criados pelos filhos (Jorge, cujos desenhos de um traço límpido e brilhante estão nas paredes da casa, sofria de esquizofrenia, numa época em que não havia grandes soluções para a doença e Nuno  era muito boémio) foram fortalecendo no escritor, a ideia de suicídio

«Foi muito grave o prognóstico da minha doença de olhos; mas hoje está averiguado que é efeito de venéreo inveterado. Sofro há 4 meses uma diplopia (vista dupla). É horrível para quem não tem outra distracção além da leitura. Tarde será o meu restabelecimento; mas, valham-me as esperanças de não cegar, porque isto importava um inevitável suicídio   in Dicionário de Camilo Castelo Branco, de Alexandre Cabral, Editorial Caminho, Lisboa, 1988

Em carta enviada ao Dr. Magalhães Machado, o oftalmologista que o acompanhava,  escreve  "Sou o cadáver representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país durante quarenta anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego"
A 1 de junho  de 1890, o médico visita o escritor em Seide. Depois de lhe examinar os olhos condenados, recomenda-lhe descanso numas termas e “adia para mais tarde” um eventual tratamento. Quando Ana Plácido acompanhava o médico até à porta, Camilo Castelo Branco, sentado na sua cadeira de balanço, disparou um tiro de revólver na têmpora direita.
Conforme seu pedido, foi sepultado no cemitério da Lapa, no jazigo de um amigo 

Em 1895 morre Ana Plácido que, além de dedicada companheira de vida, foi  também uma fiel companheira de letras. Com ela, Camilo fundou e dirigiu, em 1868, A Gazeta Literária do Porto.

Senhora de espírito e com alguns dotes literários, colaborou em numerosos jornais e revistas (Gazeta Literária, Revista Contemporânea, O Nacional, O Futuro, A Revolução de Setembro, etc.), com artigos e romances em folhetins, que assinava com os pseudónimos de Lopo de Sousa, Gastão Vital de Negreiros ou, simplesmente, A. A
Foi abandonando, pouco a pouco, os seus sonhos de glória literária, transformando-se de “mulher fatal” em esposa e mãe dedicada. Colaborou diligentemente com Camilo, a quem ajudava, investigando manuscritos que lhe serviam de base a muitos romances ou fornecendo-lhe enredos da vida aldeã, colhidos da sua convivência com os camponeses.
Alberto Pimentel (amigo do casal) in “Os Amores de Camilo”

A sua obra mais importante  “A Luz Coada por Ferros”, reúne, além dos artigos publicados em periódicos, algumas novelas originais e divagações em prosa, a maior parte dos quais escrita na prisão.
Ana Plácido está sepultada no cemitério de  Seide

Após um grande incêndio em 1915, a casa de Seide foi reconstruída, mas com algumas alterações. Em 1956 foi inaugurada a Casa-Museu obedecendo à traça original do edifício.
Muito do mobiliário é da época, ainda que só o relógio seja o único elemento que se mantém desde o tempo do escritor. É descrito em Eusébio Macário (1879) com uma precisão tal que se lê como uma paródia aos códigos do Realismo: "Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à 

Algumas fotos da casa




Os filhos Nuno e Jorge



Escritório de Camilo
Vista parcial do quarto do casal com uma das camas

Desenhos do Jorge
O cenário que se avista da janela inspirou algumas das obras, nomeadamente  a freguesia de Monte Córdova,  que "emerge" na obra A Bruxa do Monte Córdova


 Na sala de jantar está uma mesa posta para duas pessoas e, ao lado, o soneto “Os amigos” (pensava que tinha fotografado a mesa, mas pelos vistos não)

Amigos cento e dez, e talvez mais, 
Eu já contei. Vaidades que eu sentia! 
Supus que sobre a terra não havia 
Mais ditoso mortal entre os mortais. 

Amigos cento e dez, tão serviçais, 
Tão zelosos das leis da cortesia, 
Que eu, já farto de os ver, me escapulia 
Às suas curvaturas vertebrais.

 Um dia adoeci profundamente. 
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente 
Que não desfez os laços quase rotos.

 - Que vamos nós (diziam) lá fazer? 
Se ele está cego, não nos pode ver… 
Que cento e nove impávidos marotos

Este, um dos poemas de Camilo que ouvi o meu pai dizer, inúmeras vezes, a tal ponto que, inspirada no mesmo, com toda a ingenuidade dos  meus 14,15 anos escrevi:

Amigos tive-os outrora, mas loucos foram-se embora.
Da nossa antiga amizade resta-me apenas saudade.
A eles não resta nada.
Amigos, como os recordo… Em pensamento os abordo,
mas dessa antiga aliança,  resta-me só a lembrança
A eles não resta nada.
Amigos, só de fachada. Vão pela hora calada
Novo rumo, nova estrada  A mim resta-me a saudade,
A eles não resta nada

Duas vistas do exterior da casa 


 













A Igreja, na Praça junto à casa

 

A pós o almoço fomos visitar o Centro de Estudos Camilianos, em frente à casa,  do outro lado da estrada. Compreende um auditório, salas de leitura e de exposições temporárias, gabinetes de trabalho e uma cafetaria. O projecto é da  autoria de Siza Vieira,

Ali se concentra o vasto património camiliano: bibliografia, documentação manuscrita, iconografia e artes plásticas dedicadas à obra do escritor.


Na sala de entrada podemos ver uma evocação de Camilo na cadeira de balanço onde se suicidou e num dos escaparates, várias peças de Fernando Lanhas, alusivas ao escritor





Na sala de exposições está patente,  desde 15 de dezembro de 2018 e até ao próximo dia 28 de abril,  a exposição temporária de artes plásticas “Evocar Maria Moisés”, baseada na obra “Maria Moisés”, de Camilo Castelo Branco


Termino esta mensagem com fotos de duas obras dessa exposição 





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