Após a “romagem” a terras de Torga, a que me referi na
mensagem anterior, no dia seguinte rumámos a S. Miguel de Seide, prestando
homenagem a Camilo,um dos autores preferidos do meu pai.
Camilo Castelo Branco nasceu em
Lisboa, em 1825. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, foi, juntamente com uma irmã, recolhido por uma tia de
Vila Real que se encarregou de os educar. Através da tia recebeu uma educação
básica irregular, dada por dois padres de província. Uns anos mais tarde, após
o casamento da irmã Carolina, foi viver com o casal, nas imediações de Vila
Real.
Com apenas 16 anos, Camilo decide, à revelia da irmã,
casar-se com uma jovem de 14, filha de lavradores, e instala-se com ela numa
casa em Friúme, distrito de Vila Real. O casamento precoce parece ter resultado
de uma mera paixão juvenil e não resistiu muito tempo.
Do casamento anteriormente referido e quando o casal
já estava separado, nasce uma filha que morre em criança Passa por outra
relação, desta vez com Patrícia
de Barros,de quem tem uma filha, mas foi a sua relação com Ana Plácido, assumida em 1859, que o levou a S.
Miguel de Seide
A casa foi construída por Pinheiro Alves em 1830, quando regressou com
fortuna do Brasil. O "brasileiro" (como era conhecido) casou em 1850
com Ana Plácido, mas cedo se soube da relação extraconjugal desta com
Camilo.
Foi na cela da prisão que Castelo Branco
escreveu Amor de Perdição. Foi também na prisão que conheceu
Zé do Telhado a quem se refere em Memórias do Cárcere.
Em
1863, após a morte de Pinheiro Alves, Manuel
(supostamente seu filho) herda a casa de Seide e nesse mesmo
Inverno, Manuel, Camilo, Ana Plácido e o filho Jorge recém
nascido, passam a habitá-la. Em 1864 nasce Nuno, o segundo filho do
casal.
Em 1877, com apenas 19 anos, morre Manuel Plácido por quem Camilo
tinha grande afeto.
Em 1865 Camilo começara a sofrer de graves problemas
visuais. Esse facto, juntamente com os problemas criados pelos
filhos (Jorge, cujos desenhos de um traço
límpido e brilhante estão nas
paredes da casa, sofria de esquizofrenia, numa época em que não havia grandes
soluções para a doença e Nuno era muito boémio) foram fortalecendo no
escritor, a ideia de suicídio
«Foi muito grave o prognóstico da minha doença de olhos; mas hoje
está averiguado que é efeito de venéreo inveterado. Sofro há 4 meses uma
diplopia (vista dupla). É horrível para quem não tem outra distracção além da
leitura. Tarde será o meu restabelecimento; mas, valham-me as esperanças de não
cegar, porque isto importava um inevitável suicídio .» in Dicionário de
Camilo Castelo Branco, de Alexandre Cabral, Editorial Caminho, Lisboa, 1988
Em carta
enviada ao Dr. Magalhães Machado, o oftalmologista
que o acompanhava, escreve "Sou o cadáver
representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país durante
quarenta anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego"
A 1 de junho de 1890, o médico visita o escritor em Seide.
Depois de lhe examinar os olhos condenados, recomenda-lhe descanso numas termas
e “adia para mais tarde” um eventual tratamento. Quando Ana Plácido acompanhava
o médico até à porta, Camilo Castelo Branco, sentado na sua cadeira de balanço,
disparou um tiro de revólver na têmpora direita.
Conforme seu pedido, foi sepultado no cemitério da Lapa, no jazigo de
um amigo
Em 1895 morre Ana Plácido
que, além de dedicada companheira de vida, foi também uma fiel
companheira de letras. Com ela, Camilo fundou e dirigiu, em 1868, A
Gazeta Literária do Porto.
Senhora de espírito e com alguns dotes literários,
colaborou em numerosos jornais e revistas (Gazeta Literária, Revista
Contemporânea, O Nacional, O Futuro, A Revolução de Setembro, etc.), com
artigos e romances em folhetins, que assinava com os pseudónimos de Lopo
de Sousa, Gastão Vital de Negreiros ou, simplesmente, A. A
Foi abandonando, pouco a
pouco, os seus sonhos de glória literária, transformando-se de “mulher fatal”
em esposa e mãe dedicada. Colaborou diligentemente com Camilo, a quem ajudava,
investigando manuscritos que lhe serviam de base a muitos romances ou
fornecendo-lhe enredos da vida aldeã, colhidos da sua convivência com os
camponeses.
Alberto
Pimentel (amigo do casal) in “Os Amores de Camilo”
A sua obra mais
importante “A Luz Coada por Ferros”, reúne, além dos artigos
publicados em periódicos, algumas novelas originais e divagações em prosa, a
maior parte dos quais escrita na prisão.
Ana Plácido está sepultada
no cemitério de Seide
Após um grande
incêndio em 1915, a casa de Seide foi reconstruída, mas com algumas alterações.
Em 1956 foi inaugurada a Casa-Museu obedecendo à traça original do edifício.
Muito do
mobiliário é da época, ainda que só o relógio seja o único elemento que se mantém
desde o tempo do escritor. É descrito em Eusébio Macário (1879)
com uma precisão tal que se lê como uma paródia aos códigos do Realismo: "Por
debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor
de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira
crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à
Na sala de jantar está uma mesa posta para duas
pessoas e, ao lado, o soneto “Os amigos” (pensava que tinha
fotografado a mesa, mas pelos vistos não)
Amigos cento e
dez, e talvez mais,
Eu já contei.
Vaidades que eu sentia!
Supus que sobre
a terra não havia
Mais ditoso
mortal entre os mortais.
Amigos cento e
dez, tão serviçais,
Tão zelosos das
leis da cortesia,
Que eu, já
farto de os ver, me escapulia
Às suas
curvaturas vertebrais.
Um dia
adoeci profundamente.
Ceguei. Dos
cento e dez houve um somente
Que não desfez
os laços quase rotos.
- Que
vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está
cego, não nos pode ver…
Que cento e
nove impávidos marotos
Este, um dos poemas de Camilo que ouvi o meu pai dizer, inúmeras vezes, a tal ponto que, inspirada no mesmo, com toda a ingenuidade dos
meus 14,15 anos escrevi:
Amigos tive-os outrora, mas loucos foram-se embora.
Da nossa antiga amizade resta-me apenas saudade.
A eles não resta nada.
Amigos, como os recordo… Em pensamento os abordo,
mas dessa antiga aliança, resta-me só a
lembrança
A eles não resta nada.
Amigos, só de fachada. Vão pela hora calada
Novo rumo, nova estrada A mim resta-me a
saudade,
A eles não resta nada
Duas vistas do exterior da casa
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