A poesia é uma espécie de regresso a casa
Esta foi uma
das frases de partida para “À conversa sobre livros” anunciada na última
mensagem.
"A poesia é uma espécie de regresso a casa"
inspirou a música e a letra de "A
Sort Of Homecoming" primeira faixa do álbum do U2 de 1984, "The Unforgettable Fire", após Bono,
leitor voraz, ter lido a obra do poeta Paul Celan.
Do poeta,
deixo o poema que segue e que fui buscar aqui
O TEU
ALÉM-ESTAR esta noite,
Com palavras te trouxe de
volta, aí estás,
tudo é verdadeiro e um esperar
pelo verdadeiro.
O feijão trepa frente
à nossa janela: imagina
quem a nosso lado cresce e
o vê.
Deus, assim o lemos, é
parte de nós e um outro, disperso:
na morte
de todas as vidas ceifadas
vinga ele.
Para além
nos conduz o olhar,
com esta
metade
convivemos.
Ainda a
propósito da poesia como regresso a casa, ao longo da conversa foram citados
vários autores: Pessoa, Torga, Tolentino de Mendonça, Carlos Drummond de
Andrade, David Mourão Ferreira…
Hoje, ao
abrir o meu blogue, vi que em “Ortografia do Olhar” http://ortografiadoolhar.blogspot.com/ ,um dos meus blogues favoritos, havia sido postado o
poema que segue, de Graça Pires, uma autora de quem gosto bastante.
Por
trás de cada sombra
que resvala por novembro
descubro o espanto no meu rosto de criança.
O irmão no berço entre o choro e o sono.
O riso das irmãs.
Os tropeços na correria ao redor das árvores,
como se déssemos a volta ao mundo.
A mãe, o pai, para sempre.
O universo colado ao destino.
Os bichos-de-conta a rolarem no cimento
impelidos por nossos dedos.
As noites acolhendo os brinquedos de corda
na véspera das tardes mais longas.
O antecipado prazer de ouvir a voz materna
a chamar cada filha como se fosse a única
Graça Pires In: CONTINUUM: antologia
poética
Termino com um poema meu e uma aguarela também de
minha autoria.
Debruço-me
na varanda da casa,
há muito demolida.
Derramada
no chão, a sombra calma da velha figueira.
Balidos de
rebanhos e latidos de cães tilintam, ao
longe.
O sol no
ocaso enrubesce o céu
que, em breve,
vestido de negro e ornado de jóias,
se perderá
na noite glamorosa.
Dentro da
casa,
há muito demolida,
vagueiam sons
ilegíveis, palavras desbotadas,
diluídas na doçura doutros crepúsculos.
Regina Gouveia in Quando o mel escorre nas searas, Editora Lua de Marfim
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