sábado, 1 de julho de 2017
Benditos inúteis!
O
título desta mensagem fui buscá-lo a um texto de João Paiva,
Professor no Departamento de Química da FCUP publicado aqui sob o título :A apologia da ciência e a inutilidade das artes e das humanidades.
Com a devida autorização do autor,transcrevo alguns excertos
Tenho
mais de 30 anos dedicados à ciência, principalmente ao seu ensino e
divulgação. Não me canso de sublinhar o fascínio pela forma
científica de questionar, conjeturar, observar, experimentar,
teorizar e até prever o que se passa no mundo natural. São,
resumidamente, duas as pérolas desta empresa científica: a) o
sabor, o gozo, o prazer e o deleite de tatear a natureza; b) a
potencialidade benfazeja que os conhecimentos científicos encerram,
uma vez que, quando aplicados por meio do que chamamos tecnologia,
podem beneficiar a humanidade. O aumento médio da esperança e da
qualidade de vida, à escala global, é um bom exemplo que sentimos
(infelizmente não todos...).
(...)Como
químico, sempre fui impelido para as misturas... Nós, químicos,
focados na realidade atómico-molecular, passamos a vida a fazer
análises e sínteses... As análises permitem-nos saber o que está
e quanto está. As sínteses são muito relevantes: ligam, constroem,
geram novos materiais e novas vidas. As ciências exatas estão
carentes de sínteses. Temos de ter a consciência da artificialidade
das disciplinas científicas, face à natureza que teima em ser uma
só. Sim, separamos para analisar, mas, se perdemos a noção da
floresta, lá ficamos míopes ao ver só a árvore.
(...(Os
docentes e investigadores universitários vivem um dilema: a sua
carreira é dramaticamente competitiva. As exigências de
financiamento não nos permitem desperdiçar oportunidades de
projetos. Alguma burocracia, sem retaguarda de secretariados de
apoio, subtrai-nos imenso tempo. A leitura e a escrita de artigos em
grande número deixam muito pouco tempo para outras leituras. Mas o
virar as costas às humanidades pode ser fatal para a ciência. E,
portanto, quanto mais não seja pela ciência, teremos de ser
criativos para reconhecer e valorizar o que somos e ao que vamos,
numa perspetiva humanista. Estar conscientes de que a grande pergunta
da ciência, nas palavras de Schrödinger, é também a grande
pergunta do Homem: “quem somos nós?”
(...)Estas
reflexões deverão ter implicações na vida académica das escolas
de ciência. As faculdades, incluindo as de ciências, têm obrigação
de proporcionar aos seus alunos, aos seus docentes e investigadores
espaços de reflexão transdisciplinar
e de alargamento de horizontes culturais.
(...)Perceber-se-á
agora melhor o título deste texto(….)A ciência, recuperando a sua
humildade epistemológica, deve saber abrir-se às artes e
humanidades. Um cientista sabe que a sua grelha é um dos
instrumentos para se ler o mundo, mas nunca o único, nem o melhor.
Sabemos que Kant, Tolstói ou Beethoven nos deliciaram e apontaram
caminhos... e não tinham laboratórios. Benditos inúteis!
Para
além de filósofos, escritores, músicos, podemos encontrar
benditos inúteis
em
várias outras áreas. Assim atrevo-me a acrescentar alguns
de entre os inúmeros que se poderiam citar: Leonardo,
Rodin, Pessoa,
Ingmar
Bergman
,
Sebastião
Salgado, Picasso,
Monet….
Para colocar na mensagem, escolhi Monet e uma das suas obras com nenúfares
Isto
porque, num baldio atrás de minha casa, desabrocharam, mais uma vez,
flores de uns catos que o meu marido ali plantou para tornar menos
lúgubre o espaço.
E
não sei bem porquê, as flores lembraram-me de imediato os nenúfares
de Monet.
A
terminar, regresso ao texto de João Paiva,
As
faculdades, incluindo as de ciências, têm obrigação de
proporcionar aos seus alunos, aos seus docentes e investigadores
espaços de reflexão transdisciplinar e de alargamento de horizontes
culturais.
Na
minha carreira de professora de Física e Química e de formadora de
professores nessa áreas, sempre tentei harmonizar ciências e
humanidades. Ambas as áreas desempenham um papel fundamental na
formação integral de uma pessoa.
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