O roubo do presente é o título de um texto de José Gil, que podem
ler aqui
"Nunca uma situação se
desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspectivas de
vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências
nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o
tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso
presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro. O
«empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se
nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve
e o futuro entupiu. O poder destrói o presente individual e coletivo de duas
maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis,
preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe
todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender,
criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o
seu trabalho. O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de
austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas
suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stresse,
depressões, patologias border-/ine enchem os gabinetes dos psiquiatras que os
acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de
impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente
de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens). O presente não é
uma dimensão abstracta do tempo, mas o que permite a consistência do movimento
no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas
do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas
direcções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna
possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público.
Actualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres
sociais. O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha
atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no
horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias
dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os
seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a
esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade
efectiva não chega para retecer o laço social perdido. O Governo não só está a
desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil. Um
fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do
presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos
seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade.
Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a
esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do
seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie:
deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de
me transformar num ser espectral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente
e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.
Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à
procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a
dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo
português. Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos,
paralisa-nos, desapropria-nos do nosso poder de acção. É este que devemos,
antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o
nosso país."
Ao ler este texto lembrei-me de um poema de Manuel Alegre que aqui deixo na voz de Manuel Freire
Não há
machado que corte
a raiz ao pensamento
não há
morte para o vento
não há morte
Se ao
morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida
sem razão
Nada apaga
a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre
Lindo e verdadeiro texto. Obrigada Regina.
ResponderEliminarUm beijo.
Acho-o demasiado drástico.Com textos assim, não se vai a lado nenhum e ainda há muita gente que merece textos diferentes.
ResponderEliminarE este blogue prova que o pensamento é livre....
Bjo