domingo, 22 de março de 2020
Ainda a propósito do Dia Mundial de Poesia
Ainda a propósito do Dia Mundial da Poesia, um poema de António Afonso, meu amigo de infância
É esta a
Primavera
da nossa
incerteza...!
E não é esta a
Primavera de múltiplas cores,
que me baila na
memória...!
Agora reina o
silêncio,
onde nasce um
Tempo novo.
E neste espaço
vital e
solitário,
reflicto
sobre as coisas
que sinto...!
Aberto à
Natureza,
mas nunca aos
que turvam a minha quietude,
perturbam a
minha Paz,
e a serenidade
do meu Universo,
permaneço neste
Tempo de incerteza,
entre laivos
de outras
Primaveras,
onde as cores de
Vivaldi,
teimam ainda
ficar
em mim ...
António Afonso
sábado, 21 de março de 2020
Dia Mundial da Poesia
No dia Mundial da Poesia, Ode à poesia de Miguel Torga por Rui Oliveira
E porque o texto que segue, traz uma mensagem poética de esperança, face à terrível situação que vivemos, incluo-o também .
Apesar de tudo a liberdade
Sinto a doença à minha volta e à volta dos meus. E, nesta reclusão
involuntária, lembro-me de Trujillo e de suas altas torres. Não de todas, mas
de uma que, na sua delgada altivez, se assumiu como mirante.
A terra de Pizarro sempre me pareceu
estranha. À sua volta quase não distinguimos vegetação e, no meio da planura,
alcandora-se a rocha; sobre ela, ruas e casas que nada arranca dali. A cidade é
pontuada por estreitas construções de pedra, emergindo do meio de habitações
mais baixas, servidas por ruas estreitas. Parecem árvores sem grande ramaria
que procuram um sol que lhes permita o crescimento. Talvez catos gigantes, como
o do Convento da Arrábida, hoje com vários metros de altura e transformado em
madeira dura. Vemos campanários, torres evidenciando soberbas senhoriais,
locais de vigilância militar e, no centro imaginário de tudo, meio coberto por
heras que não param de subir, o “mirante das
Jerónimas”. Diz-me um guia que foi torre defensiva, sobrevivendo a um derruído
palácio que depois foi eremitério. Não tenho dados para confirmar ou
contrariar. Pela sua configuração, permite o resguardo e ao mesmo tempo a longa
contemplação da distância, cuja leitura nos permite encontrar melhor o
infinito. O edifício a que pertence é ainda hoje habitado por monjas da ordem
religiosa que tem como patrono o santo tradutor da Bíblia para latim. Sem nunca
lá ter entrado, tenho recordado muito o seu perfil no mundo e fora do mundo.
Talvez por sentir, pela primeira vez (embora obrigado pelas circunstâncias) o
que seriam o olhar e a vida daquelas mulheres que dos mirantes faziam
observatório, oratório, salvaguarda e farol. Em Trujillo, como em muitas e
muitas partes do mundo. f Não sei se elas viam o
mundo como ameaça, como via infetada pelas
mais diversas enfermidades morais e corporais de que queriam fugir. Os seus
textos dizem-me que sim, mas nem sempre há concordância entre a letra e o
espírito. Já se estudaram muitas dessas comunidades e sabe-se hoje que muitas
das mulheres que aí se acolhiam por vontade própria o faziam para fugir da
violência que as despersonalizava e, de algum modo, matava. Eram lugares onde
conseguiam uma liberdade acrescida, liberdade que para algumas delas se
transformava numa escada por onde subiam à libertação maior que era ter saudade
do infinito e, nele, de Deus. De modo distinto na forma, mas afinal semelhante
nas intenções, foi essa purgação e essa fuga que moveram também tantos homens a
tornarem-se eremitas – organizados ou não em comunidade – nas mais variadas
parte do mundo. Como na Arrábida, onde Frei Agostinho da Cruz (1540 – 1619),
franciscano-poeta convivente e vivente de um cristianismo depurado, à sombra de
grandes vultos como São Francisco de Assis ou Erasmo de Roterdão, soube
enaltecer uma vida pobre, afastada e mais livre: “Agora dei a volta por
caminhos / De solitários bosques enramados, / De feras bravas, mansos
passarinhos; // Que ainda que entre espinhos conversados, / Mais quero pé
descalço entre espinhos, / Que dos homens humanos espinhados”.
Nestes dias estranhos, em que fomos forçados a uma existência de espera e
de suspensão, rodeada pelo perigo, vivemos quase todos em reclusão. Vivendo,
apesar de tudo, num lugar privilegiado, senti este confinamento como uma prisão
domiciliária. Nem as exigências da tutela do meu ministério – ficcionando uma
escola que de facto está parada e não pode ser substituída por um “novo
paradigma tecnológico” (que prejudica sobretudo os alunos pobres, sem recursos
materiais e sociais) – me fizeram desligar desse incómodo sentimento de pena
maior, apesar da ausência da pulseira eletrónica. Fui
tentando, com os meus, ocupar o tempo, distraindo-me. Cumpri obrigações.
Correspondi a devoções. Descobri tarefas sempre adiadas e que, agora, viram
finalmente a sua concretização chegar a bom porto. Um arbusto finalmente
cortado. As ervas do quintal arrancadas, ao fim de meses de selvagem
crescimento. O pó do escritório erradicado, depois de tanta preguiça. O artigo
que pelos vistos avança, após tantos pedidos ouvidos mas não escutados. A
leitura retomada. O filme redescoberto e, no reencontro, aquela peça musical
nunca atendida… Sem largar o medo, lutei e luto contra o medo, sabendo que o
temor não irá impedir a entrada do vírus, se ele tiver de entrar e fazer das
suas. Nada disto era, todavia, capaz de pelo menos atenuar o toque das grades numa
gaiola invisível
Até que resolvi redescobrir a varanda do
primeiro andar que, não fossem as restrições da arquitetura do bairro, já teria
desaparecido. Pela manhã, depois de uns minutos de conversa com o miúdo,
resolvi deixar-me estar por ali. A ler. Coisa que nunca ali fizera, pela falta
de resguardo que sentia retirar-me a privacidade para mim inerente ao ato de
leitura. Quase sem gente pelas ruas, desta vez afoitei-me com o livro na mão.
Senti-me como as monjas jerónimas do mosteiro de Trujillo, mesmo sem ter a sua
virtude nem a sua torre nem o seu horizonte. Tudo se tornou mais leve, mesmo
sem afastar da mente o chumbo que nos domina e condiciona. Virei-me para sul e,
acompanhado pela passarada, sobretudo por uma família de corvos pela qual tenho
particular afeição, redescobri no horizonte essa Serra que nos “move a
contemplar mais fermosura”.
Mesmo que só possamos comer o que resta do açambarcamento diário nos
supermercados, mesmo que nos vejamos obrigados ao recolhimento que talvez seja
apenas uma forma de salvaguarda, mesmo que as perdas nos angustiem, só tendo o
poliedro da liberdade no pensamento conseguiremos transformar a reclusão em
clausura, encontrando novas formas de resistência e de elevação. Talvez
consigamos, assim, ver no “hortus clausus”, no horto fechado da nossa casa e
das nossas vidas (afinal povoado por muitas ínfimas alegrias a descobrir), um
lugar propício onde o vazio e o abalo destes dias se transformem em detergente.
Talvez assim sejamos obrigados a limpar
de nós e desta civilização muita da sujidade que, há demasiado tempo, vai
entupindo os nossos poros, impedindo a nossa mais subtil respiração.
Talvez. Não sei. Não obstante, assim desejo. E nesse desejo creio ser
acompanhado por muitos.
Ruy Ventura Escritor e investigador
In Público Imagem: D.R.
Publicado em 21.03.2020
segunda-feira, 16 de março de 2020
Mais um poema na revista Philos
Já por mais que uma vez, partilhei aqui poemas meus que foram publicados na
Revista Philos -"A revista das latinidades, das pessoas e dos povos".
Hoje vou partilhar mais um que saiu
no número de 27-09-2019 https://revistaphilos.com/2019/09/27/eterno-verao-por-regina-gouveia/

Eterno verão
Sotto dura Staggion dal Sole accesa….I
in soneto sobre o Verão, Concerto nº. 2 em Sol menor, op. 8, de Vivaldi [1]
Desponta a aurora.
Eos entrega o Sol aos cuidados de Apolo.
A oriente, ruborizando o céu,
o Sol inicia, ledo, a caminhada rumo a poente,
derramando sombras protetoras pelo chão.
Um azul límpido veste o céu imenso,
onde nuvens breves esvoaçam, dolentes.
Avança o dia.
O Sol é abrasador, as sombras mínimas.
Tudo fica envolto em densa lassidão
que nem chilreios de aves,
nem o zumbir de insectos ousam enfrentar.
Indiferente, o Sol prossegue a caminhada,
num espaço prenhe de cálidos silêncios.
Entardece.
Tímida, a brisa esvoaça agora, difundindo múltiplos aromas.
Ao lado da casa, o perfume da velha tília adeja lento, no ar.
Vagarosamente vão crescendo as sombras.
Zumbidos, chilreios, balidos e vozes lentas,
vão abrindo clareiras na tarde silente.
Por vezes, durante a caminhada,
Eolo e Zeus acompanham Apolo.
Irrompem ventos, chuvas, raios e trovões.
Depois tudo se acalma
e o cheiro a terra molhada dulcifica o ar.
A caminhada aproxima-se do fim.
Despede-se o Sol, agora rubro,
espargindo de oiro e sangue o horizonte.
O tempo tudo acompanha, sobranceiro.
Voraz, em breve engolirá o verão
a que outros se sucederão, ano após ano.
Enquanto espero pelo próximo, invento-o
a partir das múltiplas imagens
e da miríade de sons e aromas, gravados na mente.
Eis o meu artifício
para que o verão dure eternamente.
o Sol inicia, ledo, a caminhada rumo a poente,
derramando sombras protetoras pelo chão.
Um azul límpido veste o céu imenso,
onde nuvens breves esvoaçam, dolentes.
Avança o dia.
O Sol é abrasador, as sombras mínimas.
Tudo fica envolto em densa lassidão
que nem chilreios de aves,
nem o zumbir de insectos ousam enfrentar.
Indiferente, o Sol prossegue a caminhada,
num espaço prenhe de cálidos silêncios.
Entardece.
Tímida, a brisa esvoaça agora, difundindo múltiplos aromas.
Ao lado da casa, o perfume da velha tília adeja lento, no ar.
Vagarosamente vão crescendo as sombras.
Zumbidos, chilreios, balidos e vozes lentas,
vão abrindo clareiras na tarde silente.
Por vezes, durante a caminhada,
Eolo e Zeus acompanham Apolo.
Irrompem ventos, chuvas, raios e trovões.
Depois tudo se acalma
e o cheiro a terra molhada dulcifica o ar.
A caminhada aproxima-se do fim.
Despede-se o Sol, agora rubro,
espargindo de oiro e sangue o horizonte.
O tempo tudo acompanha, sobranceiro.
Voraz, em breve engolirá o verão
a que outros se sucederão, ano após ano.
Enquanto espero pelo próximo, invento-o
a partir das múltiplas imagens
e da miríade de sons e aromas, gravados na mente.
Eis o meu artifício
para que o verão dure eternamente.
notas
[1] Segundo várias fontes o poema será da autoria de Vivaldi.
[1] Segundo várias fontes o poema será da autoria de Vivaldi.
domingo, 15 de março de 2020
Corona Vírus
A cena agora…
O mundo dominado
por uma ditadura sem fronteiras
e nós aqui tão
perto, quase ao lado
sem poder
usufruir da imensa ternura
que, gratuitamente, os netos doam de alma pura.
A cena agora….
Urge paciência por ter que limitar os nossos passos
Urge
prudência quanto a carinhos e abraços
Urge inventar
uma nova forma de comunicar todo o afeto
Mesmo não
estando por perto.
Aguardemos uma revolução
que destrua o vírus ditador.
E entretanto
reforcemos os elos do amor.
Regina Gouveia 15-03-2020
sábado, 14 de março de 2020
Bonito gesto...
O mundo "embrutecido" pelo dinheiro e pelo poder, assiste, perplexo, a esta pandemia. Felizmente há quem, com muita generosidade, se desdobre em esforços para tentar controlar a situação, nomeadamente médicos, enfermeiros... Há também outros gestos que, embora simples, nos comovem. Por certo não precisarei de recorrer aos Táxis Alves mas deixo aqui o meu MUITO OBRIGADA, em nome da população mais idosa de Lavra..
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