Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ciência e poesia

Em 1964, Jorge de Sena no prefácio de Poesias Completas de António Gedeão referia-se ao “tremendo mal decorrente da cisão entre uma cultura literária que se pretende largamente humanística e é apenas uma forma organizada de ignorância do mundo em que vivemos e uma cultura científica que não sabe sequer da existência dos valores estéticos que dão sentido humano à vida”.

Este excerto de Jorge de Sena leva-me a fazer algumas citações que provavelmente muitos conhecem

O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.


O que há é pouca gente para dar por isso

Álvaro de Campos


Que homens são os poetas que podem falar de Júpiter se ele fosse como um homem, mas, se é uma imensa esfera em rotação de metano e amónia, guardam silêncio ?

Richard Feynman


O pôr do Sol sucede sempre em camadas horizontais.


Isto é ciência, mas também é poesia

Robert Frost



Não se pode deixar de referir Niels Bohr que defendia ser a mecânica quântica quase totalmente incompreensível, e chegou ao ponto de dizer que, “(…) para abordar o mundo quântico, a linguagem da razão e da lógica já não é apropriada, e que convém ir buscar a linguagem da psicologia ou da arte; por exemplo a linguagem dos poetas que não procuram representar os factos de forma precisa, mas apenas criar imagens e estabelecer conexões no plano das ideias (…)”


Já por várias vezes referi aqui o site  http://www.cienciahoje.pt/ . Há outros que também gosto de consulltar nomeademente
http://www.comciencia.br/comciencia/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-597020090001&lng=pt&nrm=iso
http://www.jornaldaciencia.org.br/
É deste último o texto que segue da autoria de Marcelo Gleiser, e com o qual não poderia estar mais de acordo (Marcelo Gleiser é brasileiro, professor de Física e Astronomia e invetigador numa conceituada universidade norte-americana, a Dartmouth College em Hanover, EUA. Já fez parte do grupo de invetigadores do Fermilab, em Chicago, e do Institute for Theoretical Physics da Califórnia. Recebeu bolsas para pesquisas da NASA, National Science Foundation e da OTAN. Gleiser dedica-se de variadas formas, à divulgação da ciência. Dentre outras, ministra uma disciplina em Dartmouth chamada "Física para Poetas", extremamente popular na universidade, atraindo pessoas que não possuem ligações com a física.)


Ensinar ciência com poesia (mantém-se o texto em "português" do Brasil)

Conversei hoje com uma jornalista especializada em divulgação científica. Ela me falou de sua preocupação com o ensino de ciência no Brasil, especialmente nas escolas públicas.
Me contou das dificuldades de encontrar professores. Professores formados adequadamente são uma raridade maior ainda.
Aqueles que não só sejam formados, mas gostem de ciência são heróis que precisam ser reconhecidos. Sem recursos ou salário adequado, eles se esforçam em trazer para as crianças um pouco do que sabemos sobre o mundo.
Ela me falou também do avanço do criacionismo, em particular no Estado do RJ, e de como ele parece estar intrinsecamente relacionado ao avanço das igrejas evangélicas. Se ela não me disse isso, digo eu.
Nos EUA, alguns Estados tentaram proibir o ensino da teoria da evolução de Darwin e o modelo do Big Bang em cosmologia, afirmando que essas teorias estão erradas e incompletas.
Seus proponentes diziam que a perspectiva bíblica, criada há milhares de anos, deveria ser ensinada em pé de igualdade com a ciência. Não só em pé de igualdade, mas como uma alternativa.
Me pergunto o que uma criança hinduísta acha disso tudo. No mínimo, que as religiões ocidentais são muito arrogantes, já que o deus delas toma precedência sobre os deuses de todas as outras.
Falamos do que pode ser feito para aliviar o problema. Constatamos o seguinte fato: crianças são naturalmente curiosas sobre o mundo.
Todo pai ouve o filho ou filha perguntar por que o céu é azul, por que a Lua não cai, como que a lagarta vira borboleta e a semente vira planta, por que o mar tem ondas e os lagos não. Por que a vovó morreu. Poucos pais têm respostas para todas essas perguntas.
Mas as crianças perguntam mesmo assim. ‘Sei lá, filho, eu lá tenho cara de enciclopédia?’
Quando elas vão à escola, a curiosidade não diminui. Ao menos até elas chegarem à puberdade, quando existe uma transição de interesse: a curiosidade sobre o mundo se transforma em curiosidade sobre o outro, especialmente o outro do sexo oposto.
Essa é a hora de ensinar biologia, antropologia, história, especialmente histórias sobre heróis. Depois, as crianças viram adultos e das duas uma: ou a curiosidade sobre o mundo volta e elas lêem o que podem sobre ciência, ou a ciência se torna um bicho-papão, ‘o terror de minha adolescência’, coisa para chatos, nerds e crianças.
A desculpa é sempre a mesma: a falta de recursos faz com que o ensino de qualidade seja impossível. Ciência vira coisa que acontece só no quadro-negro, cheio de fatos e fórmulas que não parecem ter nada a ver com o mundo real.
Fazer demonstrações em sala de aula, experiências simples que ilustrem os conceitos ensinados, é algo aparentemente impossível. Mas na realidade não é.
Sem dúvida, fica difícil demonstrar a difração de elétrons sem o equipamento adequado. Mas isso só é relevante para alunos de física do terceiro ano. Falo dos princípios da física básica, como o fato de todos os corpos serem atraídos igualmente pela gravidade terrestre.
Amarre uma pedra em um barbante e faça-a oscilar como um pêndulo. Conte quanto tempo demora para a pedra completar cinco oscilações. Agora, troque por outra pedra mais ou menos pesada e repita a experiência, largando-a do mesmo ângulo.
Conte novamente o tempo de cinco oscilações. Ele será o mesmo. Para se demonstrar esse princípio extremamente importante basta usar pedras e um pedaço de barbante. Ou faça como Galileu e deixe as duas pedras caírem da mesma altura. Pegue um pente de plástico e um monte de pedacinhos de papel.
Esfregue o pente nos cabelos e aproxime-o dos pedacinhos de papel. O que ocorre? Eles serão atraídos ao pente. Por quê? Porque a fricção no pente causa um déficit de cargas, tornando-o atrativo.
Matéria é feita de cargas elétricas. Misture soda cáustica com vinagre (bem pouquinho) e veja o que acontece, explicando a diferença entre substâncias ácidas e básicas.
Se não é equipamento, o que falta (fora salário e formação decentes)? Falta encontrar poesia na natureza e nas explicações que temos dela.
O poeta Federico García Lorca escreveu: ‘A ciência é mil vezes mais lírica do que qualquer teogonia.’ Basta ver a ciência com os olhos do poeta e fazer do mistério a luz que ilumina a razão.

Gilberto Gil, poeta e cantor faz a  ligação entre ciência e poesia nomeadamente no  poema Quanta


Termino com outro poema

Poeira cósmica

Todos os elementos


que constituem a vida


tiveram, à partida,


há muitos milhões de anos,


origem nas estrelas.


Foi da poeira cósmica


que a espécie humana nasceu


e com ela, a poesia e a lira de Orfeu.

Regina Gouveia

8 comentários:

  1. Tive há dias uma discussão com o meu filho sobre a falta de interesse da maioria das pessoas em Portugal pelas ciências, nomeadamente pela Matemática e ele queixava-se que tudo quer poesia, literatura, artes, mas nada de ciências, os jovens não tem apetencia para as ciencias exactas e os pais tb ajudam, revelando muito mais interesse pela leitura ou pela música do que pela biologia, a física ou a matemática. Ele falava sobretudo do nosso caso familiar, em que só ele estudou ciências e se sentiu muitas vezes numa ilha.
    Na Escola não se tornam essas ciencias mais acessíveis nem poéticas. Gostei de estudar algumas destas cadeiras por curiosidade e até tive boas notas, mas o meu feeling ia todo para as letras, a literatura, as línguas...hoje gosto de saber e ler sobre astronomia, botãnica e física...tanto como ler um romance.

    Os teus poemas são metafísicos!
    bjo

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  2. Gostei tanto deste seu post!!!! A Regina, óptima profesora e poetisa, está lá inteirinha. E eu posso afirmá-lo porque fui sua aluna na UPP.
    Só há uma coisa com que não concordo em relação ao comentário da Virgínia ,embora tenha por ela um imenso apreço. Os seus poemas não são metafísicos, para mim. Reflectem bem a humanidade, o real e o progresso da Ciência. Estou a referir-me a Poeira Cósmica e outros que eu conheço.

    Um grande abraço, Regina, Que bom foi tê-la conhecido!!!!!

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  3. Quando disse que os poemas da Regina eram metafísica, estava a ser ironica, pois são o contrário, muito reais e empíricos. :))

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  4. Virgínia
    O problema grande do ensino das ciências é que muitos professores apresentam-na de uma forma árida, muitas vezes sem evidenciar a relação com os contextos reais. Então transforma-se numa "seca" como dizem os jovens. Felizmente hoje há grandes divulgadores de ciência que a conseguem fazer chegar a um público muito mais amplo

    Graciete
    Obrigada pelo seu comentário.
    Também eu gostei imenso de conhecê-la. Aliás, digo num post anterior que nestes últimos anos conheci pessoas fantásticas e/ou aprofundei a minha relação com elas.
    A Graciete e a Virgínia fazem parte do "lote"
    Um grande abraço às duas
    Regina

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  5. Ensinar ciência recorrendo ao Teatro: É esse o desafio da Noite dos Investigadores. Este ano lá estará dia 24 de Setembro das 15 às 24horas na Praça dos Leões. No ano passado apresentámos a teoria de Darwin da Evolução das Espécies de uma forma diferente: http://www.esad.pt/origem/. As crianças adoraram! E os adultos também:-)
    Um abraço,
    Ana

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  6. Ao consultar o site indicado, creio ter percebido que á a Ana Barros. Bem vinda ao meu blogue e parabéns pelas iniciativas em que se tem envolvido
    Um beijinho
    Regina

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  7. Gostei imenso, imenso do que escreveu, a Ciência em Portugal precisa de mais 100 como a Regina!

    Um abraço,

    João Barros

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  8. Só hoje li o comentário. Foi uma honra para mim especialmente por vir de alguém com os conhecimentos do João.
    Um grande beijinho
    Regina

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