quarta-feira, 7 de julho de 2010
A alegria é sagrada, e é tão bela, mas a tristeza merece muito respeito (…),
O título desta mensagem, fui buscá-lo a uma entrevista dada por Matilde Rosa Araújo, falecida ontem. Deixo um pequeno excerto da entrevista
Guarda algumas memórias em especial do tempo em que dava aulas?
Guardo, mas não sei percepcioná-las agora. Foram tantas que me custa… Eu chego, vejo aquelas crianças e é tão bom, tão bom! Venho para casa com outra alma, outra ou a mesma, [mas] um bocado mais viva, menos na «derrapagem». Fui uma vez a uma escola, há anos, não me lembro do nome da escola (verdadeiramente não me lembro, mas se me lembrasse também não dizia), e vejo o olhar de uma criança (vamos aprendendo a ler olhares) tão triste, tão triste, e pensei: «Esta criança é muito infeliz.» Ela chega-se ao pé de mim, e diz-me: «A senhora espera um bocadinho?», «Sim espero.» – O que é que ela quereria? Foi a casa, que devia ser perto, e traz-me uma boneca de trapos suja. Era a única boneca que ela tinha (tenho-a ainda no meu «escritório»), e diz-me: «Fique com a minha boneca.», «Oh, meu amor, eu não fico com a tua boneca, então? Tu tens mais bonecas?», «Não, é a minha boneca. Mas fique com a minha boneca, eu quero que fique em sua casa.» Senti ali uma tragédia, qualquer coisa de muito triste, e fiquei com a boneca na mão, nos braços.
Da sua obra, vastíssima, deixo uma pequeníssima amostra
História do Sr. Mar
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
Presente
A girafa deu
ao seu
marido
no dia
de Natal
um lenço
colorido
de seda natural.
Que alegria!
– disse o marido –
ponha a pata
nesta pata,
com um pescoço
tão comprido
você não podia
ter-me comprado
uma gravata.
Canção de embalar bonequinhas pobres
Menina dos olhos doces
adormece ao meu cantar:
Tenho menina de trapos,
Tenho uma voz de luar...
Os meus braços são a lua
quando ela é quarto crescente:
dorme menina de trapos,
meu pedacinho de gente.
Este poema, musicado por Fernando Lopes Graça, faz parte do repertório do Bando dos Gambozinos
Na voz de Manuela de Freitas, ouçamos mais um poema Matilde Rosa Araújo
No seu livro, A infância lembrada, a autora apresenta textos de autores portugueses numa belíssima antologia onde constam cerca de 80 autores. O primeiro texto, da autoria de Francisco Luís Amaro, Uma voz de criança, é dedicado a Matilde e consta da revista de Letras e Artes, nº 3, de Abril de 1970
Uma voz de criança
Tão cristalina frágil
Torna ainda mais clara
Esta manhã de Abril (…)
Também há relativamente pouco tempo, foi lançado o livro de Adélia Carvalho, Matilde Rosa Araújo, Um Olhar de Menina , uma homenagem à autora.
Matilde, obrigada por tudo o que nos legou.
Guarda algumas memórias em especial do tempo em que dava aulas?
Guardo, mas não sei percepcioná-las agora. Foram tantas que me custa… Eu chego, vejo aquelas crianças e é tão bom, tão bom! Venho para casa com outra alma, outra ou a mesma, [mas] um bocado mais viva, menos na «derrapagem». Fui uma vez a uma escola, há anos, não me lembro do nome da escola (verdadeiramente não me lembro, mas se me lembrasse também não dizia), e vejo o olhar de uma criança (vamos aprendendo a ler olhares) tão triste, tão triste, e pensei: «Esta criança é muito infeliz.» Ela chega-se ao pé de mim, e diz-me: «A senhora espera um bocadinho?», «Sim espero.» – O que é que ela quereria? Foi a casa, que devia ser perto, e traz-me uma boneca de trapos suja. Era a única boneca que ela tinha (tenho-a ainda no meu «escritório»), e diz-me: «Fique com a minha boneca.», «Oh, meu amor, eu não fico com a tua boneca, então? Tu tens mais bonecas?», «Não, é a minha boneca. Mas fique com a minha boneca, eu quero que fique em sua casa.» Senti ali uma tragédia, qualquer coisa de muito triste, e fiquei com a boneca na mão, nos braços.
Da sua obra, vastíssima, deixo uma pequeníssima amostra
História do Sr. Mar
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
Presente
A girafa deu
ao seu
marido
no dia
de Natal
um lenço
colorido
de seda natural.
Que alegria!
– disse o marido –
ponha a pata
nesta pata,
com um pescoço
tão comprido
você não podia
ter-me comprado
uma gravata.
Canção de embalar bonequinhas pobres
Menina dos olhos doces
adormece ao meu cantar:
Tenho menina de trapos,
Tenho uma voz de luar...
Os meus braços são a lua
quando ela é quarto crescente:
dorme menina de trapos,
meu pedacinho de gente.
Este poema, musicado por Fernando Lopes Graça, faz parte do repertório do Bando dos Gambozinos
Na voz de Manuela de Freitas, ouçamos mais um poema Matilde Rosa Araújo
No seu livro, A infância lembrada, a autora apresenta textos de autores portugueses numa belíssima antologia onde constam cerca de 80 autores. O primeiro texto, da autoria de Francisco Luís Amaro, Uma voz de criança, é dedicado a Matilde e consta da revista de Letras e Artes, nº 3, de Abril de 1970
Uma voz de criança
Tão cristalina frágil
Torna ainda mais clara
Esta manhã de Abril (…)
Também há relativamente pouco tempo, foi lançado o livro de Adélia Carvalho, Matilde Rosa Araújo, Um Olhar de Menina , uma homenagem à autora.
Matilde, obrigada por tudo o que nos legou.
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Mais uma grande Mulher que nos deixa. Obrigada Regina pela magnífica apresentação que dela faz.
ResponderEliminarUm grande beijo.