Ontem tive mais uma dessas sessões, desta vez com jovens da Galiza que foram à Biblioteca Almeida Garrett. A sessão correu bem mas os jovens, embora com uma postura excepcional, talvez por timidez intervieram pouco, contrariamente ao que acontece na maior parte das sessões com portugueses. Mas gostei muito da experiência que, para mim, foi nova.
Diz-se que de Espanha nem bom vento nem bom casamento. Saramago contestou o provérbio, face à sua experiência pessoal. Eu, não sei se por ter tido uma bisavó castelhana (que não conheci) sinto uma empatia enorme com “nuestros hermanos”.
E, nem de propósito. Também ontem, após ter estado com os jovens galegos, recebi em casa dois exemplares do catálogo de uma exposição, FIAT LUX Creación e Iluminación, promovida por gasNatural Union Fenosa, no museo de artecontemporáneo.
O Comissário da Exposição foi o Dr. Paulo Reis, pessoa ligada, creio eu, à História da Arte. Duas colegas sugeriram-lhe o meu nome para escrever um texto sobre a luz, a incluir no catálogo. Para mim constituiu uma honra e mais honrada me senti hoje ao ver o catálogo bilingue (castelhano e inglês) com uma enorme qualidade.
No catálogo, para além do referido texto (Misteriosa luz, simple y bella/ Mysterious light, simple and beautiful), há um outro de Paulo Reis (A la velocidad de la luz/At the speed of light) e, obviamente, imagens acompanhadas dum pequeno texto sobre cada autor e sua obra. São obras de autores de vários países (Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Canadá, Cuba, Escócia, Espanha, EUA, França, Itália, Portugal). Eis os nomes:
A capa do catálogo é muito bonita, de uma beleza subtil. Negra, com letras douradas e uma série de orifícios circulares através dos quais se vê o branco da primeira página, sugere-me um céu negro estrelado.
Para mim, de Espanha sopraram bons ventos.
Mas sempre sopraram bons ventos de Espanha nomeadamente nas artes plásticas, na Literatura, na Música. Quase a terminar escolhi três autores espanhóis (Juan Rámon Jiménez, Rodrigo e Antoni Tàpies ), mas poderia ter escolhido muitos outros…
No regato grande, que as chuvas dilataram até à vinha, encontrámos, atolada, uma velha carroça, perdida sob a carga de erva e de laranjas. Uma rapariguita, rota e suja, chorava sobre uma roda, querendo ajudar com o impulso do seu peito em flor o burrico, mais pequeno, ai!, e mais fraco que Platero. E o burrico despedaçava-se contra o vento, tentando, inutilmente, arrancar a carroça do lodo, aos gritos soluçantes da pequenita. Em vão o seu esforço, como o das crianças valentes, como o voo dessas brisas cansadas do Verão que, num desmaio, caem entre as flores.
Acariciei Platero, e, como pude, atrelei-o à carroça, adiante do burrico miserável. Obriguei-o então com uma ordem carinhosa, e Platero, de um puxão, tirou a carroça e o ruço do atoleiro, e subiu com eles a encosta.
Que sorriso o da pequenita! Foi como se o sol da tarde, que se desfazia, ao pôr-se entre as nuvens de água, em cristais amarelos, acendesse uma alvorada atrás das suas lágrimas tisnadas.
Com a sua chorosa alegria, ofereceu-me duas laranjas escolhidas. Aceitei-as, agradecido, e dei uma ao burrico débil, como doce consolação, e outra a Platero, como áureo prémio.
Juan Rámon Jimenez in Platero e Eu
(Recebi este livro como prenda de aniversário, teria os meus doze anos. Já o li e reli inúmeras vezes)
Concerto de Aranjuez (Joaquin Rodrigo)
Azul LXIX (Tàpies)
Finalizo com um poema em que evoco a minha bisavó castelhana
Castro
Em mato de urze, de giesta, de carrasco,
fica ali escondido, abandonado, o castro,
castelo dos mouros, como o povo diz,
de onde, quem sabe, uma moura donzela
fugiu para Castela num belo alazão
enquanto soprava o vento suão.
Partiu com um mouro, ou partiu com cristão?
De livre vontade ou partiu infeliz?
Quem sabe, não descenderia da moura donzela
minha bisavó, de seu nome Ana
que era castelhana fugida da guerra, da luta intestina
entre um tal D. Carlos e D. Cristina?
Quem sabe?
Pergunto ao carrasco, mas não existia, ao tempo, no castro.
Questiono o rio que corre no fundo,
mas a água de outrora correu, foi embora,
perdeu-se no mundo.
Não sei como consegues estar em toda a parte ao mesmo tempo. Admiro-te por isso.Nem sabes quanto.
ResponderEliminarNunca gostei muito de espanhois - fruto da educação que tive numa escola inglesa e portuguesa simultaneamente ou talvez de aprender em Hstória que os espanhois eram os nossos inimigos:)...mas conheci pessoas fantásticas num curso para professores em Nottingham e mudei completamente de opinião. Não gosto da língua...não consigo sentir nenhuma empatia com ela, mas gosto da cultura e da História desse país. É grande.
Regina não me canso de lhe dizer que tudo em que intervém é muito lindo. A Regina é das pessoas mais completas que eu coheço e uma das que eu admiro mesmo.
ResponderEliminarUm beijo.
Virgínia
ResponderEliminarEu, contrariamente a ti, gosto muito da língua e embora nunca a tenha estudado falo-a entendo-a muito razoavelmente contrariamente á língua inglesa, em que, como pudeste constatar, sou um "zero à esquerda"
Graciete
Vê-me sempre através de uma lupa...
Mais uma vez obrigada às duas.
Por lapso não coloquei no texto um poema em que falo da minha bisavó castelhana. Já editei de novo a mensagem com a sua inclusão.
Um abraço
Regina
Isso da lupa é deformação profissional. Eu falo de si tal como a vejo, tal como a Regina é. E a Regina até tem a quem sair. O poema da sua bisavó castelhana é muito interessante, já para não falar das qualidades artísticas da sua mãe que a Regina tão bem descreve nos seus poemas e de que nos falou algumas vezes.
ResponderEliminarUm grande abraço.
Um grande abraço.
Lindo o poema...
ResponderEliminarNão constatei que não sabes inglês, só que dizes não saber. É das tais coisas que facilmente conseguirias ultrapassar se te metesses a isso...mas com tanto que já fazes deve ser mesmo uma utopia:))