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Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


domingo, 21 de março de 2010

Março o mês dos Dias...

Hoje, dia 21, comemora-se o Dia da Poesia e também o da Árvore

Não sou muito apologista destes dias dedicados a algo. Considero que todos os dias deviam ser dias de poesia, do pai, da mãe , da criança, da mulher, da árvore . Mas dado que tais dias existem decidi entrar na onda…

A propósito do Dia da Poesia coloco dois poemas entre muitos que poderia ter seleccionado e o mesmo acontece quanto ao Dia da Árvore para o qual seleccionei três poemas.

Todo o tempo é de poesia

Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã

à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre

à frigidez da agonia

Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.

Corolas que se desdobram.

Corpos que em sangue soçobram.

Vidas qu'a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria

das mãos que pedem vingança.

Sob o arco da aliança

da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos

à confusão da harmonia.

António Gedeão

Exploração

Qual exploradora, parti um dia.

Embrenhei-me na selva da vida

onde sabia andar escondida

a poesia

Encontrei-a

na luz ténue do sol ao fim do dia,

na molécula, no átomo, no quantum de energia,

nas leis de Newton, no conceito de entropia.

Encontrei-a

na reflexão da luz, na impulsão no ar,

no cheiro a maresia e nas algas do mar,

no orvalho, na geada, na chuva, no luar.

Encontrei-a

no ínfimo e no imenso que a vista não alcança,

nas rugas dum idoso, no rir de uma criança,

numa tela, num concerto, numa dança.

Encontrei-a

no voo da gaivota, na pétala da flor,

na chama que tremula e se multiplica em cor

e que irradia energia na forma de calor

Encontrei-a

nas estrelas, nas galáxias mais distantes,

no olhar apaixonado daqueles dois amantes,

nos extintos dinossauros de dimensões gigantes.

Encontrei-a

em medusas, corais, nos fundos oceanos,

no vento a agitar nas árvores os ramos,

em pinturas rupestres com vários milhares de anos

Encontrei-a

na violeta escondida no canto do jardim

e no frasco que continha essência de jasmim.

Tentei então guardá-la só para mim.

Foi assim que ela se evolou

e de novo eu aqui estou

a procurá-la.

Regina Gouveia

As folhas secas dos plátanos

As folhas dos plátanos

desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,

e os olhos de uma pobre criatura

comovidos as seguem.

São belas as folhas dos plátanos

quando caem, nas tardes de Novembro

contra o fundo de um céu desgrenhado e sangrento.

Ondulam como os braços da preguiça

no indolente bocejo.

Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,

traçam erres e esses, ciclóides e volutas,

no espaço escrevem com o pecíolo breve,

numa caligrafia requintada, o nome que se pensa,

e seguem e regressam,

dedilhando em compassos sonolentos

a música outonal do entardecer.

São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.

Eram lisas e verdes no apogeu

da sua juventude em clorofila,

mas agora, no outono de si mesmas,

o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,

deixou-se trespassar por afiados ácidos.

A verde clorofila, perdido o seu magnésio,

vestiu-se de burel,

de um tom que não é cor,

nem se sabe dizer que nome tenha,

a não ser o seu próprio,

folha seca de plátano.

A secura do Sol causticou-a de rugas,

um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,

e esta real e pobre criatura

vendo o solo coberto de folhas outonais

medita no malogro das coisas que a rodeiam:

dá-lhes o tom a ausência de magnésio;

os olhos, a beleza.

António Gedeão

A uma cerejeira em flor

Acordar, ser na manhã de Abril

a brancura desta cerejeira;

arder das folhas à raiz,

dar versos ou florir desta maneira.

Abrir os braços, acolher nos ramos

o vento, a luz, ou o quer que seja;

sentir o tempo, fibra a fibra,

a tecer o coração de uma cereja.

Eugénio de Andrade

Prodígio

Prodigiosa aquela cerejeira com seus frutos.

Sensual, rubro o epicarpo, carnudo, nacarado o mesocarpo

da pudica semente protecção.

Tal como se fora a vez primeira, saboreio uma cereja calmamente num misto de volúpia e devoção.

Regina Gouveia



A propósito do Dia do Pai , no pssado dia 19, coloco o texto morreste-me de José Luís Peixoto, para mim um dos textos mais belos que o autor escreveu, e um  poema meu relativamente recente

Morreste-me

Regressei hoje a esta terra agora cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se

continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar asse

continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar as

casas, a branquear a cal; e o tempo entristecido, o tempo parado, o tempo

entristecido e muito mais triste do que quando os teus olhos, claros de névoa e

maresia distante fresca, engoliam esta luz agora cruel, quando os teus olhos

falavam alto e o mundo não queria ser mais que existir. E, no entanto, tudo como

se continuasse. O silêncio fluvial, a vida cruel por ser vida. Como no hospital.

Dizia nunca esquecerei, e hoje lembro-me. Rostos tornados desconhecidos,

desfigurados na minha certeza de perder-te, no meu desespero desespero. Como

no hospital. Não acredito que possas ter esquecido. Enquanto esperava pela

minha mãe e pela minha irmã, as pessoas passavam por mim como se a dor que

me enchia não fosse oceânica e não as abarcasse também. As mulheres falavam,

os homens fumavam cigarros. Como eu, esperavam; não a morte, que nós, seres

incautos, fechamos-lhe sempre os olhos na esperança pálida de que, se não a

virmos, ela não nos verá. Esperavam. Num carro demasiado rápido, a minha

mãe, curvada de perder o que possuía, e a minha irmã. Os homens e as mulheres

falavam e fumavam ainda quando subimos. No quarto, numa cama qualquer que

não a tua, o teu corpo, pai. Talvez distante, preso num olhar entreaberto e

amarelado, respiravas ofegante. O ar com que lutavas, lutavas sempre, gritava o

seu caminho rouco. Pelo nariz, entrava o tubo que te sustinha. Aos pés da cama,

a minha mãe calada, viúva de tudo. À cabeceira, a minha irmã, eu. Cortinas de

plástico, biombos de banheira separavam-nos das outras camas. Pousei-te as

mãos nos ombros fracos. Toda a força te esmorecera nos braços, na pele ainda

pele viva. E menti-te. Disse aquilo em que não acreditava. Ao olhar amarelo,

ofegante, disse que tudo serias e seríamos de novo. E menti-te. Disse vamos

voltar para casa, pai; vamos que eu guio a carrinha, pai; só enquanto não puder,

pai; vá, agora está fraco mas depois, pai, depois, pai. Menti-te. E tu, sincero, a

dizeres apenas um olhar suplicante, um olhar para eu nunca mais esquecer. Pai.

À hora, mandaram-nos sair. Quando saímos, agarrados como naúfragos, a luz

abundante bebia-nos. (…)

José Luís Peixoto


Recordações da infância

Muros de xisto,

tal como outrora cobertos de silvas,

ostentando amoras.

Caminhos.

Este já foi ribeiro, o ribeiro dos linhos.

Já não existe ribeiro, tão pouco o linho.

O pó esvoaça lento

por sobre o chão incerto e poeirento.

Caminho com dificuldade,

o sol poente ofusca-me a visão.

Percorro outro caminho, o da memória

que, como o xisto, se esboroa com o tempo.

Firme, a mão do meu pai segura a minha mão.

Regina Gouveia


Finalmente e evocando tardiamente o Dia da Mulher, deixo-vos com “A Calçada de Carriche” de António Gedeão

3 comentários:

  1. Festival de poesia...esta entrada dá para uma semana de contemplação....obrigada. Já pus uma tua no meu blogue, de tantas que me enviaste....obrigada Amiga!

    Bom Domingo cheio de sol....

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  2. Que mais posso eu dizer Regina a não ser PARABÉNS. Lindos os seus poemas. Óptima a sua escolha.
    Um beijo.

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  3. Obrigada às duas.
    Gostar de poesia é, sem dúvida, um elo que nos une.
    Bjs
    Regina

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