No final
da última mensagem, prometi referir-me à surpresa que o meu filho Miguel e
a minha nora Teresa nos fizeram no dia 29 de Março, dia em que se
cumpriram 50 anos sobre o nosso casamento.
Uma “celebração” da efeméride, muito
simples e íntima, está agendada para o domingo de Páscoa. No dia, pensávamos
celebrar só os dois. Na celebração estavam incluídas a passagem por S. Martinho
de Anta e por S. Miguel de Seide.
Numa mudança de planos, à última
hora, adiámos a saída do Porto para o dia 30.
No dia 29, quando nos preparávamos
para jantar, o meu filho Miguel, que mora mesmo ao nsso lado, chegou e
disse: Não faz sentido estarem a jantar sozinhos no dia hoje. Tragam o
jantar, juntamo-lo ao nosso e jantamos lá em casa, em conjunto. Aceitámos
sensibilizados. Quando, vestidos com uma roupa de andar por casa, nos preparávamos
para ir, o meu filho disse: Embora seja apenas um jantar entre nós, é
um dia especial pelo que vistam algo melhor. Comecei a achar que
haveria ali qualquer coisa estranha…
Mal chegámos fomos surpreendidos pela
presença de filhos, noras, netos e primos, num ambiente de festa que não
imaginaria, pois dispuseram de pouquíssimo tempo para organizar tudo, dado que
a nossa mudança de planos tinha sido inesperada. A ideia de compartilharmos o jantar fora apenas um truque para não desconfiarmos de nada...
Obrigada a todos, muito em particular
à Teresa que teve muito trabalho.
No dia
seguinte saímos do Porto, em direcção a S. Martinho de Anta. Logo à entrada, o
Espaço Miguel Torga, projeto do Arq. Souto Moura, um edifício
muito interessante de que podem ser
vistas boas imagens aqui
No seu interior, uma exposição permanente, dedicada á vida e obra de Miguel Torga,
Alguns documentos em exposição

O Nobel que não recebeu....
A
par desse espaço existe um outro para exposições temporárias, um
auditório, uma cafetaria,uma biblioteca e uma loja
Após
a visita ao Espaço Miguel Torga fomos visitar lugares emblemáticos na aldeia- o
negrilho, a escola que frequentou, a casa onde nasceu e que está em obras a fim
de ser convertida em museu, depois de doada para esse fim por Clara
Rocha, filha de Torga e Andrée
Crabbé, o cemitério onde o casal está sepultado

A um negrilho
Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação Serena!
Esse poeta és tu, mestre da inquietação Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Miguel Torga in Diário VII
Jazigo de Torga e Andrée Crabbé, bonito porque sóbrio-uma pedra de granito gravada com os dois nomes
Almoçámos
em S. Martinho e a seguir ao almoço fizemos uma passagem por Sabrosa,
terra de solares e casas senhorias...
Um
dos mais bonitos é agora unidade hoteleira
Numa rua deparámos com a casa que supostamente
pertenceu a Fernão de Magalhães
São
ainda hoje muito confusos os dados sobre a naturalidade e filiação deste grande
português. Embora tudo leve a crer que tenha nascido na Casa da Pereira, de
Sabrosa, no último quartel do século XVI, e que tenham sido seus pais, Rui de
Magalhães, casado com D. Alda da Mesquita Pimentel de Vila Real.
Finda a
passagem por Sabrosa, regressámos a S. Martinho de Anta para visitarmos a
"Mamoa" que fica muito perto da aldeia
A Mamoa de Madorras destaca-se pela sua monumentalidade e
estado de conservação e por essa razão, aí se realizaram algumas intervenções
científicas as quais proporcionaram resultados inovadores e de extrema
importância para o conhecimento das comunidades que, há cerca de
6 000 anos, construíram esta imponente sepultura e habitaram a região.
6 000 anos, construíram esta imponente sepultura e habitaram a região.
A terminar o nosso passeio por terras
de Torga fomos a Panóias
“Panóias, 6 de Outubro de 1951
Volto
a este livro de pedras, onde o passado deixou gravadas as suas devoções.
Estou
nisto: coisas que falem, que respondam. Marcos, estrelas ou fragas com
inscrições, mesmo delidas, onde a gente soletre uma intenção, um protesto, um
voto.
O pasmo bovino da natureza movimentado, contrafeito,
reduzido pela
compreensão a palavras ou caracteres inteligíveis.
Paisagem com voz, que
dialogue.”
Miguel Torga, Diário VI, Coimbra, 1953
O Santuário de Panóias terá sido
construído entre os finais do século II e os inícios do século III d. C. Existem ali testemunhos de um rito de iniciação dos mistérios das divindades infernais
Terá sido C. G. Calpurnius Rufinus, senador romano, que introduziu esse culto em Panóias
Três grandes fragas erguem-se, entre outras, numa colina ligeiramente inclinada. Nas fragas, existiram outrora, templos erguidos em honra dos deuses. Nos afloramentos rochosos ainda estão cavadas as pias para onde jorrava o sangue dos animais sacrificados, os espaços para a queima das vísceras,e escadas talhadas também na rocha que levavam o peregrino até ao templo.
Os Sacerdotes, alinhados, esperam a vítima. A faca
trespassa o animal, enquanto o sangue escorre… Evoca-se Serápis, o deus dos
Mortos.
Os fogos já estão acesos, e as labaredas
rodopiam as sabor do vento. Queimam-se as vísceras das vítimas enquanto nos
poços, já a transbordar do sangue da besta, os neófitos se vão purificando,
banhando-se no líquido ainda quente.
Numa
das rocha lê-se: “Aos Deuses e Deusas e também a todas as
divindades dos Lapitaes, Gaius C. Calpurnius Rufinus, membro da ordem
senatorial, consagrou com este recinto sagrado para sempre uma cavidade, na
qual se queimam as vítimas segundo o rito”.
Dos roteiros
torguianos fazem parte vários outros pontos, nomeadamente o Solar de Mateus e o miradouro de S. Leonardo de Galafura que já visitámos em outras ocasiões.
A nossa visita a “Torga” terminaria aqui, mas a
mensagem não podia deixar de conter o poema a S. Leonardo de Galafura e um
breve vídeo
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Miguel Torga in Diário IX
O dia estava a chegar a fim.
No dia seguinte
iríamos visitar S. Miguel de Seide
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