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domingo, 15 de outubro de 2017

Falando de aniversários….


DIA DE ANOS 

Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal: porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois que se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!

Também eu caí mais uma vez na asneira. Desta vez ao sábado…..Reunimos com filhos, noras e netos mas reunir-nos-íamos da mesma maneira sem aniversário pois, em princípio, estamos sempre juntos numa das refeições ao fim de semana.
Recebi essencialmente livros pois é uma das melhores prendas que me podem dar. Um deles foi uma coletânea de poemas de Almada Negreiros
Ao deitar li alguns textos e um deles, bem como a ilustração que o acompanha,  chamaram-me particularmente a atenção.

 



Há quinze dias fui a Trás-os Montes. Não sei se na ida, se na vinda, acompanhei na antena 2 um programa muito interessante sobre o Infante D. Pedro, o 2º de uma série de programas com o historiador Alfredo Pinheiro Marques e que, tal como os demais, pode ser ouvido aqui http://antena2quinta.radio.pt/
O que ressalta desse programas é a imensa cultura do Infante  e o seu protagonismo, um pouco ignorado nos Descobrimentos .

Ainda a propósito de aniversários não podia deixar de referir Álvaro de Campos


ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino.
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa.
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos

E porque nesta mensagem refiro Almada Negreiros e Fernando Pessoa deixo os dois retratos do Poeta, da autoria de Almada


Termino com o quadro Aniversário de Chagall




5 comentários:

  1. Parabéns pelo aniversário, ainda que atrasado. Poemas bem escolhidos.
    Uma boa semana.
    Beijos.

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    1. Obrigada Graça. Ultimamente tenho tido a vida ainda mais ocupada pelo que não tenho comentado no teu blogue mas sempre que posso "dou uma espreitadela".
      Bjs
      Regina

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  2. Parabéns, Regina.
    O meu Avô que era médico naval especializou-se em história e em especial nos descobrimentos. Escreveu um livro chamado: O Infante D. Pedro e as Sete Partidas, em que defendia a tese de que tinha sido este Príncipe o verdadeiro cérebro das descobertas e não D. Henrique que segundo ele " nunca navegou, coitado". Ainda me lembro de o ouvir a falar disso.
    Bjinho

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    1. Gonçalves, José Júlio (1955), O Infante D. Pedro, as sete partidas e a génese
      dos Descobrimentos, Lisboa.

      Tenho este livro em minha casa. Gostei das entrevistas, mas não do entrevistador, que me parece muito bacoco.

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    2. Para mim foi muito interessante o programa pois, tal como o teu avô, Alfredo Pinheiro Marques defende que foi D.Pedro o cérebro das descobertas, contra tudo aquilo que sempre nos foi "impingido". Quanto ao entrevistador partilho, em absoluto, a tua opinião
      Bjs


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