Se tivesse que selecionar uma música,
de entre a muitas vezes designada música
clássica, teria muita dificuldade em me decidir primeiro pelo compositor e depois pela obra musical, mas se tivesse que
selecionar uma música de entre a música dita ligeira, escolheria sem dúvida Chico Buarque. A dificuldade
seria depois em selecionar qual a obra.
Hoje não tive dificuldade na escolha da obra. Ontem alguém me diizia que se estivermos atentos quando andamos na rua, vemos que os portugueses andam tristes cabisbaixos e mais agressivos.
É natural e são genericamente as pessoas mais idosas pois sentem -se espoliadas com as medidas que têm vindo a ser aplicadas e as que se anunciam.
D o
académico Eugénio Lisboa, ensaísta e crítica literário, autor de inúmeros posts
aqui publicados, em envio que muito nos honra, foram recebidos estes versos,
escritos, segundo ele próprio, “relendo Gomes Leal, num Domingo melancólico,
meditando neste horror que se abateu sobre o nosso país”:
Dá-me um canto canoro e eloquente,
que seja para os pobres como um sol,
É Camões que se definha
Nas ruas de Lisboa abandonadas.
É Camões que a sorte vil, mesquinha,
Faz em noites de fome torturadas,
Ele o velho cantor de heróis guerreiros!...
Vagar errante como os vis rafeiros.
Morreu-lhe o escravo, o seu fiel amigo,
O seu amparo e seu bordão no mundo,
Morreu-lhe o humilde companheiro antigo,
No seu vácuo deixando um vácuo fundo.
Hoje, pois, triste, velho, sem abrigo,
Faminto, abandonado e vagabundo,
Tenta esmolar também pelas esquinas.
Ó lágrimas!... Ó glória! Ó ruínas
Hoje não tive dificuldade na escolha da obra. Ontem alguém me diizia que se estivermos atentos quando andamos na rua, vemos que os portugueses andam tristes cabisbaixos e mais agressivos.
Isso lembrou-me de imediato Chico Buarque em Apesar de você
Álbum que traz canções polémicas como
“Cálice” e “Apesar de Você”
Hoje
você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão,
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão,
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar
de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando
chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar
de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar
de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
La, laiá, la laiá, la laiá
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
La, laiá, la laiá, la laiá
Quanto à
agressividade, hoje na minha actividade de voluntariado no Hospital de Santo
António, onde ajudo os utentes na deslocação para as consultas externas (algumas
são difíceis de localizar sem ajuda) encontrei algumas pessoas que reagiam com
alguma agressividade a situações exteriores a nós (a demora do elevador, a
distância a percorrer atá à consulta, etc, etc,etc.
Referi isso a um colega voluntário e ele comentouÉ natural e são genericamente as pessoas mais idosas pois sentem -se espoliadas com as medidas que têm vindo a ser aplicadas e as que se anunciam.
E tudo o que acima referi me fez lembrar uma mensagem colocada no dia
22 /10 in De Rerum Natura que publicou os versos que seguem ( versos extremamente oportunos no momento que vivemos),
com a seguinte introdução
"Morre o povo
aí pelas esquinas,
com a fome que também matou
Camões.
Abrigam-se os pobres nas ruínas,
com gestos e ademanes de ladrões.
Abrigam-se os pobres nas ruínas,
com gestos e ademanes de ladrões.
Com fome e frio, o povo
abandonado,
sacode o mundo, tenebrosamente:
dá-me tu, ó Musa, um furor sagrado,
que nos levante, poderosamente!
sacode o mundo, tenebrosamente:
dá-me tu, ó Musa, um furor sagrado,
que nos levante, poderosamente!
Uma lira feita só
de vinganças,
uma lira cuspindo ameaças!
Uma lira que abale as seguranças
dos que vivem de rapina e trapaças!
Uma lira que abale as seguranças
dos que vivem de rapina e trapaças!
Dá-me um canto canoro e eloquente,
que seja para os pobres como um sol,
pai dos párias e astro transcendente,
que faz do pobre grato girassol!
que faz do pobre grato girassol!
Ó Musa, quero a
gana do Poeta,
que me ajude a castigar este
horror,
a varrer, com vigor, esta sarjeta,
onde copulam gula e impudor!"
onde copulam gula e impudor!"
Eugénio Lisboa( depois de reler “A Fome de
Camões”, de Gomes Leal).
Este vulto, portanto, que caminha
Altas horas, ao frio das nortadas,É Camões que se definha
Nas ruas de Lisboa abandonadas.
É Camões que a sorte vil, mesquinha,
Faz em noites de fome torturadas,
Ele o velho cantor de heróis guerreiros!...
Vagar errante como os vis rafeiros.
Morreu-lhe o escravo, o seu fiel amigo,
O seu amparo e seu bordão no mundo,
Morreu-lhe o humilde companheiro antigo,
No seu vácuo deixando um vácuo fundo.
Hoje, pois, triste, velho, sem abrigo,
Faminto, abandonado e vagabundo,
Tenta esmolar também pelas esquinas.
Ó lágrimas!... Ó glória! Ó ruínas
Gomes Leal in A fome de Camões
Olá Regina
ResponderEliminarOutro excelente post, onde está bem explícito que as palavras são armas, através dos poemas que apresenta.
Só uma pequena nota em relação à canção de Chico Buarque de que eu também gosto muito.. Eu interpretaria assim "apesar da tristeza de você, é por e com você que amanhã será um novo dia".
Um beijo.
Esta canção foi proibida pela ditadura. "Você" referia-se implicitamente ao ditador da altura
ResponderEliminarBjs
Regina
É verdade Regina. Li à pressa e interpretei mal.Obrigada pela correção.. Eu interpretei como sendo a tristeza e o desalento de" você" que hoje é muito comum entre as pessoas.
ResponderEliminarUm beijo.