Toda
a minha formação, desde a primária ao mestrado, foi feita na
escola pública.
Em Parada (Alfândega da Fé) iniciei a primária,
em Bragança fiz a 4ªclasse e os sete anos do Liceu, no Porto a
licenciatura em Físico Químicas e em Aveiro, o mestrado em
supervisão na área das ciências. Genericamente encontrei
professores empenhados (há sempre exceções), no Liceu de Bragança
habituei-me a ter aulas com atividades experimentais desde cedo, a
assistir a sessões de música clássica que o Reitor Lopes da Silva
promovia na Pousada de S. Bartolomeu, a participar numa série de
atividades desportivas. Fiz parte do teatro, danças regionais, etc,
etc…
Toda
a minha carreira docente se processou em escolas públicas(Liceu
de Barcelos, Liceu Sá de Miranda em Braga, Liceu Alexandre Herculano
no Porto onde fiz estágio, Liceu de Vila Nova de Famalicão onde
efetivei , Liceu Carolina Michaëlis onde terminei a minha carreia
aos 60 anos de idade com 39 anos de serviço. Paralelamente lecionei cursos
breves na UTAD e na ESE do Porto, no âmbito da didática da Química.
Durante
os 39 anos da minha carreira estive 31anos ligada à formação de
professores, 24 como orientadora de estágio no ensino secundário e
7 como docente da cadeira de Didática da Física no Mestrado em
Física para o Ensino(FCUP).
Após a aposentação continuo a fazer (a
título gracioso) sessões em várias escolas do país, desde o
pré-primário ao fim do secundário.
Os
meus dois filhos ( um licenciado em economia e outro com duas
licenciaturas, arquitetura e engenharia civil e um mestrado na
interface entre as duas áreas) sempre estudaram em escolas públicas.
Tenho quatro netos: dois deles estudam numa escola privada e os
outros na escola pública
Tudo
isto para dizer que conheço razoavelmente bem a escola pública e considero
que, genericamente, o ensino na escola pública tem qualidade.
Não
quero com isto dizer que o não tem nas escolas privadas ( pelo menos em
algumas). O que eu discordo é da política que, desde há alguns
anos, se tem vindo a praticar , com muitos dos “famigerados”
contratos de associação.
O
vídeo que segue (https://www.youtube.com/watch?v=OgWCEWQe75k), evidencia bem a forma pouca séria como alguns casos
foram tratados.
No passado dia 23 foi publicado um texto, da autoria de João Maria de Freitas Branco,e que pode ser lido aqui https://www.publico.pt/sociedade/noticia/util-licao-1732679
Que
o Estado tem a obrigação de formar, manter e assegurar o competente
funcionamento de uma rede escolar pública de modo a garantir uma
educação base acessível a todos, ou seja, gratuita e universal, é
uma evidência em qualquer país moderno, democrático,
civilizacionalmente desenvolvido. Evidente é também a obrigação
estatal de garantir o direito de existência do ensino privado, sob
variadas formas (cooperativas, colégios particulares, escolas
tuteladas por instituições religiosas, etc.). Essa escola privada
concorrerá lealmente com o sector público procurando conquistar
alunos para os respectivos estabelecimentos de ensino, mediante a
oferta de propostas/projectos pedagógicos aliciantes.
Não
menos evidente é a ilegitimidade e a injustiça de o Estado
financiar uma pequena percentagem de escolas privadas em regiões em
que o próprio Estado assegura, com o dinheiro de todos nós, uma
oferta que satisfaz por completo as necessidades locais, garantindo o
acesso universal e gratuito à educação básica. Se na ausência de
situações de excepção (carência de oferta) o Estado optasse por
continuar a financiar, com o nosso dinheiro, um conjunto minoritário
de escolas privadas, estaria desde logo a incorrer numa descabelada
injustiça relativamente à imensa maioria dos estabelecimentos de
ensino privado que não recebem nenhum financiamento público. Teria
esta maioria (97%) todas as razões para vir manifestar-se
ruidosamente contra o Governo, por indecente favorecimento de uns
poucos – sendo talvez instrutivo saber quem são eles, esses menos
de 3% de colégios privados. E também nós, cidadãos contribuintes,
deveríamos protestar com igual veemência por utilização abusiva,
ilegítima e danosa do nosso dinheiro.
O problema é sério e preocupante, por isso termino com um momento de humor retirado daqui
domingo, 29 de maio de 2016
"E se parássemos para pensar?": Não, não tem esse direito.
A jornalista Teresa de Sousa escreveu para o jornal Público de hoje um excelente artigo sobre a discussão, que nem devia ser discussão, do financiamento público a algunas escolas privadas e cooperativas, a que deu o título "E se parássemos para pensar?". Reproduzo abaixo uma parte substancial dele pela clareza da informação que presta e pelos argumentos a que recorre.
1. Há quinze dias, Manuela Ferreira Leite disse no seu comentário na TVI que não percebia qual era o problema da “guerra” entre os colégios privados subsidiados pelo Estado para suprir falhas do ensino público e a decisão do Governo de dispensar alguns.
Como o que disse ia contra a corrente, não sei se o seu pensamento ficou absolutamente claro. Mas é a mais pura das verdades que, mesmo assim, não impediu uma polémica em que já ninguém sabe exactamente o que está em causa. Se uma questão ideológica sobre a melhor forma de garantir a educação para todos (Estado ou a compra de serviços a privados) ou uma mera questão de interpretação da lei.
O ruído foi deixando o essencial de fora. Basta estar atento aos cartazes que aparecem nas manifestações para perceber que há nisto tudo uma enorme confusão. “Pago impostos, tenho direito a escolher a escola dos meus filhos”, resume perfeitamente a confusão instalada no debate.
Não. Não tem esse direito. Os impostos que pagamos são para manter um ensino público que garanta da melhor forma possível um princípio base das democracias europeias: a igualdade de oportunidades.
Sabemos que a realidade não permite cumprir totalmente este princípio, porque nele interferem problemas de discriminação social difíceis de resolver. Mas também sabemos que até se provar o contrário esta é a melhor forma de manter esse princípio.
Qualquer família é livre de escolher a escola dos filhos: pública e, portanto, gratuita; privada e, portanto, pagando as propinas devidas (...).
Vai restar alguma coisa desta gritaria sobre as escolas privadas que o Estado vai deixar de financiar? Duvido (...).
2. A direita, com toda a legitimidade, inoculou no debate as suas ideias sobre o Estado, segundo as quais é preciso garantir o serviço, mas não o seu fornecimento, que pode ser integralmente privado.
É uma velha ideia que até pode parecer apelativa mas que, por alguma razão, ainda não foi levada até ao fim por nenhuma democracia europeia ou, sequer, nos EUA.
Qual seria a escola privada que estaria em condições de prestar o serviço de uma escola pública, por exemplo, num dos bairros mais pobres dos arredores de Lisboa, onde muitos dos alunos são de origem africana? Já fui a uma dessas escolas para falar da Europa e saí de lá com uma admiração enorme por quem a dirige e por quem lá ensina.
Poderiam ir todos inscrever-se no São João de Brito com as propinas pagas pelo Estado? Sabemos a resposta.
Essa liberdade de escolha de que tanto se fala esbarra com a vontade dos colégios privados e com profundas desigualdades sociais. O Estado teria de superar essa falha privada, abrindo as portas a serviços públicos feitos apenas para os pobres. Resultado? Teríamos de ir até outros continentes menos desenvolvidos para os encontrar.
Finalmente, os rankings mostram-nos que escola privada não significa melhor qualidade. Há de tudo (...).
3. Vale a pena olhar para o que se está a passar na Suécia, um país que já tinha escolaridade obrigatória no final do século XIX e que, com os outros nórdicos, era dado como um exemplo de sucesso na educação.
O que hoje se sabe é que a Suécia caiu drasticamente nos rankings do PISA, obrigando a sociedade a fazer um grande debate sobre o que aconteceu. Pode haver muitas razões, mas uma delas está a merecer a máxima atenção.
Nos anos 90, o sistema foi reformado de alto a baixo, transferindo para as escolas privadas a totalidade do ensino, devidamente financiado pelo Estado. São as chamadas free schools(escolas privadas financiadas directamente aos alunos, que podem escolher a que quiserem), que o anterior Governo britânico (liderado por Cameron) andou a estudar in locopara seguir o mesmo caminho, mas que agora os resultados suecos estão a pôr em causa.
No Reino Unido, as free schools que já foram criadas não podem gerar lucro (e não consta que a cultura britânica tenha horror a tal coisa). Na Suécia podem. Dizia o ministro da Educação sueco, há já algum tempo, ao Guardian, que não haveria uma única causa para o fracasso, mas uma combinação que “ajudou a fragmentar o sistema escolar” e abriu as portas a uma maior desigualdade. “O sistema escolar não é um mercado em que cada um tem as mesmas possibilidades e a mesma informação”, disse ele. “Verificou-se que alguns pais, os mais educados e com maiores recursos, são quem tem a possibilidade de exercer a escolha”.
Estamos a falar de um país muito rico e muito educado.