Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Peripécias...


Vou fazer um breve interregno no “silêncio” que dura já há mais de um mês. E digo breve, porque parto amanhã para férias.
No dia 15 de julho, terça feira,  fomos para a “minha aldeia” e, como é habitual, levámos alguns netos, desta vez o José e a Marta.
Estava previsto irem todos mas o Bernardo, muito ligado à mãe, à última hora desistiu. A irmã, que já há 9 anos era companhia infalível, não quis deixar o irmão. Ficou previsto que na sexta, dia 18, os pais iriam levá-los e ficariam então os quatro connosco.
Mas o “diabo teceu-as”.
Durante o dia de quarta feira os miúdos brincaram, eu e eles fomos à mini piscina (aproveitamento do antigo lagar de vinho) e consegui que a minha neta (vai fazer 4 anos) ganhasse algum à vontade com a água. Após o jantar fomos ao parque infantil da aldeia e ao regressar senti uma dor muito aguda no peito e muita dificuldade em respirar. Não comentei o caso e no dia seguinte, quinta-feira, acordei bem. Fomos à vila (Alfândega da Fé) nomeadamente à Biblioteca e enquanto o José foi jogar no computador (limite de tempo 30 min), a Marta foi para a secção infantil brincar com outras crianças com as quais interagiu como se as conhecesse desde sempre.
Era feira na Vila pelo que ainda demos uma voltinha na feira e regressámos à aldeia.
À tarde o meu marido foi à outra aldeia, Adeganha, no concelho de Moncorvo (há dois anos, por morte do irmão, herdou ali uma casa, tipo senhorial, bastante degradada no interior) para continuar a tarefa ciclópica de organizar e eliminar “tralhas” pois o meu cunhado era comprador compulsivo e é indescritível o caos que encontrámos. 
Só para dar uma ideia, deixo uma imagem de um dos compartimentos, mas em qualquer outro a situação era idêntica.


Voltei com os miúdos para a “piscina” e continuaram os progressos da Marta. Quando saí da piscina senti novamente a dor e a falta de ar mas imaginei que, tal como acontecera na véspera, iriam passar em breve.
De noite a dor e a falta de ar tornaram-se frequentes. Mudei de quarto para não acordar o meu marido mas passei mal a noite pelo que, no dia seguinte, sexta feira,  contei o que se estava a passar e fui ao serviço de urgência em Macedo de Cavaleiros.
Numa radiografia aos pulmões foi detectada uma pneumonia. Teria que fazer umas análises para se poder decidir se teria que ficar internada. Estive 5 horas na urgência e o meu marido lá teve que “aguentar” com os dois netos, os mais irrequietos dos quatro. Felizmente não tive que ficar internada. Nesse dia chegariam os outros dois netos com os pais bem como o pai do José e da Marta (a mãe ainda está na Argentina, num projeto de investigação). Chegaram, não para deixar os netos que “faltavam” mas para  levar os que estavam...
Ficaram até domingo e decidiu-se que eu viria para o Porto com eles para ser novamente vista. Fui para a urgência (mais 5 h com os mesmos exames). O diagnóstico foi confirmado, a medicação foi aumentada. O médico fez um relatório circunstanciado e no dia seguinte, segunda feira,  fui ao médico de família com o processo. Mais um reforço de antibióticos...De acordo com o médico de família,  decidi regressar ao Nordeste, não para a minha aldeia, mas para a do meu marido, que é mais tranquila e para onde ele se mudou logo que eu lhe comuniquei a decisão. Ao fim do dia ainda consegui apanhar o comboio (o meio de transporte de que mais gosto) para o Pocinho onde ele me foi buscar. Na viagem, a beleza inigualável do Douro...
Quando fomos para a minha aldeia levámos o gato, como é habitual no Verão. Só que não nos lembrámos que era a festa da aldeia. Uma barulheira infernal (um conjunto a emitir ruídos porque não àquilo não se pode chamar música) com um nível sonoro muito acima daquele que é tolerável. Já no ano passado aconteceu o mesmo e o gato ficou simplesmente histérico. Neste ano ficou de tal modo assanhado que se atirava às pessoas pelo que o meu marido não o conseguiu levar.
Passados dois dias foi buscá-lo e munido de luvas e casaco de couro, tentou apanhá-lo. Por azar o gato conseguiu arrancar-lhe uma luva e mordeu-o em vários locais da mão. Mas conseguiu apanhá-lo e lá foi ele para a Adeganha.
No dia seguinte a mão estava vermelha e com um grande edema.  Desta vez foi ele à urgência  a Alfândega que é a vila que fica mais perto. Foi-lhe de imediato receitado um antibiótico e, durante uma série de dias, teve que lá voltar a fazer curativos.
Felizmente eu tinha levado uma série de refeições congeladas, para poder estar mais disponível para os netos e 15 dias antes tínhamos ido lá levar uma velha máquina de lavar louça (estava aqui e foi substituída).
Tendo que descansar o máximo possível, passei o tempo deitada ou sentada, a ouvir música e a ler. Reli “Os velhos marinheiros”e “Farda, fardão, camisola de dormir” de Jorge Amado, “O Evangelho segundo Jesus Cristo” de Saramago, “Miss Esfinge” de Campos Monteiro (livro que tinha lido na adolescência ) e li “Olhos nos Olhos” de J.Machado Vaz e “Fátima desmascarada” de João Ilharco. Também folheei livros sobre vários pintores de que gosto (Klee, Picasso, Chagall, Miró..)e  Arcimboldo 
 que , embora não aprecie, não posso deixar de considerar fabuloso, para a sua época, pois tudo era criado a partir de elementos geralmente naturais como frutos, mas também  livros, etc 


Estava eu “posta em sossego” telefonou-me o pintor e escritor António Afonso,  meu amigo de infância, que está como comissário português de uma exposição internacional que iria  inaugurar  no Museu Abade Baçal em Bragança,  a 4 de Agosto com terminus a 28.


Queria que eu colocasse  lá dois quadros meus. Gostaria de colocar os últimos que fiz, pigmentos naturais sobre sacos de azeitona. Não tinha nada comigo que valesse a pena. A única hipótese era pedir aos meus ilhos que os levassem quando fossem a 2 de Agosto.
Mas era preciso colocá-los em Bragança. Eu tinha que fazer um novo raio X para ver como evoluíra a doença. Lembrei-me então que uma ex- aluna minha, com quem mantenho contacto, estivera como médica em Bragança e tinha ido fazer um estágio no Brasil. Lembrei-me de lhe telefonar para me indicar onde deveria fazer a “vistoria”. Para grande alegria minha, estava de novo em Bragança e de imediato me mandou ir ter com ela ao Centro de saúde. Conciliando com a necessidade de alguém levar os quadros  a  Bragança, marquei a consulta para o dia 4. Assim levaria os quadros e se tivesse o aval médico, iria nesse mesmo dia à inauguração da  exposição.
O meu amigo António Afonso disse não haver problema porque ele reservaria o lugar para os quadros  e assim foi.
No dia 2 chegaram filhos netos, quadros e uma piscina insuflável. Na Adeganha  não há lagar de vinho transformado em piscina, mas há um grande pátio onde a mesma foi instalada





Logo que soube da minha doença a Rita comentou, em jeito de pergunta: Este ano não vai haver teatro, pois não? Respondi : Vamos ver o que se pode arranjar...
Durante os meus repousos lembrei-me de fazer algo muito simples. A casa que o meu marido herdou é uma casarão...O meu cunhado, na fase última da doença, por vezes tinha visões e dizia ter visto antepassados emergirem das paredes. Lençóis brancos eram fáceis de arranjar,  halibut  e talco para “pintar” rostos e cabelos  também.  E assim surgiu uma peça muito simples...
Entretanto dia 4, em  Bragança, fui muito bem atendida pela minha ex-aluna Raquel e equipa. O mal parecia estar debelado. Mandou-me tudo por e-mail para eu enviar ao meu médico de família (de quem a  Raquel foi aluna na Faculdade) que mal recebeu os dados me telefonou confirmando a boa notícia. Assim pude ir à inauguração da exposição que foi precedida de um pequeno buffet para os participantes e respetivos acompanhantes.

Deixo dois  vídeos, fotos de trabalhos da participação portuguesa e algumas fotos da inauguração que podem ver aqui
























Regressando à Adeganha, filhos e netos passavam o dia na piscina e eu assistia da varanda...


Nas horas mortas ensaiámos a peça. 

Noites de terror no casarão
Atores:
1º fantasma- José (8 anos, quase 9)
2º Fantasma-Marta (3 anos, quase  4)
3º Fantasma-Bernardo (5 anos)
4º fantasma-Rita (12 anos)

Os actores, vestidos de fantasmas (lençóis brancos, rosto e cabelos brancos) estão escondidos num quarto  pequeno,  perto da sala grande
Ouvem-se uns sons metálicos macabros,  uivos, arrastar de móveis, chiar de portas...

(Voz da Rita)

Diz a lenda que três pastoras,
enquanto o rebanho guardavam
a vários jogos, jogavam,
mas sempre a mesma ganhava
As outras,  muito zangadas,
decidiram acabar
com aquele maldito azar
Deitaram fogo à terceira
que, mesmo assim na fogueira,
continuava a ganhar
Arde e ganha…. Arde e ganha….
Assim nasceu Adeganha 
onde tudo se vai passar

(voz  do José )

No enorme casarão,
bem no Largo da Lameira,
vagueiam a horas mortas,
por vezes a noite inteira,
uns decadentes morgados
Pobres coitados….          
Atravessam as paredes
e atravessam as portas…. 

(vozes do Bernardo e da  Marta)

Fazem uma barulheira

Ouvem-se novamente os barulhos  e a seguir entra o 1º fantasma com uma bengala

Vivo aqui há duzentos anos,
sempre agarrado à muleta,
infelizmente sem cheta.
Isto não estava em meus planos

Sai.

(Todos)
Uuuu      uuuuuu    uuuuu

Ouvem-se novamente os barulhos  e entra o 2º fantasma 

Ainda sou fantasminha
Neste casarão, só gosto da cozinha…

(vozes)
Ah    Ah   Ah…

Ouvem-se novamente os barulhos  e entra o 3º fantasma 

Claro, tu só pensas em comer

(vozes)

Ah    Ah   Ah…

2º fantasma
 
E não

3º fantasma 

E sim

2º fantasma
 
E não

3º fantasma 

E sim

(Novamente os barulhos e entra de novo o 1º fantasma  com a bengala)

Calem-se  fedelhos.
Respeitem os fantasmas mais velhos

(vozes)
Ah    Ah   Ah…

Novamente os barulho e entra o 4º fantasma

Mas quem manda aqui sou eu,
ouviste velho morgado?
Quero tudo sossegado
acordei com a discussão.
Todos fora do casarão

Os outros 3 fantasmas  em coro

Não te zangues com a malta.
Não te zangues, por favor.
Todos nós fazemos falta
para as noites de terror
neste velho casarão.

4º fantasma 

Tendes  razão , podeis ficar,
mas hoje é tarde de mais
e a farra terminou.
Ide deitar que eu já vou.
Amanhã haverá mais…


Como sempre terminámos com um RAP

No enorme casarão, uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu, vagueiam a horas mortas
por vezes a noite inteira, uns decadentes morgados. Pobres coitados….  
       
Atravessam as paredes e atravessam as portas…. 
Fazem uma barulheira   uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

Mas não se assustem senhores. Vamos contar um segredo.
Um até já está gágá, tem as costas meias tortas e  anda sempre  com muleta.

Dos outros, dois são pequenos, e o mandão é uma  treta.
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

São fantasmas mais ou menos, não vale a pena ter medo.

Boa noite meus senhores.Vão dormir, já não é cedo.


Um dia, ainda antes da representação,  fui  dar  com a Marta e o Bernardo num dos quartos a ensaiarem, por  livre iniciativa,  as suas “falas”
Uma ternura...
A peça  foi apresentada no a 7 de Agosto, dia  do aniversário do meu filho Miguel.

Foto tirada no fim do espetáculo. A Marta já despira o fato de fantasma... 

Filhos e netos regressaram a 9 e nós a 10.
Dia 11 fui ao pneumologista, fiz provas funcionais respiratórias e tive “permissão” de ir à China destino que o meu marido escolhera e que era um dos seus  grandes sonhos ....Quando me foi diagnosticada a pneumonia, foi-me dito que ir ou não, dependia da evolução da doença.
A muito custo eu e os filhos conseguimos convencê-lo a ir mesmo que eu não pudesse. Ficou a aguardar, ansioso, todo este tempo.
Partimos amanhã.