Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


domingo, 24 de fevereiro de 2013

Favoritos...

Tenho sempre alguma dificuldade em responder quando a questão se prende com o meu favoritismo relativamante a um escritor/compositor/pintor, etc. Ocorrem-me sempre vários...
Hoje escolhi alguns de entre esses "vários": o poeta Mário Quintana, o pintor Paul Klee, o compositor Brahms.
Poema
Oh ! aquele menininho que dizia
"Fessora, eu posso ir lá fora?"
mas apenas ficava um momento
bebendo o vento azul ...
Agora não preciso pedir licença
a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem
lá fora: somente cimento.
O vento não mais me fareja a face
como um cão amigo ...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.


Poema da gare de Astapovo
 
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!


Bem-Aventurados
Bem-aventurados os pintores escorrendo luz
Que se expressam em verde
Azul
Ocre
Cinza
Zarcão!

Bem-aventurados os músicos...
E os bailarinos
E os mímicos
E os matemáticos...
Cada qual na sua expressão!

Só o poeta é que tem de lidar com a ingrata linguagem alheia..
A impura linguagem dos homens



A seguir a dança húngara nº 5 de Brahms  e "As portas de Kairouan" de Paul Klee



 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Momentos de magia


Na segunda feira estive no Colégio de Nossa Senhora da Bonança, em Gaia. Já lá tinha estado no ano letivo anterior, mas desta vez foi com os mais pequeninos (dos três aos cinco anos).

Como é possível que crianças tão pequenas aguentem 45 min sempre com os olhitos muitos vivos? As experiências muito simples que eu fiz, para eles foram autênticas  magias, que tentavam explicar  com uma ingenuidade comovedora. Creio que os momentos que elas me proporcionaram foram ainda  mais mágicos que os por mim proporcionados...

Ficaram de me enviar fotos. Se isso acontecer, colocarei uma nova mensagem.
 
Termino com o  poema Primeiro dos "Poemas da Infância" de Manuel da Fonseca (in Poesias Completas)

Uma tarde,
o Tóino
chegou ao largo
com um vidro extraordinário.
Segurava-se
entre o polegar e o indicador,
virado para o sol,
e do outro lado
chispavam as sete cores do arco-íris!
E nós,
em volta,
esquecidos do jogo do pião!...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Das artes plásticas à música e não só...

Hoje à tarde fui ver a exposição Reparos/olhares de Manuela Taxa no espaço mulfifuncional G`S Collection 8 (Avenida da Boavista 1521).
Trata-se de uma interessante coleção  de óleos, um deles  usado no convite.


De seguida fui ver, no espaço EDP, a exposição The Time Machine de Edgar Martins, de que deixo alguns dados



 
 
 
Como estava ao lado da Casa da Música decidi ir até ao bar da mesma e calmamente fui vendo o programa para todo o ano de 2013
Uma das obras  anunciada é A grande porta de Kiev de Mussorsky. Refiro esta obra porque, curiosamente, tenho-a ouvido nos últimos dias. Faz parte da obra Quadros de uma Exposição do referido compositor
Quadros de uma Exposição é uma peça (suíte) escrita para piano por Modest Mussorgsky em junho de 1874. Viktor Hartmann, arquiteto e pintor, grande amigo de Mussorgsky, havia falecido recentemente (1873) aos 39 anos de idade. Em março de 1874, estava acontecendo uma exposição de seus quadros em uma galeria de São Petersburgo. Após visitá-la, o compositor resolveu prestar uma homenagem ao amigo. Escolheu dez dentre os quadros expostos e compôs uma música para cada um deles. Uniu através de um tema comum (“Promenade”) as várias partes da peça. As músicas exploram a corrente folclórica russa e o estilo de piano é inovador em sua austeridade e ausência de tessitura(...)


Entre os quadros escolhidos encontra-se A grande porta de Kiev


 
Por fim, passei pela Book House no Brasília que continua a ter à porta uma mesa com livros em saldo. Comprei um, do qual deixo um poema.
 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Elegia


Num dos meus projetos a aguardar publicação, um dos poemas é o que segue. Lembrei-me dele a propósito de um vídeo que, tendo como fundo musical a suite nº 1 da obra  Peer Gynt de Grieg, nos propõe uma reflexão sobre a nossa relação com o planeta.

Elegia


Como cantar-te terra?

Uma ode?

Um hino de alegria?

Um poema de amor?

Talvez seja melhor compor uma elegia

que possa ressoar em sintonia

com esse teu grito de tristeza e dor.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Não deixes para amanhã...



Chamava-se Rosalina e tinha 75 anos. Trabalhou muitos anos em casa dos meus pais.

Quando passava à minha porta, na aldeia, cumprimentava-me sempre com o mesmo comentário. Ai que saudades tenho do tempo em que aqui trabalhava.
Nos últimos anos deslocava-se já com muita dificuldade.  No verão passado não a vi. Uma sobrinha informou-me que já quase não saía de casa, devido às dificuldades de locomoção.

Decidi ir visitá-la. Estava no fim das minhas férias e fui adiando a  visita, por um ou outro motivo. Ainda há dias tinha dito aos meu marido: quando for à Parada tenho que ir visitar a Rosalina. Agora é tarde demais. Soube há pouco que a Rosalina morreu ontem,  aos  75 anos de idade.

Ao abrir o blogue Alfândega da Fé... Noticias de cá e de lá deparei com a notícia.


Uma mulher de 75 anos morreu, este sábado, na sequência de "queimaduras graves" provocadas por uma queda na lareira de sua casa, em Parada, Alfândega da Fé.

 
De imediato liguei para a aldeia. Foi a Rosalina, disseram-me.

 
Fiquei triste. Sei que ela teria ficado muito satisfeita se eu a tivesse ido visitar.

Lá diz o ditado: Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje...

 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Não podemos esquecer que a sociedade é feita de pessoas

Publicado já em 5/12, mais um texto que merece ser lido


Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres
humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos
ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família.
Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um
mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.
Pedro Afonso
Médico psiquiatra

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Complemento oblíquo....


Há dias, quando acompanhava a minha neta mais velha nas tarefas dos TPC, deparei com os complementos oblíquos...
Hoje tomei conhecimento deste texto, imperdível, de Teolinda Gersão, datado de 11/06/2012. 


Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.
Aqui ficam,
e espero que vocês também se divirtam. E depois de rirmos espero que nós, adultos, façamos alguma coisa para libertar as crianças disto.

Redacção Declaração de Amor à Língua Portuguesa

Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: no ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, “em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito. “O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. “Bonita” é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar, etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum,o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,
e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: “Algumas árvores secaram”, “algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado, se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela,
subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo vistos, no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português,
que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou: a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens,ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve redação.O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: “Ó João, onde está a tua gramática?” Respondo: “Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.”
João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).


Teolinda Gersão

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Nostalgia da infância

Ultimamente, todos os trabalhos que tenho produzido na pintura têm por suporte antigos sacos usados na apanha da amêndoa e da azeitona. Descobri-os no Verão  na adega da casa que foi de meus pais e que há anos tento organizar no sentido de ali criar um pequeno museu (só para uso familiar...). Neste blogue já referi várias vezes esse projeto.
A amêndoa e a azeitona eram os principais produtos da aldeia, por isso muitas atividades estavam relacionadas com o tratamento das árvores, amendoeiras e oliveiras, bem como da apanha e posterior tratamento dos frutos. Nos livros  tenho dedicado  textos a este tema. Deixo aqui alguns
 

Tempos agrestes


Eram tempos agrestes

quando da azeitona ou da amêndoa,  a apanha.

Era o vento  cieiro que vinha de Espanha

uma brisa seca, cortante,  gelada

que gretava a pele já de si curtida,

era a soalheira que encardia o rosto  no  ateado Agosto

Eram tempos agrestes

de fugas para França e de passadores 

de silêncios pesados,  de densos suores

que  iam  desgastando  dia a dia a vida

qual  roupa delida já de tanto usada.

Eram tempos agrestes

grávidos  de sol, de frio e  de nada.
 


Quando passo num amendoal, após o verão,

sinto um misto de nostalgia e emoção

ao ver a amêndoa abandonada nas árvores e no chão.

Outrora significou   prosperidade  e eram guardados  os amendoais

para garantir que  os rebusqueiros não rebuscavam demais,

que rebuscavam só no chão, à claridade,  só de dia e não ao lusco-fusco.

Hoje, já ninguém anda ao rebusco.

No Verão,  sob um sol abrasador, era a apanha.

Hoje fica nas árvores e cai na terra que a arrebanha  e com ela se funde;
 
confundem-se os seus tons.  Da escacha já há muito não se  ouvem sons.

Os escachadores ora em uníssono, ora desfasados, habilmente manejados 

com gestos secos, certeiros e breves por mulheres, crianças,  raparigas,

que enchiam o ar de risos e cantigas,  iam partindo a amêndoa, 

sempre cadenciados, deixando o grão intacto ou com mazelas leves, 

enquanto das cascas, o monte  crescia no chão.

Mais tarde, a par da lenha,   na  lareira,  iriam servir para combustão.

O grão ia para sacos de serapilheira. Mais tarde era vendido 

e o seu destino era assim perdido.
 
Aquele que ficava imperfeito,  esbotenado,
 
iria ser, mais tarde,  laminado,
 
misturado com ovos  e açúcar,  nos rochedos
 
cujas receitas eram envoltas em segredos
 
e cuja doçura ocultava a  agrura

de tanta fadiga e de tanto suor. 

Eram a lavra, a limpa, a enxertia, ano após ano um ritual que se cumpria

e quando floriam as amendoeiras, o lavrador contemplava

do cimo das ladeiras  aqueles véus de noiva a perder de vista,

não com o olhar breve de um turista, 

mas com um profundo olhar, cheio de amor.

 Lição

Constava no compêndio que eu tinha que estudar

que o azeite, no essencial,  é um misto de oleína e palmitina

de diferente densidade e ponto de fusão

Falava ainda o meu compêndio em decantação, ponto de inflamação,

porém, ainda antes do compêndio, era bem pequenina e já sabia

que os negros frutos de todo o olival iriam ser esmagados no lagar

para das entranhas o azeite retirar

junto com o alpechim do qual se iria separar

Amargo e negro, o alpechim, iria ser lançado nos infernos[1].

Também antes do compêndio já sabia que em candeias o azeite iria alumiar

e que em gélidos Invernos iria talhar, em duas camadas se iria separar,

a inferior, pastosa,  esbranquiçada, a superior , viscosa, amarelada.

Mas quando criança, também me apercebia que o tão dourado azeite,

à mesa sempre usado com deleite, na malga do pobre não ia ter lugar,

quando muito o azeite das sobras de fritar.

Só que  isso não constava no compêndio.

 in Magnetismo Terrestre

[1] reservatórios para recolha do alpechim

 



(...)De todos os sons, o que mais recordo é o da escacha da  amêndoa.  Foi sempre a tarefa que mais me seduziu. Talvez porque eu tomava parte activa nela. Ainda hoje guardo o meu escachador. Era pequenino, cilíndrico e mais perfeito que qualquer outro. A escacha da amêndoa era feita no pátio de baixo.  Previamente a amêndoa era escabulhada no mesmo pátio e ensacada. Era dos sacos que as escachadeiras (neste trabalho havia essencialmente mulheres) tiravam punhados de  amêndoas que mantinham na mão esquerda. Essas amêndoas eram colocadas, uma de  cada vez, sobre uma cova numa pedra, e fixadas entre o polegar e o indicador da referida mão. Com o  escachador, usado com a mão direita, partia-se a casca da amêndoa deixando o grão, umas vezes intacto, outras  vezes  com pequenas mazelas. O grão ia sendo deitado, primeiro para o avental e,  posteriormente, para sacos. Era bonito ouvir o som dos vários escachadores, umas vezes em uníssono, outras vezes não. Mas o que eu mais gostava de ouvir, eram as conversas, as histórias, as adivinhas, os provérbios, as cantigas com que se iam preenchendo os serões da escacha. Lembro-me de uma noite em que, ao desafio,  se iam dizendo provérbios encadeados.
Ø      No poupar é que vai o ganho .......Grão a grão enche a galinha o papo....... Há quem poupe no farelo e esbanje na farinha.....Vale mais quem Deus ajuda  do quem cedo madruga, .....Deitar cedo e cedo erguer dá saúde  e faz crescer....A conversa é como as cerejas...... Que se comem em Maio ao borralho.
Lembro-me também das adivinhas:
Ø      Alto está,  alto mora, todos o vêem, ninguém o adora....Verde foi meu nascimento, mas de luto me vesti, para dar a luz ao mundo mil tormentos padeci.... Destas e de muitas outras.
Lembro-me ainda de certas conversas e histórias de uma ingenuidade comovedora mas a que na altura achava imensa graça,  como uma contada  pelo   ti Geraldo.  O ti Geraldo era um homem que trabalhava muitas vezes lá para casa. Quando,  por qualquer razão aparecia, a minha mãe perguntava, como é habitual na TERRA:
Ø      Quer uma pinguinha?
Ao que ti Geraldo respondia, de imediato,  sempre da mesma maneira:
Ø      Já que tanto insiste, minha senhora.
Ora a história que o ti Geraldo contou numa sessão da escacha, e que por certo era fruto da sua imaginação, tinha a ver com a festa da Vila. O ti Geraldo contava que para a festa tinham convidado o Bispo. No momento   em que o Bispo entrava na Vila, o  presidente da comissão das festas disse para o mestre da Banda de Música:
Ø      Toque qualquer coisa  homem, não vê que o Sr. Bispo está a  chegar.
Ø      E o que é que quer que toque ?
Ø      Qualquer coisa.
Então ouve-se a banda a  tocar  uma modinha da altura,  que começava assim: “A mim não me enganas tu, a mim não me enganas tu”. Comentava o ti Geraldo:
Ø      Coitado do “home”. “Pori” na altura “num”  se l´ atinou outra.
 In Estórias com sabor a Nordeste

 
A terminar deixo alguns dos trabalhos que referi inicialmente




 



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Pastelaria Serrana


Hoje fui lanchar à Pastelaria Serrana, a que fiz referência aqui no dia 31 de Janeiro. Decidi conversar com a senhora que a dirige, a mesma senhora que é entrevistada na reportagem da  TVI . O estabelecimento está nas mãos da família há 37 anos, pelo que  é muito forte a sua ligação ao mesmo. Conjuntamente com a mãe, passou a dirigi-lo após a morte do pai, há dez anos.

A obra, belíssima como podem  ver na reportagem, precisa de uma intervenção séria mas não parece haver ninguém interessado em preservar este património que a senhora, corajosamente, tenta manter de pé. Sou uma lutadora, disse-me. Talvez com esta divulgação da TVI e outras que serão sempre bem vindas,  haja um incremento apreciável  no movimento.

Hoje, por acaso ou não, a par de outros clientes, estava uma família francesa a lanchar

 
Pedi de empréstimo ao Vitorino a música da leitaria Garrett ,  de que gosto muito.
Alterei os versos que seguem,  adaptando-os para a Pastelaria Serrana (Ver os versos mais abaixo).

Leitaria Garrett dá cá o pé
Ai tira a mão, João,
Da coxa doce,
Já está, antes não fosse...
O Saricoté, foi parar à Marques
Lá pràs Belas-Artes...



Pastelaria Serrana, junto a S. Bento.        
Quem dá a mão, senão         

mais se degrada                          

e importa conservá-la.               
Não vamos deixá-la só à sua sorte,

uma  jóia do Norte....

 

 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Mais uma vez com alunos...



Dia 30, a convite da professora Rosário Martins,  bibliotecária do Agrupamento Abel Salazar, de escolas de S. Mamede de Infesta, estive com alunos de 4º ano das escolas EB/JIda Ermida, EB/JI Padre Manuel de Castro, EB da Igreja Velha e EB da Asprela,  num total de três sessões, duas de manhã e uma à tarde.  Os professores tinham trabalhado com os alunos o livro Pelo sistema solar vamos todos viajar
Rosário Martins é minha conterrânea dado que nasceu e cresceu numa  aldeia do concelho de Alfândega da Fé, Sambade, a que já fiz aqui  referência a propósito do seu Museu Rural. Conheci-a há três ou quatro anos, no âmbito destas minhas  "lides" de escrita para crianças O entusiasmo de Rosário é contagiante pelo que ir às escolas do seu agrupamento constitui um prazer redobrado. Já em anos anteriores tenho feito referência ao trabalho que os professores ali desenvolvem com as crianças. Em todas as sessões sou sempre  surpreendida com textos feitos pelas crianças e /ou dramatizações e/ou montagens de maquetas e /ou intervenções musicais.
Na intervenção musical de uma das escolas, os meninos cantaram e tocaram a Canção das Perguntas de João Loio.
Aqui ficam excertos da letra bem como um endereço onde poderão ouvir a canção (que eu não conhecia)  cantada por outras crianças
 
Que mistério é o Sol,
e a chuva a cair,
e o tempo sempre a passar...

Para onde é que eu vou?
E de onde é que eu vim?
Que mistérios sem par!

....

E lá vai uma noite,
E lá vem mais um dia
e a Terra a girar!

passa um, passam dois,
passam milhões de dias,
e eu sempre a pensar...
Que mistério é o Sol,
e a chuva a cair,
e o tempo sempre a passar...

Para onde é que eu vou?
E de onde é que eu vim?
Que mistérios sem par!
....

E lá vai uma noite,
E lá vem mais um dia
e a Terra a girar!

passa um, passam dois,
passam milhões de dias,
e eu sempre a pensar...
 
Deixo também algumas imagens de  trabalhos (apenas uma amostra pois foram vários) produzidos pelos alunos sob  a orientação dos professores que genericamente trabalham em equipas  multidisciplinares, abrangendo o desporto, a música, o ensino especial , etc




 Os textos acima serviram de base a representações e constam de um "livrinho que me foi oferecido




As imagens anteriores são também retiradas de um outro livrinho, oferecido por outra turma


O Agrupamento tem alunos com necessidades educativas especiais e embora não tivesse tido nenhuma sessão com esses meninos a professora do ensino especial,  com a colaboração deles, fez o raminho acima que me foi oferecido e  em que os elementos brancos representam as mãos das crianças.

Logo que tenha fotos da visita, colocá-las-ei numa mensagem

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Educação, Cultura e Ensino.



A minha amiga Adelaide Pereira enviou-me hoje um artigo de sua autoria, que já foi publicado em 2012  do qual deixo alguns excertos  

Porque não enraizar desde as mais tenras idades, hábitos de conhecimento nas várias áreas do saber, para que a cultura se transforme num gosto e numa necessidade para todos?

Isto é possível. Fui ver ao Rivoli uma peça intitulada “O Grande Musical da Química” inspirada na peça do livro Breve História da Química de Regina Gouveia(…)

(…)Qualquer pessoa de qualquer idade iria achar interessantíssimo. 
Isto fez-me ver como, desta forma, é muito fácil conseguir transmitir conceitos e torná-los acessíveis a qualquer pessoa e idade. Desta forma, desenvolve-se o gosto de aprender(…)

(…)A educação quer seja para a cultura, quer seja para a cidadania ou para a formação do individuo é da responsabilidade e competência da família, da escola, das organizações, do estado e de cada um de nós. Qualquer entidade singular ou colectiva devia estar comprometida

na construção da educação (em sentido lato) das nossas crianças e jovens, para que sejam capazes de adquirirem espírito critico, atento, observador, mas também aberto e contemplativo(…)

(…)Se isto é tão óbvio, porque não se faz muito mais para criar hábitos de leitura nas nossas crianças e jovens? A falta de hábitos de leitura (boa leitura) é, em grande parte, responsável pelo fracasso destes em cultura geral e em língua materna(...)

(...)Não basta falar de grandes pintores, escultores se não se criam hábitos de visita aos museus. O mesmo vale para a boa Música, essa arte para a qual devíamos reservar uns minutos todos os dias(…)

(…)A arte, enquanto manifestação do individuo, traduz as necessidades mais elementares, como tal, as mais essenciais(...)

(…)A poesia, inegável forma de arte, não raras vezes nos transcende e, no entanto, podemos encontrá-la nas coisas mais simples e belas.

(…)Assim pensava, também, António Gedeão(…)que diz num dos seus inúmeros poemas: “ Todo o tempo é de poesia…”

Numa crónica (in Gazeta da Física) com o título A LUA ENTRE A CIÊNCIA E A LITERATURA, escreveu Carlos Fiolhais: … Tenho em mãos uma reedição ilustrada, de apenas cem exemplares, datada de 2006 (do prelo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com introdução de Maria Luísa Malato Borralho). E leio uma engraçada sátira social, com a forma roubada a Os Lusíadas. O argumento é científico: Matemáticos pontos combinando,/ Tendo por base a grande

Astronomia,/ Um Génio, que não tem nada de brando, / Projecta ir ver o Sol, fonte do dia: / Em pejado Balão vai farejando,/ Subindo mais e mais como devia;/ Divisa a Lua, mete-se por ela, / Pasma de imensas cousas que viu nela. Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre.

A Lua, nesta utopia portuguesa, está povoada pelos Lulanos, nome parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à la More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa Lua habitada, ao contrário de Portugal, a justiça funciona: Aqui não há ladrões! Se um aparece. / É logo e sem demora castigado; /Tenha empenhos ou não, ele padece,/ Sofrendo o que na Lei lhe é destinado
Há que fazer justiça a Bocage e a Rodrigues da Costa, por cruzarem a ciência, ou melhor,

a tecnologia, com a arte. Se eles não têm a notoriedade de Kepler e de Poe deviam ter, pelo menos, uma maior notoriedade no vasto espaço da língua portuguesa.
(fim de citação).


Também hoje recebi , via e-mail, um texto de Valter Hugo Mãe  que é como que um complemento do anterior, na medida que fala de professores.Este texto foi publicado em


Autobiografia Imaginária | Valter Hugo Mãe | JL Jornal de Letras, Artes e Ideias | Ano XXII | Nº 1095 | 19 de Setembro de 2012  e pode ser lido aqui
 Deixo também alguns excertos

Os professores


(...)A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria do mundo em que o mundo se tem vindo a tornar.

Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.

Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesses crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo(...)

(...) Dá-me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias.

Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.

As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.


À Adelaide Pereira e a  Valter Hugo Mãe, muito obrigada.