terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Alfândega da Fé, terra de amêndoa
Durante muitos anos, ao falar em amendoeiras em flor era vulgar associá-las ao Algarve. Hoje já se associam à terra quente transmontana. O curioso é que a maior produção de amêndoa se situa há muito, muito tempo, nesta região, nomeadamente em Alfândega da Fé.
A amendoeira é uma das tradicionais culturas de Portugal continental (…),As principais zonas de produção de amêndoa localizam-se nas regiões de Trás-os-Montes e Algarve, com pesos na área total do Continente (média do quinquénio 2001-05) de 60% e 35%, respectivamente
Em 1925 o meu pai foi para o Brasil trabalhar na empresa de um tio (era primo direito da minha avó mas, naquela época e em Trás-os-Montes, era habitual tratar por tios os primos direitos dos pais). Tratava-se de uma grande empresa de exportação e importação. A amêndoa estava entre os produtos comercializados e a mais bem cotada era precisamente a de Alfândega da Fé, o que deixava o meu pai muito orgulhoso
O meu pai ao volante do seu Chevrolet, em 1925 pouco tempo depois de ter chegado ao Brasil
Mas a que propósito me lembrei de falar das amendoeiras em Alfândega da Fé?
O blogue acima sugerido é um óptimo divulgador do concelho no que respeita ao seu património e às suas iniciativas (como o fez muito recentemente com os festejos do Carnaval
Mas voltando às amendoeiras, em breve se cobrirão de flor. O espectáculo ainda hoje é digno de se ver, embora haja muito menos amendoais do que aqueles que existiam na minha infância e adolescência
A propósito das amendoeiras e das suas flores, deixo uma lenda que por certo conhecem, dois poemas meus publicados em Magnetismo Terrestre e uma foto.
Começo pela lenda que encontrei aqui
Há muitos e muitos séculos, antes de Portugal existir e quando o Al-Gharb pertencia aos árabes, reinava em Chelb, a futura Silves, o famoso e jovem rei Ibn-Almundim que nunca tinha conhecido uma derrota. Um dia, entre os prisioneiros de uma batalha, viu a linda Gilda, uma princesa loira de olhos azuis e porte altivo. Impressionado, o rei mouro deu-lhe a liberdade, conquistou-lhe progressivamente a confiança e um dia confessou-lhe o seu amor e pediu-lhe para ser sua mulher. Foram felizes durante algum tempo, mas um dia a bela princesa do Norte caiu doente sem razão aparente. Um velho cativo das terras do Norte pediu para ser recebido pelo desesperado rei e revelou-lhe que a princesa sofria de nostalgia da neve do seu país distante. A solução estava ao alcance do rei mouro, pois bastaria mandar plantar por todo o seu reino muitas amendoeiras que quando florissem as suas brancas flores dariam à princesa a ilusão da neve e ela ficaria curada da sua saudade. Na Primavera seguinte, o rei levou Gilda à janela do terraço do castelo e a princesa sentiu que as suas forças regressavam ao ver aquela visão indiscritível das flores brancas que se estendiam sob o seu olhar. O rei mouro e a princesa viveram longos anos de um intenso amor esperando ansiosos, ano após ano, a Primavera que trazia o maravilhoso espectáculo das amendoeiras em flor.
As flores de amendoeira, antes da Primavera,
cobrem a ladeira como um branco véu
ou como vestes de anjo que se esfumou no céu.
Impressa no código genético a química magia
da ebúrnea cor que recende a nostalgia
Quando passo num amendoal, após o verão,
sinto um misto de nostalgia e emoção
ao ver a amêndoa abandonada nas árvores e no chão.
Outrora significou prosperidade e eram guardados os amendoais
para garantir que os rebusqueiros não rebuscavam demais,
que rebuscavam só no chão, à claridade, só de dia e não ao lusco-fusco.
Hoje, já ninguém anda ao rebusco.
No Verão, sob um sol abrasador, era a apanha.
Hoje fica nas árvores e cai na terra que a arrebanha e com ela se funde; confundem-se os seus tons. Da escacha já há muito não se ouvem sons.
Os escachadores ora em uníssono, ora desfasados, habilmente manejados
com gestos secos, certeiros e breves por mulheres, crianças, raparigas,
que enchiam o ar de risos e cantigas, iam partindo a amêndoa,
sempre cadenciados, deixando o grão intacto ou com mazelas leves,
enquanto das cascas, o monte crescia no chão.
Mais tarde, a par da lenha, na lareira, iriam servir para combustão.
O grão ia para sacos de serapilheira. Mais tarde era vendido
e o seu destino era assim perdido. Aquele que ficava imperfeito, esbotenado, iria ser, mais tarde, laminado, misturado com ovos e açúcar, nos rochedos cujas receitas eram envoltas em segredos e cuja doçura ocultava a agrura
de tanta fadiga e de tanto suor.
Eram a lavra, a limpa, a enxertia, ano após ano um ritual que se cumpria
e quando floriam as amendoeiras, o lavrador contemplava
do cimo das ladeiras aqueles véus de noiva a perder de vista,
não com o olhar breve de um turista,
mas com um profundo olhar, cheio de amor.
Na foto pode ver-se como as novas flores coexistem com as amêndoas da produção anterior, que não foram colhidas .
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Obrigada Regina, é uma grande honra para mim falar da minha linda terra.
ResponderEliminarE agora fiquei a saber mais um pouco sobre a sua familia :).
Um grande beijo.
Já conhecia a lenda das amendoeiras, que relacionava com o Algarve. Na nossa casa havia uma atrás que dava amêndoas no Verão.
ResponderEliminarVi-as lá várias vezes pois o meu Pai era um admirador desta zona e conhecia tudo como as palmas da mão, mesmo na altura em que as estradas eram péssimas, ele desbravava tudo com a minha mãe e levava-nos a reboque.
Nunca as vi em Trás-os-Montes, mas sei que são conhecidas e vivi dois anos em Chaves. Infelizmente nunca me levaram a vê-las e talvez esteja a mentir, não me lembro de as ver, embora tenha passeado bastante para o interior.
É uma flor linda, delicada, gostava de ser capaz de as pintar. Os teus poemas são belos e cheiram a terra.
bjo
Olá Regina
ResponderEliminarO ano passado fui com a UPP dar um passeio pela Terra das Amendoeiras. Este ano vamos outra vez,dias 9 e 1o de Março, mas parece que ainda é cedo.Gostei imenso.
Uma coisa que me entristece muito é que a amêndoa é atualmente uma das grandes riquezas de Portugal,abandonada pela falta de apoio aos agricultores.A Regina exprime-o muito bem nos três primeiros versos do seu poema NOSTALGIA.
Por outro lado a falta e decadência de infra estruturas leva à desertificação do Interior e escassez de mão de obra digna.
Portugal não é um país pobre. É um país adiado. Até quando?
Um beijo, Regina.