quarta-feira, 20 de outubro de 2010
A arquitectura da felicidade
Fui buscar o título desta mensagem, A arquitectura da felicidade a um livro de Alain de Botton de que é feita um resenha na revista on line ComCiência, resenha da autoria de Simone Pallonne e onde se pode ler:
Entre a beleza das obras, a praticidade, a funcionalidade, a representação de ideais, estão algumas das explicações de a arquitetura ser um caminho para se alcançar a felicidade…
Mas voltemos a ComCiência, revista de jornalismo científico, uma das publicações que recebo on-line.
O último número que recebi fala de arquitectura, uma área que é muito do meu agrado, não fora eu mulher, mãe e tia de arquitectos…
O director de redacção da revista é Carlos Vogt (Graduou-se em Letras na Universidade de São Paulo e fez mestrado na Universidade de Besançon, França. Posteriormente doutorou-se em Ciências no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp) que nos brinda sempre com o editoral no início da revista e com um poema no fim (seguem transcrições)
Editorial
O arquiteto, a cidade e o poeta
Como arquitetar planos e não alturas,
fazer a casa ir sem novidade embora,
traçar a linha divisória da porta por-onde e da porta-contra,
juntar vazios que prometem vidas,
as ameaças em desconforto, fora?
É preciso no plano arquitetar o espaço
como se feito de um xadrez de ausências,
que rima oposições fora de compasso
e escala o tempo como um conta-gotas,
que pinga chuvas de concreto e aço.
Eu, sim, gosto da arquitetura nova,
mesmo quando gosto do poeta sem novidade
para dizer que tudo passa e tudo continua
no traço-muro que, se divide os quartos,
junta corredores para assombrar a lua.
A arquitetura do poema educa pela confissão da forma
quem nele vive, neste texto-casa,
vive à espreita, como em partitura,
do livro aberto feito dos silêncios
em que jaz a música para ser leitura.
Nada escapa à intenção do traço,
que por contornos delimita áreas,
que por extornos vão ficando aéreas,
plantam no chão novas geografias,
voam assentadas como doces feras.
Como o pedreiro, ao ajustar o prumo,
assenta as partes que farão do todo
parte outra vez de uma divisão do espaço
que ganha tempo pela permanência
do periódico no que é ilimitado.
A casa em que morou a nossa infância,
território desse país inexistente,
plena de paredes, labirintos e janelas,
revela sob a luz que as corta e queima
a nova paginação de histórias velhas.
Para o arquiteto-pedreiro-engenheiro-construtor
tornar o mundo justo, como lhe quer a poesia,
não é questão de justiça, nem de alegoria,
tampouco um compromisso retórico com a política;
torná-lo justo, dando-lhe justeza,
é considerar que o brutalismo,
que expõe de dentro a sua indústria em manufatura,
cozinha a forma como um depoimento
de que o pesado é leve,
o estendido é ponto,
o ágil é lento.
E a casa que com casas é texto e faz cidade,
não por acréscimo, soma, peças justapostas,
mas por sintaxe de insubordinação,
um dia, máquina de felicidade,
é um signo feito de concreto
que funde na matéria e na imagem
a cidade de fato com o fato de sua imaginação.
Poema final
Meio a meio
Acordou, de manhã, de bem com a vida!
À noite, agradeceu por não ter acontecido
nada que preenchesse o vazio desse sentimento.
Ao ler o editorial,lembrei-me de um poema belíssimo de Eugénio de Andrade, publicado num catálogo sobre a obra do atelier GALP, creio que escrito para o mesmo.
Relações de casas boas e más para juízo dos arquitectos Carlos Loureiro e Pádua Ramos.
(Eugénio de Andrade)
Há casas
cuja beleza começa no projecto;
outras, e são talvez as mais belas,
existem só na cabeça do arquitecto.
.
Há casas feitas à medida do homem,
outras há para andar de bicicleta;
há casas sobre cascatas
onde ao sortilégio da água
se junta a música de Bach.
.
Há casas tão ajustadas
como fato por medida
ou um verso de Cesário,
outras de tão confusas
não viram régua nem esquadro.
.
Há casas de papel, casas de madeira,
casas de palha e de barro;
casas que trepam pelo céu,
casas que cheiram a jasmim do Cabo;
há casas só para dormir
parecidas com um sudário.
.
Há casas onde
habitar é o começar da morte;
há casas de pátios caiados
com varandas para o mar;
casas onde apetece estar sentado
com um gato nos joelhos
e o coração apaziguado.
.
Há casas com recantos para amar,
há outras onde o amor
se faz em cinco minutos
e às vezes já é demais;
há casas como um dedal
e geometria de abelhas,
casas de perfil atento
ao rumor das nascentes e das estrelas.
.
Há casas como um cristal,
casas de luz circular,
casas onde não é possível
ouvir correr o silêncio; há casas
que de casas só têm o nome;
há casas que nem para cães.
.
Há casas tão inteligentes
que não consentem qualquer margem
para luxos e arrebiques,
casas onde a alegria se instala
sem tempo nenhum para a mágoa.
.
Há casas onde o pão é triste
e a roupa mal lavada;
há casas que são um rio, há casas
que são um barco;
outras têm pomares
onde os diospiros ardem;
há casas com terras de vinha e trigo
e muros a toda roda.
Há casas que são um poema
para dar a um amigo.
E porque há sensações associadas às casas, aqui deixo o meu poema Sensações
Sensações
Tem um cheiro inconfundível a minha casa da aldeia
Não sei se é do rosmaninho
que perfuma todo o linho dentro das arcas guardado,
se é da madeira das portas, dos tectos
e do sobrado se é das pratas no lambrim
ou das peças de faiança, são travessas e são pratos,
nas paredes pendurados, se é das peças de mobília,
uma herança de família, não sei se é dos retratos
que às vezes, a horas mortas, falam, sorriem para mim.
Terão perfume as memórias de quando eu era criança?
Terá perfume a lembrança?
Tem um cheiro inesquecível a minha casa da aldeia
Mas não é só o odor, são as cores e são os sons
que vejo e ouço em qualquer lado e em tudo o que me rodeia.
Lembro lágrimas, sorrisos, por vezes já imprecisos.
Lembro sussurros e histórias,
imagens em vários tons, plenas de luz e de cor
ou também acinzentadas baças, sem cor, desbotadas.
Têm cor alguns dos sons, sons e cores têm odor
A minha casa da aldeia cheira a afecto e amor.
Mesmo quando estou distante às vezes,
por um instante, chego a pensar que estou lá,
pois apesar da distância eu sinto aquela fragrância.
Que explicação haverá? Será acção magnética?
Uma interacção eléctrica? Força electromagnética?
Gravítica? Nuclear? Forte ou fraca interacção?
É difícil de explicar pois não há explicaçã que assente só na razão.
Esta estranha sensação tem a ver com o coração.
Um amigo meu, que tem um turismo de aldeia na região do Douro, em colocou este poema nas suas casa, bem como a tradução em inglês que gentilmente me enviou, mas que não consigo encontrar para colocar aqui
E já agora um curiosidade..
O escano que se vê ao lado da lareira fazia parte de um conjunto de escanos da casa dos meus avós paternos. A casa foi comprada por familiares de um antigo feitor, que remodelaram totalmente a cozinha e queimaram os escanos. Também o da fotografia teria igual fim, mas consegui salvá-lo. Disso dou conta no meu livro de Ficção Estórias com sabor a Nordeste
(...)Dias depois, vou com Carlos e os meus filhos visitar a CASA que é agora habitada por um filho do António Joaquim. Quando entro na cozinha, sinto uma angústia terrível. O lar tinha dado lugar a uma moderna cozinha forrada a azulejos. Já não consigo ver mais nada. Ao sair vejo, junto da lenha, um dos escanos. Pergunto pelos outros.
Já foram queimados e esse está à espera.
Peço-lhe que mo venda.
Leve-o que eu só o quero p´ra lenha.
Está agora na cozinha da casa de cima, ou simplesmente da CASA. Sim, porque agora já não tem sentido falar da outra. A CASA é definitivamente esta. O cordão umbilical já tinha sido cortado. Agora recebera a herança da casa mãe.
Entre a beleza das obras, a praticidade, a funcionalidade, a representação de ideais, estão algumas das explicações de a arquitetura ser um caminho para se alcançar a felicidade…
Mas voltemos a ComCiência, revista de jornalismo científico, uma das publicações que recebo on-line.
O último número que recebi fala de arquitectura, uma área que é muito do meu agrado, não fora eu mulher, mãe e tia de arquitectos…
O director de redacção da revista é Carlos Vogt (Graduou-se em Letras na Universidade de São Paulo e fez mestrado na Universidade de Besançon, França. Posteriormente doutorou-se em Ciências no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp) que nos brinda sempre com o editoral no início da revista e com um poema no fim (seguem transcrições)
Editorial
O arquiteto, a cidade e o poeta
Como arquitetar planos e não alturas,
fazer a casa ir sem novidade embora,
traçar a linha divisória da porta por-onde e da porta-contra,
juntar vazios que prometem vidas,
as ameaças em desconforto, fora?
É preciso no plano arquitetar o espaço
como se feito de um xadrez de ausências,
que rima oposições fora de compasso
e escala o tempo como um conta-gotas,
que pinga chuvas de concreto e aço.
Eu, sim, gosto da arquitetura nova,
mesmo quando gosto do poeta sem novidade
para dizer que tudo passa e tudo continua
no traço-muro que, se divide os quartos,
junta corredores para assombrar a lua.
A arquitetura do poema educa pela confissão da forma
quem nele vive, neste texto-casa,
vive à espreita, como em partitura,
do livro aberto feito dos silêncios
em que jaz a música para ser leitura.
Nada escapa à intenção do traço,
que por contornos delimita áreas,
que por extornos vão ficando aéreas,
plantam no chão novas geografias,
voam assentadas como doces feras.
Como o pedreiro, ao ajustar o prumo,
assenta as partes que farão do todo
parte outra vez de uma divisão do espaço
que ganha tempo pela permanência
do periódico no que é ilimitado.
A casa em que morou a nossa infância,
território desse país inexistente,
plena de paredes, labirintos e janelas,
revela sob a luz que as corta e queima
a nova paginação de histórias velhas.
Para o arquiteto-pedreiro-engenheiro-construtor
tornar o mundo justo, como lhe quer a poesia,
não é questão de justiça, nem de alegoria,
tampouco um compromisso retórico com a política;
torná-lo justo, dando-lhe justeza,
é considerar que o brutalismo,
que expõe de dentro a sua indústria em manufatura,
cozinha a forma como um depoimento
de que o pesado é leve,
o estendido é ponto,
o ágil é lento.
E a casa que com casas é texto e faz cidade,
não por acréscimo, soma, peças justapostas,
mas por sintaxe de insubordinação,
um dia, máquina de felicidade,
é um signo feito de concreto
que funde na matéria e na imagem
a cidade de fato com o fato de sua imaginação.
Poema final
Meio a meio
Acordou, de manhã, de bem com a vida!
À noite, agradeceu por não ter acontecido
nada que preenchesse o vazio desse sentimento.
Ao ler o editorial,lembrei-me de um poema belíssimo de Eugénio de Andrade, publicado num catálogo sobre a obra do atelier GALP, creio que escrito para o mesmo.
Relações de casas boas e más para juízo dos arquitectos Carlos Loureiro e Pádua Ramos.
(Eugénio de Andrade)
Há casas
cuja beleza começa no projecto;
outras, e são talvez as mais belas,
existem só na cabeça do arquitecto.
.
Há casas feitas à medida do homem,
outras há para andar de bicicleta;
há casas sobre cascatas
onde ao sortilégio da água
se junta a música de Bach.
.
Há casas tão ajustadas
como fato por medida
ou um verso de Cesário,
outras de tão confusas
não viram régua nem esquadro.
.
Há casas de papel, casas de madeira,
casas de palha e de barro;
casas que trepam pelo céu,
casas que cheiram a jasmim do Cabo;
há casas só para dormir
parecidas com um sudário.
.
Há casas onde
habitar é o começar da morte;
há casas de pátios caiados
com varandas para o mar;
casas onde apetece estar sentado
com um gato nos joelhos
e o coração apaziguado.
.
Há casas com recantos para amar,
há outras onde o amor
se faz em cinco minutos
e às vezes já é demais;
há casas como um dedal
e geometria de abelhas,
casas de perfil atento
ao rumor das nascentes e das estrelas.
.
Há casas como um cristal,
casas de luz circular,
casas onde não é possível
ouvir correr o silêncio; há casas
que de casas só têm o nome;
há casas que nem para cães.
.
Há casas tão inteligentes
que não consentem qualquer margem
para luxos e arrebiques,
casas onde a alegria se instala
sem tempo nenhum para a mágoa.
.
Há casas onde o pão é triste
e a roupa mal lavada;
há casas que são um rio, há casas
que são um barco;
outras têm pomares
onde os diospiros ardem;
há casas com terras de vinha e trigo
e muros a toda roda.
Há casas que são um poema
para dar a um amigo.
E porque há sensações associadas às casas, aqui deixo o meu poema Sensações
Sensações
Tem um cheiro inconfundível a minha casa da aldeia
Não sei se é do rosmaninho
que perfuma todo o linho dentro das arcas guardado,
se é da madeira das portas, dos tectos
e do sobrado se é das pratas no lambrim
ou das peças de faiança, são travessas e são pratos,
nas paredes pendurados, se é das peças de mobília,
uma herança de família, não sei se é dos retratos
que às vezes, a horas mortas, falam, sorriem para mim.
Terão perfume as memórias de quando eu era criança?
Terá perfume a lembrança?
Tem um cheiro inesquecível a minha casa da aldeia
Mas não é só o odor, são as cores e são os sons
que vejo e ouço em qualquer lado e em tudo o que me rodeia.
Lembro lágrimas, sorrisos, por vezes já imprecisos.
Lembro sussurros e histórias,
imagens em vários tons, plenas de luz e de cor
ou também acinzentadas baças, sem cor, desbotadas.
Têm cor alguns dos sons, sons e cores têm odor
A minha casa da aldeia cheira a afecto e amor.
Mesmo quando estou distante às vezes,
por um instante, chego a pensar que estou lá,
pois apesar da distância eu sinto aquela fragrância.
Que explicação haverá? Será acção magnética?
Uma interacção eléctrica? Força electromagnética?
Gravítica? Nuclear? Forte ou fraca interacção?
É difícil de explicar pois não há explicaçã que assente só na razão.
Esta estranha sensação tem a ver com o coração.
Um amigo meu, que tem um turismo de aldeia na região do Douro, em colocou este poema nas suas casa, bem como a tradução em inglês que gentilmente me enviou, mas que não consigo encontrar para colocar aqui
E já agora um curiosidade..
O escano que se vê ao lado da lareira fazia parte de um conjunto de escanos da casa dos meus avós paternos. A casa foi comprada por familiares de um antigo feitor, que remodelaram totalmente a cozinha e queimaram os escanos. Também o da fotografia teria igual fim, mas consegui salvá-lo. Disso dou conta no meu livro de Ficção Estórias com sabor a Nordeste
(...)Dias depois, vou com Carlos e os meus filhos visitar a CASA que é agora habitada por um filho do António Joaquim. Quando entro na cozinha, sinto uma angústia terrível. O lar tinha dado lugar a uma moderna cozinha forrada a azulejos. Já não consigo ver mais nada. Ao sair vejo, junto da lenha, um dos escanos. Pergunto pelos outros.
Já foram queimados e esse está à espera.
Peço-lhe que mo venda.
Leve-o que eu só o quero p´ra lenha.
Está agora na cozinha da casa de cima, ou simplesmente da CASA. Sim, porque agora já não tem sentido falar da outra. A CASA é definitivamente esta. O cordão umbilical já tinha sido cortado. Agora recebera a herança da casa mãe.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Gosto muito de casas....e já vivi em oito diferentes, fruto do trabalho do meu ex- e depois das minhas próprias escolhas. Todas foram diferentes, mas como dizia o meu ex- de todas foi feito um lar. Não sei bem o que ele queria dizer com aquilo, pois infelizmete algumas das casas onde vivi eram muito velhas, frias, despojadas, esquecidas, anos sem um obra, chão sem cor, cozinhas onde não havia água quente com temperaturas de 0º e ainda menos.
ResponderEliminarDe todas tentei fazer um lar, é verdade. Porque lá nos sentimos bem , apesar da falta do essencial.
Vivo numa casa bonita agora. Tenho aqui tudo o que gosto, uma sala bem cosy, onde mesmo sozinha, não me sinto só. Não é uma casa arrumadinha - dessas que fala o poeta, tipo mausoléu, nem uma casa pirosa com azulejos de mau gosto. Aliás, basta-me olhar pela janela para sentir que a casa é linda....só árvores de todos os lados, árvores que vão mudando com as estações do ano e a luminosidade dos dias.
Lindos textos estes....Regina.
A arquitectura tem muito a ver com a nossa alma....os objectos mais com o coração.
Bjo
Regina , já para não falar no seu poema que é uma maravilhosa rememoração da sua infância, gostava de, mais uma vez, lhe di zer quanto admiro a sua cultura e o seu espírito de pesquisa que a leva a descobrir e mostrar coisas tão belas.
ResponderEliminarQueria também dizer-lhe que a sua neta é muito linda e dança muito bem.
Tive pena de não ter ficado, ontem, até ao fim, mas ando aqui numa luta com a minha Internet, a minha televisão e o meu telefone portátil. Mudei umas coisas e agora a adaptação está a ser difícil.
Mas com algum tempo lá estabilizarei.
Um beijo.
Que delicia estes poemas que falam de algumas formas vida, a reflectir!...
ResponderEliminarObrigada por partilhar, tão generosamente, o seu pequeno grande mundo falando das coisas que vive de forma tão simples e poética!...
Adelaide Pereira
Respondo de Setúbal, de passagem para o Algarve onde vou estar segunda e terça a convite de escolas.
ResponderEliminarEstou em casa de uma amiga de infância, sinto-me em casa...(já que falámos de casas).
Ela é pintora e um dia destes vou pôr algumas obras suas no blogue
Um beijinho às três
Regina