quinta-feira, 29 de julho de 2010
Raízes
Amanhã parto para férias, para o meu rincão transmontano, onde tenho raízes.
Boas férias para todos.
Raízes
As minhas raízes estão em íngremes ladeiras, em terras de xisto,
onde crescem amendoeiras, carrascos, sobreiros, oliveiras,
e onde o sentir é outro, mais profundo.
Como que em busca da certeza de que existo,
gosto de vaguear pelas ladeiras, sentindo rumorejar o rio ao fundo
(in Magnetismo Terrestre)
Ilusão
Em pleno estio os meus olhos vagueiam na ladeira
que exulta em cor, em cheiro e em sons
que me afloram o ouvido, subtis
Os meus olhos vagueiam na ladeira
exuberante em todos os seus tons
tecendo à minha volta mil ardis
É o amarelo das searas,
das oliveiras, o verde prateado,
dos troncos dos sobreiros o tom acastanhado,
mais além um outro verde, das figueiras.
Pobres figueiras em terras tão avaras,
avaras de água, que não de encantamento
que esse de há muito me há a mim tomado
enquanto dolente passa o vento
que agita os ramos das amendoeiras.
Os meus olhos vagueiam na ladeira
em pleno estio e sinto um arrepio
Lá em baixo serpenteia preguiçoso o rio
e o céu, por cima, dum azul sem fim,
parece olhar para mim.
Sinto no ar toda uma fragrância
e volto sem querer à minha infância
de sonhos que nunca mais foram sonhados.
Amoras, mel, uvas e mosto de repente sinto-lhes o gosto
Tudo se repete agora e logo, de onde em onde.
Cigarras, besouros, libelinhas, gaviões, pardais e andorinhas,
urze, giesta, papoilas e tomilho, tudo se agita; é grande a euforia
nos meus pensamentos enredados, grávidos de sonho e fantasia
que parecem gerar como que um filho, envolto em tule, rendas e brocados.
Afaga-me uma onda de alegria matizada de muita nostalgia,
aproxima-se a noite, ao fim do dia.
No ocaso, o sol vermelho já se esconde, porém, já lá não está, é ilusão!
Ainda o vemos devido à refracção
(in Magnetismo Terrestre)
Sensações
Tem um cheiro inconfundível a minha casa da aldeia
Não sei se é do rosmaninho que perfuma todo o linho
dentro das arcas guardado, se é da madeira das portas,
dos tectos e do sobrado se é das pratas no lambrim
ou das peças de faiança, são travessas e são pratos,
nas paredes pendurados, se é das peças de mobília
uma herança de família, não sei se é dos retratos
que às vezes, a horas mortas, falam, sorriem para mim.
Terão perfume as memórias de quando eu era criança?
Terá perfume a lembrança?
Tem um cheiro inesquecível a minha casa da aldeia
Mas não é só o odor. São as cores e são os sons
que vejo e ouço em qualquer lado e em tudo o que me rodeia.
Lembro lágrimas, sorrisos, por vezes já imprecisos.
Lembro sussurros e histórias imagens em vários tons
plenas de luz e de cor ou também acinzentadas
baças, sem cor, desbotadas.
Têm cor alguns dos sons. Sons e cores têm odor
A minha casa da aldeia cheira a afecto e amor.
Mesmo quando estou distante às vezes, por um instante,
chego a pensar que estou lá, pois apesar da distância
eu sinto aquela fragrância.
Que explicação haverá?
Será acção magnética? Uma interacção eléctrica?
Força electromagnética? Gravítica? Nuclear?
Forte ou fraca interacção?
É difícil de explicar pois não há explicação
que assente só na razão.
Esta estranha sensação tem a ver com o coração.
(in Reflexões e Interferências)
Andante
Em Agosto, o sol rubro ao poente
antecipando um dia muito quente
e o alegre canto da cigarra
que a morna brisa acalentava,
faziam o poema.
Em Novembro, as cores outonais
das folhas, bailarinas surreais
que caídas no fim do seu tempo
bailavam ao sabor do vento,
faziam o poema.
Em Dezembro, o crepitar da lareira
e o manto branco na ladeira,
emprestando um ar de fantasia
a um natal pleno de magia,
faziam o poema.
Em Maio, o campo com seu ar de festa
exalando um subtil odor a giesta
e o rubro das papoilas nas searas,
contrastando com tímidas flores claras,
faziam o poema.
O poema estava ali,
não precisava de palavras.
(não publicado mas classificado em 1º lugar num concurso promovido em 2009 pela CMMogadouro)
A terminar deixo-vos com Eugénio de Andrade, em "Canção breve" , com Carlos do Carmo em "Fado da saudade" (de Carlos do Carmo e Fernando Pinto do Amaral) que venceu em 2008 a 22ª edição do prémio Goya para Melhor Canção Original(Palácio dos Congressos, Madrid) e com a obra"Melancolia " de Munch
Canção breve
Tudo me prende à terra onde me dei:
o rio subitamente adolescente,
a luz tropeçando nas esquinas,
as areias onde ardi impaciente.
Tudo me prende do mesmo triste amor
que há em saber que a vida pouco dura,
e nela ponho a esperança e o calor
de uns dedos com restos de ternura.
Dizem que há outros céus e outras luas
e outros olhos densos de alegria,
mas eu sou destas casas, destas ruas,
deste amor a escorrer melancolia.
Eugénio de Andrade
Fado da Saudade
Boas férias para todos.
Raízes
As minhas raízes estão em íngremes ladeiras, em terras de xisto,
onde crescem amendoeiras, carrascos, sobreiros, oliveiras,
e onde o sentir é outro, mais profundo.
Como que em busca da certeza de que existo,
gosto de vaguear pelas ladeiras, sentindo rumorejar o rio ao fundo
(in Magnetismo Terrestre)
Ilusão
Em pleno estio os meus olhos vagueiam na ladeira
que exulta em cor, em cheiro e em sons
que me afloram o ouvido, subtis
Os meus olhos vagueiam na ladeira
exuberante em todos os seus tons
tecendo à minha volta mil ardis
É o amarelo das searas,
das oliveiras, o verde prateado,
dos troncos dos sobreiros o tom acastanhado,
mais além um outro verde, das figueiras.
Pobres figueiras em terras tão avaras,
avaras de água, que não de encantamento
que esse de há muito me há a mim tomado
enquanto dolente passa o vento
que agita os ramos das amendoeiras.
Os meus olhos vagueiam na ladeira
em pleno estio e sinto um arrepio
Lá em baixo serpenteia preguiçoso o rio
e o céu, por cima, dum azul sem fim,
parece olhar para mim.
Sinto no ar toda uma fragrância
e volto sem querer à minha infância
de sonhos que nunca mais foram sonhados.
Amoras, mel, uvas e mosto de repente sinto-lhes o gosto
Tudo se repete agora e logo, de onde em onde.
Cigarras, besouros, libelinhas, gaviões, pardais e andorinhas,
urze, giesta, papoilas e tomilho, tudo se agita; é grande a euforia
nos meus pensamentos enredados, grávidos de sonho e fantasia
que parecem gerar como que um filho, envolto em tule, rendas e brocados.
Afaga-me uma onda de alegria matizada de muita nostalgia,
aproxima-se a noite, ao fim do dia.
No ocaso, o sol vermelho já se esconde, porém, já lá não está, é ilusão!
Ainda o vemos devido à refracção
(in Magnetismo Terrestre)
Sensações
Tem um cheiro inconfundível a minha casa da aldeia
Não sei se é do rosmaninho que perfuma todo o linho
dentro das arcas guardado, se é da madeira das portas,
dos tectos e do sobrado se é das pratas no lambrim
ou das peças de faiança, são travessas e são pratos,
nas paredes pendurados, se é das peças de mobília
uma herança de família, não sei se é dos retratos
que às vezes, a horas mortas, falam, sorriem para mim.
Terão perfume as memórias de quando eu era criança?
Terá perfume a lembrança?
Tem um cheiro inesquecível a minha casa da aldeia
Mas não é só o odor. São as cores e são os sons
que vejo e ouço em qualquer lado e em tudo o que me rodeia.
Lembro lágrimas, sorrisos, por vezes já imprecisos.
Lembro sussurros e histórias imagens em vários tons
plenas de luz e de cor ou também acinzentadas
baças, sem cor, desbotadas.
Têm cor alguns dos sons. Sons e cores têm odor
A minha casa da aldeia cheira a afecto e amor.
Mesmo quando estou distante às vezes, por um instante,
chego a pensar que estou lá, pois apesar da distância
eu sinto aquela fragrância.
Que explicação haverá?
Será acção magnética? Uma interacção eléctrica?
Força electromagnética? Gravítica? Nuclear?
Forte ou fraca interacção?
É difícil de explicar pois não há explicação
que assente só na razão.
Esta estranha sensação tem a ver com o coração.
(in Reflexões e Interferências)
Andante
Em Agosto, o sol rubro ao poente
antecipando um dia muito quente
e o alegre canto da cigarra
que a morna brisa acalentava,
faziam o poema.
Em Novembro, as cores outonais
das folhas, bailarinas surreais
que caídas no fim do seu tempo
bailavam ao sabor do vento,
faziam o poema.
Em Dezembro, o crepitar da lareira
e o manto branco na ladeira,
emprestando um ar de fantasia
a um natal pleno de magia,
faziam o poema.
Em Maio, o campo com seu ar de festa
exalando um subtil odor a giesta
e o rubro das papoilas nas searas,
contrastando com tímidas flores claras,
faziam o poema.
O poema estava ali,
não precisava de palavras.
(não publicado mas classificado em 1º lugar num concurso promovido em 2009 pela CMMogadouro)
A terminar deixo-vos com Eugénio de Andrade, em "Canção breve" , com Carlos do Carmo em "Fado da saudade" (de Carlos do Carmo e Fernando Pinto do Amaral) que venceu em 2008 a 22ª edição do prémio Goya para Melhor Canção Original(Palácio dos Congressos, Madrid) e com a obra"Melancolia " de Munch
Canção breve
Tudo me prende à terra onde me dei:
o rio subitamente adolescente,
a luz tropeçando nas esquinas,
as areias onde ardi impaciente.
Tudo me prende do mesmo triste amor
que há em saber que a vida pouco dura,
e nela ponho a esperança e o calor
de uns dedos com restos de ternura.
Dizem que há outros céus e outras luas
e outros olhos densos de alegria,
mas eu sou destas casas, destas ruas,
deste amor a escorrer melancolia.
Eugénio de Andrade
Fado da Saudade
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Regina, desejo-lhe umas férias tão boas e bonitas como este seu maravilhoso post.
ResponderEliminarUm grande abraço.
Graciete
ResponderEliminarBoas Férias também para si.
Bjs
Regina
Partilhar o que se sabe e desta forma tão inteligente e emotiva é um acto de profunda amizade. É o que sinto quando leio Regina Gouveia em qualquer local que escreva é sempre muitíssimo bom!!
ResponderEliminarUm grande beijo e muito boas férias
Adelaide Pereira