terça-feira, 1 de junho de 2010
Dia da criança
Sob pena de me repetir demasiadas vezes, não dou particular importância aos “Dias “ que, nesta sociedade consumista, se transformaram quase exclusivamente num apelo ao consumismo. Mas dia 1de Junho é a data de nascimento do meu neto mais novo, Bernardo, que faz hoje um ano. Por isso acabei por decidir escrever um texto
A ONU reconhece como Dia Universal das Crianças o dia 20 de Novembro, por ter sido nessa data que, em 1959, foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança.
O dia da criança foi comemorado, pela primeira vez, no mundo inteiro a 1 de Junho de 1950 e em Portugal é esse dia que lhe é dedicado
Um pouco de história...
Ainda na 1ª metade do século XX, grande parte das crianças da Europa não sabia ler nem escrever e vivia em péssimas condições sanitárias. Com a 2ª Guerra Mundial muitos países entraram em crise e as crianças foram as maiores vítimas. Não havia dinheiro, muitas vezes nem para a comida, muitos pais tiravam os filhos da escola e punham-nos a trabalhar, às vezes durante muitas horas e em trabalhos muito pesados.
Em 1946, um grupo de países da ONU começou a tentar resolver o problema. Foi assim que nasceu a UNICEF.
Mesmo assim era difícil trabalhar para as crianças, uma vez que nem todos os países do mundo estavam interessados nos seus direitos. Foi então que, em 1950, a Federação Democrática Internacional das Mulheres propôs às Nações Unidas que se criasse um dia dedicado às crianças de todo o mundo. Este dia foi comemorado pela primeira vez a 1 de Junho desse ano. Com a criação deste dia, os estados-membros das Nações Unidas, reconheceram às crianças, independentemente da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou social o direito a:
- afecto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, protecção contra todas as formas de exploração, crescer num clima de Paz e Fraternidade universais.
Nove anos depois, a 20 de Novembro de 1959, várias dezenas de países que fazem parte da ONU aprovaram a "Declaração dos Direitos da Criança" com um conjunto de princípios que, se fossem cumpridos, permitiriam que todas as crianças do mundo tivessem uma vida mais digna e feliz.
Em 1989, quando a "Declaração" fez 30 anos, a ONU aprovou a "Convenção sobre os Direitos da Criança", um documento bastante completo com um conjunto de leis para protecção dos mais pequenos. Esta declaração é tão importante que em 1990 se tornou lei internacional.
Após esta breve nota, passo a apresentar algumas obras (quadros, poemas e canções relacionados com a infância)
Comecemos com os quadros: As meninas, de Velasquez e a “interpretação” de Picasso
Passemos aos poemas
Infância
Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada...
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo, oh solidão.
E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.
E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia, oh fardo!
E longas horas, junto ao grande tanque cinzento,
ajoelhar-se com um barquinho à vela;
esquecê-lo, porque com iguais
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos,
e ter de pensar no pequeno rosto
pálido que no tanque parecia afogar-se — :
oh infância, oh fugazes semelhanças.
Para onde? Para onde?
Rainer Maria Rilke
Infância
Sonhos
enormes como cedros
que é preciso trazer de longe aos ombros
para achar no inverno da memória este rumor de lume:
o teu perfume, lenha da melancolia.
Carlos de Oliveira
Oh! Aquele menininho me dizia
“Fessora, eu posso ir lá fora”?
Mas apenas fica um momento
Bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
Somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.”
Mário Quintana
Poemas da Infãncia -I
Uma tarde,
o Tóino chegou ao largo
com um vidro extraordinário.
Segurava-se entre o polegar e o indicador,virado para o sol,
chispavam as sete cores do arco-íris!
E nós, em volta, esquecidos do jogo do pião!...
Manuel da Fonseca
Canção Infantil
Era um amieiro.
Depois uma azenha.
E junto um ribeiro.
Tudo tão parado.
Que devia fazer?
Meti tudo no bolso
para não os perder.
Eugénio de Andrade
Certeza
Falavam-nos de heróis e de vilões,
e eram sempre os outros os vilões.
Contavam-nos batalhas e traições,
falavam de epopeias, de façanhas,
de guerras desiguais, mesmo assim ganhas.
A meio da lição,
já eu montava no meu alazão
e uma vezes era D. João,
outras vezes D. Sebastião
ou D. Fernando, morto em Fez,
ou então, D Filipa, a linda Inês,
o Decepado, sempre com a bandeira,
ou ainda Brites, a famosa padeira.
Cresci e desde então não mais sonhei
usar a espada, guerrear, ser realeza.
Passei a confrontar-me com a certeza
que um belo dia nada mais serei
que molécula, átomo ou ião,
mistura de cinza com poeira
provavelmente pisada no chão.
Regina Gouveia
Errância pela infância
Um telhado, uma fachada,
duas janelas, uma porta.
Uma chaminé inclinada, torta,
lançando fumo em direcção ao céu azul
de nuvens brancas salpicado, um céu disputado
por borboletas e aves de grande dimensão.
Um sol amarelo bem raiado e, dispersas pelo chão,
flores de vários cores,
competindo com uma árvore de copa arredondada,
e com uma criança de mão dada com alguém,
provavelmente a mãe.
Este um dos dois desenhos que conservo da infância.
No outro,
uma casa de dois pisos, com telhado,
onde, através da fachada transparente,
se reconhecem facilmente
cozinha, quartos, sala e uma escada,
a estabelecer entre os pisos ligação.
Hoje as crianças,
mesmo as que habitam em torres de betão,
em cidades onde escasseiam árvores, flores, borboletas, aves,
continuam, tal como dantes,
a desenhar fachadas com duas janelas e uma porta,
uma chaminé torta lançando fumo para o céu azul,
onde esvoaçam aves e borboletas gigantes
por entre nuvens brancas e um sol amarelo raiado.
E semeiam no chão flores de várias cores,
árvores de copas arredondadas
e crianças de mão dadas com alguém, a avó, o pai , a mãe…
E em muitos dos desenhos continuam presentes
prédios com fachadas transparentes.
O tempo arrasta consigo inúmeras mudanças
mas não consegue mudar
a espontaneidade das crianças,
a sua fértil imaginação,
o riso cristalino, o brilho no olhar,
o faz de conta, como forma de sonhar,
apanágios de todas as infâncias.
Regina Gouveia
Terminemos com música de José Afonso ( Menino do bairro negro, interpretado por Mariza, Menino d´oiro, interpretado pelo Grupo "Da outra margem" e finalmente Canção de embalar na voz de Zé Afonso)
A ONU reconhece como Dia Universal das Crianças o dia 20 de Novembro, por ter sido nessa data que, em 1959, foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança.
O dia da criança foi comemorado, pela primeira vez, no mundo inteiro a 1 de Junho de 1950 e em Portugal é esse dia que lhe é dedicado
Um pouco de história...
Ainda na 1ª metade do século XX, grande parte das crianças da Europa não sabia ler nem escrever e vivia em péssimas condições sanitárias. Com a 2ª Guerra Mundial muitos países entraram em crise e as crianças foram as maiores vítimas. Não havia dinheiro, muitas vezes nem para a comida, muitos pais tiravam os filhos da escola e punham-nos a trabalhar, às vezes durante muitas horas e em trabalhos muito pesados.
Em 1946, um grupo de países da ONU começou a tentar resolver o problema. Foi assim que nasceu a UNICEF.
Mesmo assim era difícil trabalhar para as crianças, uma vez que nem todos os países do mundo estavam interessados nos seus direitos. Foi então que, em 1950, a Federação Democrática Internacional das Mulheres propôs às Nações Unidas que se criasse um dia dedicado às crianças de todo o mundo. Este dia foi comemorado pela primeira vez a 1 de Junho desse ano. Com a criação deste dia, os estados-membros das Nações Unidas, reconheceram às crianças, independentemente da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou social o direito a:
- afecto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, protecção contra todas as formas de exploração, crescer num clima de Paz e Fraternidade universais.
Nove anos depois, a 20 de Novembro de 1959, várias dezenas de países que fazem parte da ONU aprovaram a "Declaração dos Direitos da Criança" com um conjunto de princípios que, se fossem cumpridos, permitiriam que todas as crianças do mundo tivessem uma vida mais digna e feliz.
Em 1989, quando a "Declaração" fez 30 anos, a ONU aprovou a "Convenção sobre os Direitos da Criança", um documento bastante completo com um conjunto de leis para protecção dos mais pequenos. Esta declaração é tão importante que em 1990 se tornou lei internacional.
Após esta breve nota, passo a apresentar algumas obras (quadros, poemas e canções relacionados com a infância)
Comecemos com os quadros: As meninas, de Velasquez e a “interpretação” de Picasso
Passemos aos poemas
Infância
Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada...
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo, oh solidão.
E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.
E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia, oh fardo!
E longas horas, junto ao grande tanque cinzento,
ajoelhar-se com um barquinho à vela;
esquecê-lo, porque com iguais
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos,
e ter de pensar no pequeno rosto
pálido que no tanque parecia afogar-se — :
oh infância, oh fugazes semelhanças.
Para onde? Para onde?
Rainer Maria Rilke
Infância
Sonhos
enormes como cedros
que é preciso trazer de longe aos ombros
para achar no inverno da memória este rumor de lume:
o teu perfume, lenha da melancolia.
Carlos de Oliveira
Oh! Aquele menininho me dizia
“Fessora, eu posso ir lá fora”?
Mas apenas fica um momento
Bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
Somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.”
Mário Quintana
Poemas da Infãncia -I
Uma tarde,
o Tóino chegou ao largo
com um vidro extraordinário.
Segurava-se entre o polegar e o indicador,virado para o sol,
chispavam as sete cores do arco-íris!
E nós, em volta, esquecidos do jogo do pião!...
Manuel da Fonseca
Canção Infantil
Era um amieiro.
Depois uma azenha.
E junto um ribeiro.
Tudo tão parado.
Que devia fazer?
Meti tudo no bolso
para não os perder.
Eugénio de Andrade
Certeza
Falavam-nos de heróis e de vilões,
e eram sempre os outros os vilões.
Contavam-nos batalhas e traições,
falavam de epopeias, de façanhas,
de guerras desiguais, mesmo assim ganhas.
A meio da lição,
já eu montava no meu alazão
e uma vezes era D. João,
outras vezes D. Sebastião
ou D. Fernando, morto em Fez,
ou então, D Filipa, a linda Inês,
o Decepado, sempre com a bandeira,
ou ainda Brites, a famosa padeira.
Cresci e desde então não mais sonhei
usar a espada, guerrear, ser realeza.
Passei a confrontar-me com a certeza
que um belo dia nada mais serei
que molécula, átomo ou ião,
mistura de cinza com poeira
provavelmente pisada no chão.
Regina Gouveia
Errância pela infância
Um telhado, uma fachada,
duas janelas, uma porta.
Uma chaminé inclinada, torta,
lançando fumo em direcção ao céu azul
de nuvens brancas salpicado, um céu disputado
por borboletas e aves de grande dimensão.
Um sol amarelo bem raiado e, dispersas pelo chão,
flores de vários cores,
competindo com uma árvore de copa arredondada,
e com uma criança de mão dada com alguém,
provavelmente a mãe.
Este um dos dois desenhos que conservo da infância.
No outro,
uma casa de dois pisos, com telhado,
onde, através da fachada transparente,
se reconhecem facilmente
cozinha, quartos, sala e uma escada,
a estabelecer entre os pisos ligação.
Hoje as crianças,
mesmo as que habitam em torres de betão,
em cidades onde escasseiam árvores, flores, borboletas, aves,
continuam, tal como dantes,
a desenhar fachadas com duas janelas e uma porta,
uma chaminé torta lançando fumo para o céu azul,
onde esvoaçam aves e borboletas gigantes
por entre nuvens brancas e um sol amarelo raiado.
E semeiam no chão flores de várias cores,
árvores de copas arredondadas
e crianças de mão dadas com alguém, a avó, o pai , a mãe…
E em muitos dos desenhos continuam presentes
prédios com fachadas transparentes.
O tempo arrasta consigo inúmeras mudanças
mas não consegue mudar
a espontaneidade das crianças,
a sua fértil imaginação,
o riso cristalino, o brilho no olhar,
o faz de conta, como forma de sonhar,
apanágios de todas as infâncias.
Regina Gouveia
Terminemos com música de José Afonso ( Menino do bairro negro, interpretado por Mariza, Menino d´oiro, interpretado pelo Grupo "Da outra margem" e finalmente Canção de embalar na voz de Zé Afonso)
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Regina fiquei maravilhada com o seu extrordinário "post". É lindo , lindo, lindo. Os poemas e as músicas que introduziu são muito bem escolhidos e os seus poemas, como sempre, são óptimos e dizem-mos muito.
ResponderEliminarFoi também com muita alegria que fiquei a saber que o dia 1 de Junho, como Dia Internacional da Criança, resultou de uma proposta da FDIM, Organização a que pertence o MDM de que eu faço parte o qual teve, há pouco tempo, o seu Congresso .
Parabéns para o seu netinho e votos de toda a felicidade do Mundo para ele e todos os seus familiares.
Para si um grande abraço de sincera amizade.
Uma lição sobre as crianças. Um post cheio de fôlego, a contrastar com o do meu blogue, mais visual...
ResponderEliminarMas nós sabemos as duas como é importante ter netos...depois de já termos tido filhos. Não há nada que chegue à imagem da criança de bracinhos estendidos para uma Avó...temos essa sorte, Deus no-la conserve durante muito tempo!
Obrigada, Regina.
Festejemos os dias das crianças sempre.