Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A minha capa inglesa

Abrigo

A minha capa inglesa com setenta anos

abrigou amores, sonhos, desenganos.

Era de meu pai.

Apesar da idade que não se adivinha

ainda me protege da chuva que cai, forte ou miudinha,

e ainda me abriga do frio e do vento.

Só não me protege daquela saudade,

que, qual neve, invade o meu pensamento


Já se passaram dez anos sobre a data em que escrevi este poema. Recordo-o hoje, porque face à chuva e ao vento dos últimos dias, voltei a vestir a minha capa inglesa.

O meu pai foi para o Brasil nos anos 20 do século passado, trabalhar para uma empresa de importação /exportação de um familiar, no Estado de S. Paulo . Começou por ser viajante da empresa. Fazia a linha da Sorocabana, uma linha de caminho de ferro que conduzia a várias cidades do interior do estado.
Habitualmente associamos ao Brasil um clima de temperaturas elevadas esquecendo muitas vezes que no Sul neva. Mas os dias frios não existem apenas no Sul. No interior do Estado de S. Paulo há zonas onde as temperaturas descem abaixo dos 10ºC. Algumas destas zonas faziam parte do itinerário do meu pai, por isso ele adquiriu uma capa inglesa, em lã prensada (como algumas botas russas), quente e impermeável, mas muito pesada. È uma capa muito bonita, cinza-acastanhada, com um forro em lã xadrez em tons de verde e cinza.
Não sei durante quanto tempo o meu pai usou o “trem” para se deslocar mas em 1927 adquiriu o seu Chevrolet. Quanto à capa,não sei se continuou a usá- la nas suas viagens mas  usou-a pelo menos anos mais tarde, não no Brasil mas já em Portugal.
Na década de 50, era eu criança, não havia estrada para a aldeia onde vivia. Apenas um caminho por onde transitavam muito poucos automóveis, um deles o do meu pai. No Inverno era intransitável e para ir à vila, nomeadamente nos dias de feira, o meu pai deslocava-se a cavalo. Invariavelmente cobria-se com a sua capa inglesa. Nesses dias, tal como outras crianças, ia esperar o meu pai ao caminho, já perto da aldeia. Quando nos encontrávamos, ele punha-me em cima do cavalo, e aconchegava-me dentro da sua capa. Esta uma das memórias mais fortes que retenho dele. Após a sua morte demos as suas roupas, mas a capa inglesa ficou. Adaptei-a para mim e ainda hoje a uso em tempos de invernia.


Há cerca de dois anos, a minha irmã, dez anos mais velha que eu, quis ser fotografada com a capa.


Foi pois esta capa que deu origem ao poema com que inicio este texto.
Se à minha mãe devo o gosto pela música, ao meu pai devo o gosto pela poesia. Desde sempre me lembro de ele me ler poesias (Guerra Junqueiro, Camões, Bocage, Camilo…). Sabia que por vezes escrevia poesia. Vinte anos após a sua morte, fui encontrar uma série de poemas seus que a Câmara Municipal de Alfândega da Fé publicou em 2004 sob o título “Poemas Póstumos”.

Termino com um desses poemas


Em sonho vi as estrelas

brilhar extraordinariamente.

Pareceram-me mais belas

nesse cintilar cadente.

4 comentários:

  1. Regina como deve ser linda a sua capa inglesa! E que bem descrita está! Sabe que o meu Pai também era um grande apreciador do Guerra Junqueiro, escrevia poesia e cartas lindíssimas à minha Mãe? Só que eu não herdei essas qualidades. Gosto de ler, gosto de poesia, gosto de música (até aprendi piano),mas nada pratico. Gosto também muito de estudar e aprender, embora me sinta já um poucu cansada.
    Um beijo Regina com toda aminha simpatia.

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  2. Sabes como se diz capa em inglês? CLOAK. É uma palavra de que gosto, soa-me bem. Daí haver os cloakrooms, vestiários nos museus, salas de concertos, restaurantes.

    Gostei dos poemas, ambos têm um sabor a nordeste, embora a capa venha do noroeste!

    Acho que já vi essa capa muitas vezes nos dias invernios do Carolina Michaelis....ou será que estou a sonhar?

    Hoje encontrei o teu marido na Vivacidade. É pena a expo dele acabar, é muito interessante e ele estava muito orgulhoso e com razão.

    Bom fim de semana

    V.

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  3. Gostei muito do poema mas... fascinada fiquei hoje quando a vi chegar à Utopia com a sua belíssima capa. Adorei!!! desde o tecido, ao forro em xadrez miudinho, aos botões, abertura para as mãos, capuz....
    É linda, Regina, e faz muito bem em ter orgulho nela.
    No seu rosto estava estampado o orgulho que tem em a possuir e o bem estar que a dita capa lhe transmitia.
    Parabéns.
    Também quero uma.... ih ih ih
    Teresa

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  4. Graciete
    Cansada? Não se nota pelo empenho com que se envolve nas coisas...

    Virgínia
    É essa capa (the cloak is this ...), sim
    Até amanhã...

    Teresa
    Antes de mais quero pedir-lhe imensa desculpa por só hoje ter feito referência no blogue à sua exposição mas, como sabe, os meus últimos 15 dias foram um pouco atribulados...
    Um dia deixo-a dar uma voltinha com a capa.....


    Um grande beijinho às três

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