Bem-vindo, bienvenido, bienvenu, benvenuto, welcome....


Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Um Feliz 2010 para todos

Que a luz da razão ilumine os povos de modo a que 2010 seja efectivamente um ano de paz e solidariedade




Receita de Ano Novo Carlos Drumond de Andrade



Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ver,

novo até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanhe ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta ou recebe mensagens? passa telegramas?).

Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar de arrependido

pelas besteiras consumadas

nem parvamente acreditar

que por decreto da esperança

a partir de Janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano-Novo que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.



Carlos Drumond de Andrade



in http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/receita.htm

domingo, 27 de dezembro de 2009

Memórias de Bafatá...

Na mensagem meninos Guineenses, incluí um texto (Memórias de Bafatá) e , por lapso, não referi que já foi editado no blog http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/  . Hoje incluo um poema do meu livro Reflexões e Interferências (edição de 2002) poema esse que também já foi editado no referido blogue.
Em ambos os textos as fotos são de Fernando Gouveia.
Aproveito para anunciar que no espaço Vivacidade-Espaço Criativo (ver Blogue)  irá estar partente, a apartir de 4 de Janeiro, uma reportagem fotográfica sua intitulada   "Memórias paralelas da Guerra Colonial (1968-1970)"

E agora o poema...

Telejornal


Vejo o Telejornal no canal dois

A apresentadora fala da BSE, de clonagem, do Kosovo e, logo depois,

de um acidente no Cais do Sodré e da instabilidade na Guiné.

E eu empreendo no tempo uma viagem...

O Braima, a Binta, o Adrião, onde andarão neste momento?

Conheci-os em Bafatá, há muito tempo, iam buscar o "cume" no fim da refeição.

Recordo os seus olhos vivos de crianças pele negra, dentes alvos, sem igual

os passos apressados quando o vento anunciava em breve um temporal

Eu era aluna e eles mestres do crioulo de que mal guardo lembranças.


(fotografia de Fernando Gouveia)



Das mulheres, recordo as suas vestes fossem mulheres grandes ou "bajudas"

no tronco, eram em geral desnudas, presos na cinta panos coloridos

que, de compridos,  chegavam quase ao chão.

Algumas eram de tal modo belas que pareciam extraídas de telas

Recordo, servindo-me o café, o Infali com aquele seu olhar tão doce e triste

talvez o ar mais triste que eu já vi.   Será que o café ainda existe?

Recordo aquele condutor, o Mamadu  mostrando com orgulho o seu menino

Que terá feito deles o destino?

Recordo os passeios na estrada do Gabu os mangueiros, os troncos de poilão,

a mesquita, o mercado, a sensação  de paz que tudo irradiava,

apesar do obus de Piche que atroava,  apesar da maldição da guerra

cujo espectro por cima pairava.

Recordo ainda o cheiro e a cor da terra, o Colufe e o Geba sinuosos

onde canoas esguias deslizavam, recordo macaquitos numerosos

que entre os ramos das árvores saltavam enquanto que lagartos, preguiçosos,

ao sol, pelos caminhos se espraiavam e uma miríade de insectos buliçosos

ao nosso redor sempre volteavam.

Recordo o batuque daquele casamento. Na foto ficou bem impresso o momento

em que o dançarino fazia um mortal numa fantástica expressão corporal

Foi lá na Ponte Nova, naquela tabanca onde de azul se coloriam panos

que as mulheres usavam em volta da anca e que desciam quase até ao chão.

Tudo isto se passou há muitos anos.

A apresentadora fala agora em danos causados por uma longa estiagem

e mostra uma desértica paisagem.

Eu regresso da minha viagem e tento organizar o pensamento.

O telejornal está quase no final. Deve seguir-se a previsão do tempo.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Ainda a Guiné ....


A minha passagem pela Guiné nos longínquos anos de 1969 e 1970, deixou marcas indeléveis. Uma delas inspirou esta aguarela pintada em 2009, cerca de um ano após ter inciado lições de pintura na utopia (ver em blogues favoritos),  com um professor extraordinário,  Domingos Loureiro (ver referência no blogue cor em movimento)


Meninos guineenses

Na mensagem anterior prometi explicar por que razão 30% dos direitos de autor relativos ao livro "Ciência para meninos em poemas pequeninos", reverterá a favor das crianças guineenses.

Algumas das  estórias que aqui irei publicar, ajudarão a perceber porquê. Hoje surge a primeira

Bafatá: álbum de memórias
Agosto de 1969. Sobrevoo o Atlântico com destino a Bissau. O meu baptismo de voo. O avião fez escala no Sal e ainda tenho a sensação da extrema humidade que me envolveu quando saí do avião.
Agora, por sobre as nuvens, vejo o sol nascer. Gostaria de ter “engenho e arte” para descrever quão fantástico é este espectáculo.
Cá estou eu, de novo perdida nas minhas longínquas recordações.
É certo que recordo muitas vezes as minhas duas idas à Guiné. Por vezes, basta-me olhar para o pano, em tons de azul, que tenho na parede ao cimo das escadas que levam ao 2º andar, ou para as fotos no álbum, ou ainda para a bilha de Teixeira Pinto ou para o cesto de Contubuel. Mas desta vez as lembranças invadiram-me com uma intensidade inusitada.












(fotografias de Fernando Gouveia)


O avião acaba de aterrar. Já vejo o Fernando, na sua farda de alferes, alferes miliciano por força da guerra cujo espectro paira, como espada de Demóstenes, sobre a cabeça de todos os jovens varões.
Pensou ainda em fugir, como tantos outros fizeram, mas foi adiando a decisão e acabou por se ver embarcado no navio Ana Mafalda com destino à Guiné. Felizmente foi mobilizado para Bafatá, onde praticamente não havia guerra, embora o obus de Piche, que se ouvia ribombar todos os dias, se encarregasse de lembrar quão sem sentido era ali a palavra paz.

E parece-me ouvir o obus de Piche ao pôr do sol e, simultaneamente, recordo-me da indescritível beleza do pôr do sol naquelas paragens
Olho, estupefacta, o chão do aeroporto. Nacarado pelas inúmeras asas de insectos efémeros cuja vida cessou durante a noite.
Ouço, junto de mim, uma voz arrastada: “Parte um peso”. E vejo a meu lado, envolvido num pano de tom cinza, um velho de rosto muito enrugado mas simultaneamente muito belo, que me estende a mão. O Fernando explica-me o sentido da frase. Em vez de me pedir para lhe dar uma moeda de um peso, pede-me para a repartir com ele. Bonita expressão.

A beleza do rosto deste velho fui encontrá-la em outros rostos que revejo, folheando o álbum de fotografias. Vejo também jovens e crianças, mulheres envoltas em panos coloridos, transportando os filhos nas costas, homens deitados no chão, voltados para Meca, nas horas de oração. Fotografias belíssimas em que o Fernando, amante de fotografia, conseguiu captar como que a beleza visível e a invisível, o explícito e o implícito.




(fotografia de Fernando Gouveia)


Viajo agora de Bissau para Bafatá num Dakota velhíssimo tendo vários companheiros de viagem, alguns um pouco estranhos como galináceos e cabritos.
Continuo a folhear o álbum. Um conjunto de mulheres jovens que, envoltas em panos dum colorido exuberante transportam, sobre a cabeça, recipientes com água.

Estou na tabanca da Ponte Nova. Vim ver a arte de colorir os panos. Ali está um belíssimo em tons de azul. É mesmo aquele que eu quero. Já tem destino, a parede ao fundo das escadas que levam ao 2º andar.

E de novo as imagens no álbum. Imagens belíssimas do pôr do sol. E eis que surgem a Angelina, o Carlos, o Domingos e o Adrião.

O Dakota aterra na pista onde se encontram várias pessoas. Desperta-me a atenção o olhar curioso de algumas crianças de sorriso brilhante. Tento conversar com elas mas recuam timidamente e acabam por fugir embora, furtivamente, se voltem para olhar.

Chego a casa. Simples mas acolhedora. Um pequeno jardim à frente, com vários mangueiros. Três degraus e eis uma varanda coberta, a todo o correr da fachada, e uma porta de acesso ao interior.

Há anos, durante a campanha eleitoral que levou Kumba Yalá à presidência, vi a casa numa reportagem da TV. Os mangueiros frondosos, as paredes já desbotadas e a varanda, essa apinhada de gente.
Chego à varanda, vejo algumas crianças a espreitar do outro lado da rua. Parecem-me as mesmas que ontem estavam na pista quando o Dakota aterrou. De novo tento entabular uma conversa com elas, mas a tentativa é infrutífera e acabam por se afastar, olhando furtivamente para trás.

Como justificar este comportamento? Apenas timidez ou sentem que de certa forma represento o colonizador indesejável, o militar que vem combater o libertador? Que pensarão estas crianças da guerra?

Nha na bai tomá café?

Mas isso foi algum tempo depois, quando a timidez deu lugar à confiança que lhes permitia saudar-me e dar-me conta dos seus passos, ao passarem na rua, muitas vezes a caminho da fonte.

Nó na bai fonti.

Outras vezes, se nada havia para fazer, abriam o portão, entravam no quintal, subiam as escadas de acesso à varanda, sentavam-se no chão e esperavam que a porta se abrisse e eu aparecesse umas vezes de mãos vazias, outras com um pequeno agrado como uma guloseima ou um lápis.

Nó na bai papia com bó.

Quando lhes pedi para me ensinarem algumas palavras e frases em crioulo olharam-me sorrindo com um ar desconfiado, um pouco malicioso. Mas, pouco a pouco, começaram a levar a sério a sua tarefa. E assim fui aprendendo alguma fonologia, possivelmente um pouco adulterada pela minha interpretação dos seus sons. Se as crianças soubessem escrever teria sido mais fácil pois a grafia ajudaria a melhor compreender a fonética.

De tal modo se empenhavam na sua tarefa que chegavam a dizer-me que não me entendiam para me forçarem a tentar falar a sua língua.

Mi cá ôbi português.

Sei que tenho algures uma cassete com gravações das suas conversas. Mas onde estará ela, passados tantos anos?

Bô na disquice tudo…

Ouço a vozita na gravação. Um pouco agastado porque já não me recordava de algumas palavras que tinha aprendido na véspera. Qual deles seria? A voz da Angelina é fácil de distinguir, mas as outras… Já passaram tantos anos…No entanto, tenho quase a certeza que esta é a voz do Carlos.

Tão pequeninos ainda. As suas idades rondavam os seis, sete anos.
De novo no avião, mas de regresso à metrópole. Acabaram as minhas férias.

Comigo viajam o pano destinado à parede ao cimo das escadas que levam ao 2º andar, a bilha de Teixeira Pinto e o cesto de Contubuel , ofertas do Fernando.

O sentimento que agora me envolve é o oposto do que me envolvia na viagem que há dois meses fiz em sentido contrário. Parto com tristeza, já cheia de saudades. Do Fernando, obviamente, mas também da terra, das suas cores, dos seus cheiros, dos seus sabores e das crianças. Fazem-me já falta o seu riso cristalino, a algaraviada das suas vozes, a alegria da sua infância.

Foram despedir-se de mim à pista. Já no ar, ainda via os seus bracitos oscilando, dizendo adeus. Mas estavam com um ar triste, embora lhes dissesse que voltaria no Natal.

Cá jubi, cá obi, cá miste , na jubi, na obi, na miste.

No tempo que mediou entre a partida e o regresso, embrenhada no trabalho, não tive tempo para pensar nas lições de crioulo que esperava retomar quando chegasse.

Hoje já pouco recordo do crioulo que aprendi. Ao ouvir a cassete já não entendo o significado de muitas frases. Mas, curiosamente, surgiram-me com toda a nitidez os rostitos das crianças. É terrível este sentido inexorável do tempo, do mesmo modo que é fantástica esta capacidade selectiva da memória que nos permite esquecer tantas coisas e simultaneamente recordar tantas outras que apesar de tão distantes no tempo, nos surgem como se estivessem a ocorrer precisamente no momento.

O Dakota prepara-se de novo para aterrar na pista de Bafatá. As crianças sabem da minha chegada, pois quase diariamente inquiriam o Fernando.

Desço do avião e correm para mim numa alegria contagiante. Não consigo evitar que duas lágrimas teimosas me escorram pelo rosto.

Vejo que as crianças ficam um pouco confusas ao ver-me chorar. Abraço-me então a cada uma delas e digo-lhes no meu crioulo tão deficiente: Mi gosta Angelina, mi gosta Adrião, mi gosta Carlos, mi gosta Domingos.

Dirijo-me para casa e as crianças acompanham-me. Retiro do saco de viagem umas lembranças que trouxe: uns lápis, umas borrachas, uns apara-lápis, uns cadernos e uns chocolates. Reflicto sobre a pobreza das minhas lembranças quando as comparo com a dádiva do seu riso cristalino, dum valor infinitamente superior.

Recordo a expressão “parte um peso” que tantas vezes ouvi, após aquela primeira vez, ao desembarcar em Bissau. Expressão bonita…

Que “parti” eu com eles? Afectos, por certo, mas recebi muito mais que aquilo que dei. Jamais eu poderei esquecer aquelas crianças.
A cassete chegou ao fim. Fecho o álbum e a imagem das crianças apresenta-se-me com toda a nitidez. Parece-me ouvir as suas vozes e o seu riso de cristal. Que será feito delas hoje? Por certo nenhuma se lembrará de mim. Foram efémeras as lembranças que lhes dei. Eu, pelo contrário, recordo-as com a nitidez nos seus seis, sete anos.

Que será feito delas? Serão por certo pais e até avós, dado que geralmente casam muito novos. Ainda viverão em Bafatá?

Ainda viverão? E quando me faço esta pergunta sinto um enorme aperto no peito.


(As frases e palavras, pretensamente em crioulo, reflectem apenas uma fonografia que traduz os sons que me chegavam ao ouvido. Não conheço nenhuma fonte a que possa recorrer para uma escrita correcta das mesmas.)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ciência para meninos em poemas pequeninos

É este o título do meu último livro. Editado pela GATAfunho, foi apresentado pelo Professor Manuel Rangel, no dia 1 de Dezembro, pelas 17h00, no Auditório do CLP, ê no dia 16 do mesmo mês na Vivacidade. 

As  ilustrações são do meu filho Nuno, que já ilustrou o livro anterior (Era uma vez ...Ciência e Poesia no reino da fantasia, Campo das Letras)

(30% dos Direitos de Autor serão destinados às crianças da Guiné Bissau, através da Ajuda Amiga)
Num próximo post explicarei por que escolhi as crianças guineenses


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Este blogue é como que uma extensão do blogue  http://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/.
Será um blogue mais intimista onde partilharei convosco textos e pinturas,  de minha autoria e não só...